Os paradigmas da magia

Magia

Depois de algum tempo fazendo experiências com sigilos, você necessariamente vai chegar a uma de duas conclusões: ou bem eles funcionam ou não funcionam. Se você concluiu que não funcionam, este artigo não é para você. Não que você não possa ou deva lê-lo, mas dificilmente ele terá alguma informação útil para alguém que chegou à conclusão de que magia não funciona.

Por outro lado, se suas experiências foram encorajadoras o suficiente para seguir adiante, se você concluiu que esse papo de sigilização e o escambau até pode ter alguma coisa a ver e que talvez, quem sabe, magia funcione, o próximo passo provavelmente é perguntar por que ela funciona. No entanto, em muitos sentidos, a melhor resposta para essa pergunta é: porque sim.

“Porque sim não é resposta”, dirá você, provavelmente canalizando alguma coisa que ouviu sua mãe dizer tantas vezes na infância que acabou incorporando ao superego. Num certo sentido, você (e sua mãe) tem razão. “Porque sim” não é resposta ou, pelo menos, não é uma resposta satisfatória. A mente, sobretudo a mente condicionada pela mentalidade ocidental, precisa de uma explicação para seguir adiante, precisa de, para citar outro clichê, razões para acreditar. E é por isso que, geração após geração de magos, bruxos e feiticeiros conjuraram teoria em cima de teoria para tentar explicar o funcionamento da magia.

De acordo com Frater U. D., ocultista alemão e um dos pioneiros da Magia do Caos, pelo menos em sua versão contemporânea, a maior parte das teorias sobre magia se enquadra em quatro paradigmas, isoladamente ou em diferentes combinações dos quatro: O paradigma espiritual, O paradigma energético, O paradigma psicológico, O paradigma informacional, O meta-paradigma.

O paradigma espiritual

É o modelo mais antigo e, até hoje, um dos mais populares. Segundo essa interpretação, a magia é causada por entidades espirituais – espíritos, demônios, anjos, deuses, elementais, you name it. O mago comanda, pede, implora, reza ou barganha com essas entidades, que existem literalmente, como criaturas totalmente independentes do mago e que precisam ser convencidas a conceder o que ele deseja. Essa negociação constitui os diferentes rituais que ele emprega.

Como dá para perceber por esse resumo, o paradigma espiritual delimita um terreno que a magia compartilha com a religião, e provavelmente surgiu antes que a diferença entre elas estivesse bem definida – até porque, em muitos sentidos, ela não é inteiramente clara até hoje.

De acordo com essa visão, existem diferentes níveis de realidade, que vão do mundo físico mais grosseiro até os planos espirituais mais sutis. Cada um desses níveis é habitado por criaturas dotadas de um grau de consciência compatível, formando uma espécie de hierarquia espiritual que os neoplatônicos denominavam de A Grande Cadeia do Ser.

Esses níveis não apenas se conectam e podem se comunicar entre si, como também são capazes de exercer uma influência mútua e recíproca. Quanto mais alto o nível de realidade habitado pela entidade que o mago contacta, mais fortes e mais amplos os efeitos que ela pode exercer sobre o nosso mundo. Mas, como não existe almoço grátis, na maioria das vezes, elas vão requerer algo em troca de sua ajuda, e esse algo pode ir desde acender uma vela para a entidade até vender a alma a algum tipo de demônio.

O paradigma energético

Aqui, magia é a canalização, através da vontade ou por outros meios, de algum tipo de energia universal, que os hindus chamam de prana, o Taoísmo de c’hi e que o psicanalista alemão Wilhelm Reich redescobriu e batizou como orgone. Ela também recebe outros nomes na literatura ocultista, como od, vrill ou azoth.

Algumas vezes, a energia espiritual é concebida como paralela e independente da energia física estudada pela ciência mas, na maioria dos casos, ela é considerada a matriz da qual as energias e forças do mundo físico são derivadas.

As entidades do primeiro paradigma muitas vezes são reinterpretadas como representações alegóricas dessa energia, e rituais são ferramentas usadas para ativar e direcionar seu fluxo. Existe, porém, uma espécie de híbrido entre o paradigma espiritual e o energético. Nesse híbrido, a energia espiritual é considerada como a realidade fundamental, e os diversos níveis, planos e mundos são criados por essa energia vibrando em diferentes frequências. Neste caso, as entidades espirituais podem ser vistas como formas de consciência sintonizadas com essas várias frequências.

Em algumas religiões, como no hinduísmo e diversas formas de xamanismo, pode-se observar em primeira mão a transformação do paradigma espiritual no energético. Na antiga religião védica, por exemplo, era comum a prática de tapas, determinados atos rituais que visavam atrair a boa vontade dos deuses e garantir suas bênçãos. Com o tempo, os tapas acabaram dando origem às várias formas de exercícios agrupados sob o nome de yoga, e em algumas seitas tântricas, tanto o mundo quanto os deuses são formas de manifestação de uma energia primordial chamada Kundalini ou Shakti (que é o termo sânscrito para “força”).

O paradigma psicológico

O paradigma psicológico é um resultado direto da influência exercida sobre o ocultismo, no início do século passado, pela psicanálise freudiana e, mais ainda, pela psicologia analítica de Jung que, se de um lado abriu as portas da psicologia para o estudo de temas religiosos e esotéricos, como a alquimia e o espiritismo, por outro também franqueou a místicos e esoteristas o acesso a conceitos psicológicos de ponta.

A tese de doutorado de Jung, de fato, era intitulada Sobre a Psicopatologia dos Assim-Chamados Fenômenos Ocultos, e tratava do estudo psicológico das comunicações mediúnicas. Pegando o mote de Jung, dentro do paradigma psicológico, as entidades espirituais são consideradas como personificações de complexos ou arquétipos no inconsciente do mago, que é onde a magia literalmente acontece.

As razões pelas quais ela exerce sua influência sobre outras pessoas e sobre a realidade externa têm a ver com o fato de que, segundo Jung, nas camadas mais profundas, o inconsciente deixa de ser individual para se tornar o inconsciente coletivo, capaz de produzir efeitos no mundo físico por meio do princípio de sincronicidade, que Jung descobriu e formulou com a ajuda do físico Wolfgang Pauli, e que ele define como a ocorrência simultânea de um fenômeno psicológico e um fenômeno físico que não têm uma relação causal entre si – isto é, não é o fenômeno psicológico que causa o físico, nem vice-versa – mas que compartilham de uma conexão simbólica, gerada pela influência de um arquétipo.

O Paradigma Informacional

Se o paradigma espiritual é o mais antigo, o paradigma informacional é o mais recente e nasceu em algum ponto da década de 1970, quando magos interessados na ciência contemporânea e engenheiros que praticavam magia (para desespero dos que acham que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa) começaram a absorver a influência da Teoria da Informação de Claude Shannon e da Cibernética de Norbert Wiener. Mas, como seria de se esperar, esse paradigma floresceu mesmo com a Revolução da Informática, nos anos 1980, que, parafraseando Bruce Sterling na introdução à antologia cyberpunk Mirrorshades, tirou a alta tecnologia dos laboratórios e a jogou no nível da rua.

Esse paradigma se alimenta igualmente de teorias recentes da física, segundo as quais o componente fundamental da realidade não é a matéria, muito menos a energia, e sim a informação, isto é, os padrões de organização que estruturam matéria, energia e tudo o mais, e que também podem existir em estado puro.

Dentro do paradigma informacional, a magia opera uma série de transformações nesse padrões de organização, de modo que as transformações se refletem na própria realidade que os padrões estruturam. Um ritual é quase como um fluxograma, uma descrição simbólica dos passos necessários para se obter a transformação desejada, e as entidades que a magia invoca e evoca não passam de símbolos, exatamente como os símbolos de um fluxograma.

O Meta-paradigma

Mais do que o paradigma informacional – apesar de todas as suas ressonâncias modernosas a tecnologia e informação –, o modelo que melhor reflete o espírito da Magia do Caos é o meta-paradigma. Podemos dizer que, se o paradigma informacional é o mais moderno, o meta-paradigma é pós-moderno.

“O mapa não é o território”, diz uma frase famosa do Conde Alfred Korzybski, o criador da Semântica Geral, e, seguindo esse espírito, o meta-paradigma parte do princípio de que nenhuma descrição da realidade é totalmente correta ou inteiramente falsa. Modelos são necessariamente uma abstração, uma simplificação da realidade, e diferentes mapas vão abstrair diferentes aspectos da realidade. Um mapa geopolítico, mostrando as fronteiras e divisas entre países e estados, é diferente de um mapa meteorológico, que vai mostrar as correntes de ventos, temperaturas, etc. Mas você não pode dizer que um mapa meteorológico é mais (ou menos) verdadeiro do que um mapa geopolítico. Depende da informação que você busca, e isso, por sua vez, vai depender do uso que você pretende dar à informação.

Aderindo ao meta-paradigma, um caoísta é livre para escolher os elementos que quiser dos demais paradigmas, conforme o objetivo do ritual que ele está executando. Em alguns casos, vai ser mais útil considerar o ritual como um conjunto de ações simbólicas cuja finalidade é provocar uma transformação na consciência, quer do mago, quer de outra ou outras pessoas, o que tornaria o paradigma psicológico o mais indicado.

Em outros casos, por uma série de motivos, pode ser mais interessante considerar as entidades como espíritos independentes, como no paradigma espiritual. Mas também pode ser melhor tratar a operação, não como um ritual semi-religioso, mas como uma série de exercícios psicofísicos, como os do yoga ou pranayama (cuja prática Crowley recomendava enfaticamente a seus discípulos), que são melhor descritos pelo paradigma energético, ou como uma sequência de transformações quase que no sentido matemático, para as quais a linguagem do paradigma informacional funciona melhor.

Qual desses modelos é o correto? A resposta, claro, é o que for mais adequado, e isso define não só o meta-paradigma, como também a relação inovadora que a magia do caos tem com o conceito de crenças e sistemas de crenças.

Um sistema de crenças é uma descrição da realidade, que define não só como as coisas supostamente são, mas também os critérios que determinam o que pode ou não existir dentro da realidade descrita. O exemplo óbvio é Deus: num sistema de crenças religiosas (com exceção do Budismo), Deus ou alguma forma de deus não só é admitido como, de fato, considerado a peça-chave na explicação da realidade, que ou ele criou ou deriva dele de alguma forma. Nas palavras de Voltaire, o filósofo que, apesar de ser um dos criadores do Iluminismo, acreditava piamente em Deus: “Se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo.” Um sistema de crenças cientificista, por outro lado, tende para o ateísmo. Deus não existe e, consequentemente, é preciso explicar a vida, o universo e tudo o mais de alguma outra forma. Como disse o cientista Pierre Simon Laplace, conterrâneo e contemporâneo de Voltaire: “Deus? Não precisei dessa hipótese.”

Normalmente, as pessoas que aderem a um sistema de crenças o consideram como uma descrição objetiva, um retrato acurado do mundo: se eu acredito em alguma coisa, é porque ela existe e, se eu não acredito, então não existe. Consequentemente, você não pode adotar sistemas de crenças incompatíveis, e é por esse motivo que Richard Dawkins tem que fazer altos contorcionismos intelectuais para justificar o fato de que alguns cientistas, como ninguém menos que Einstein, acreditam em Deus: para ele, ser um cientista e acreditar em Deus pertencem a sistemas de crenças mutuamente incompatíveis e, como outro ateísta famoso, Sam Harris, escreveu no início de sua Carta a uma Nação Cristã: “Numa coisa, nós dois concordamos: se um de nós está certo, o outro está errado.”

Para a Magia do Caos, a frase de Harris não faz o menor sentido. Sistemas de crenças contraditórios entre si podem ser simultaneamente verdadeiros, no sentido de que descrevem elementos que correspondem à nossa experiência da realidade, e ao mesmo tempo serem ambos falsos, uma vez que nenhum deles é a realidade que descrevem. Assim, em vez de se agarrar cegamente a um conjunto de crenças como se fosse a Verdade Absoluta, inquestionável e indiscutível, o caoísta desenvolve a habilidade de entrar e sair de sistemas de crenças mais ou menos à vontade, o que lhe permite usar as crenças como ferramentas. E quanto mais ferramentas você tem na sua caixinha, melhor. Como diz o ditado, se a única ferramenta que você tem é um martelo, vai acabar tratando todos os problemas como se fossem pregos.

Então, por que a magia funciona? Pelo motivo que você achar melhor para a função que quer que ela exerça. Ou, em outras palavras, porque sim.