“Democratização do acesso ao cinema no Brasil” foi o tema da redação do Enem de 2019. O assunto dividiu opiniões: alguns acharam importante debater sobre uma questão que pode gerar um maior desenvolvimento para o setor e outros acharam irrelevante.
A questão não é debater sobre a pertinência do assunto, mas sobre o distanciamento da arte no Brasil. E foi então que alguns questionamentos me rodearam: Será que o cinema é realmente democrático? Será que a 7º arte é relevante para os moradores de periferias e do interior do Brasil? Será que o cinema fala com todos de forma igual e sem descriminação?
A minha primeira experiência com cinema foi na infância, através do vídeo cassete e as idas à locadora nas sextas-feiras. Eu esperava ansioso a semana toda para ler sinopses e escolher um filme, que poderia ser bom ou ruim. Esse ritual, por si só, já me deixava extremamente feliz. Mesmo que o filme fosse péssimo, desenvolvia em mim a experiência de reconhecer bons atores, roteiros e fazer comparações sobre narrativas e qualidade técnica.
Cresci em Búzios, no RJ. A cidade onde eu morava só tinha uma sala e com o ingresso bem caro. Imagina levar uma família de 5 pessoas? Sem condição. Assistir a um filme no telão só aconteceu anos depois, na adolescência. Perdi a virgindade com o excelente Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel. Fiquei encantado, e não me importava se a sala era ruim e a projeção péssima, mas sentir a magia de estar imerso na história, de fazer parte de uma narrativa que não era do meu cotidiano, foi incrível.
Esse sentimento foi tão forte quanto um culto religioso, e despertou em mim uma emoção que só consigo descrever como paixão. Foi um momento crucial na minha vida, e foi também quando decidi que queria trabalhar com cinema para conectar pessoas através da imagem e do som.
Sei que sou privilegiado em comparação à grande parte do Brasil, onde cinema é algo distante. O motivo na maioria das vezes é monetário. Estamos falando de um país que o salário-mínimo é de R$998.00 reais e o ingresso custa em média entre R$16 e R$50 reais. Isso sem contar o transporte e a alimentação, que torna o hábito de ir ao cinema inviável.
Sim, é um hábito. E precisa ser constantemente lapidado. Como alguém da periferia consegue criar um vínculo emocional com os filmes, se não se sente representado por eles?
Cinema é, além do entretenimento, uma forma de combate à alienação cultural e desigualdade social. O longa Pantera Negra, por exemplo, foi um grande impulsionador nesse sentido, abrindo portas para muitas pessoas. A representatividade de ter um ator negro como protagonista e herói causou diversas reações emocionadas. Há vídeos na internet em que as pessoas se sentiram profundamente felizes apenas com o pôster.
O sentimento de identificação constrói um vínculo forte. A empatia também pode vir de personagens completamente diferentes de você. Quando assisti a Infiltrado na Klan e Detroit em Rebelião foi como se eu tivesse levado um soco. O impacto das histórias reais é transformador. Assistir a Cidade de Deus é conhecer os problemas sociais que contribuíram com o crescimento e desenvolvimento das favelas no Rio e entender que esses problemas acontecem até hoje.
O debate sobre o tema da redação me fez perceber como o cinema é levado como uma arte supérflua por grande parte dos brasileiros. E a lacuna social só cresce com a falta de investimentos do governo. Ouvir a frase “viver de arte não dá dinheiro” torna ainda mais distante a ideia do hábito cultural. Desenvolver um país é investir em cultura, arte e educação. E, se formos falar de educação, veremos que também é outro tema nada democrático aqui no Brasil.
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