Neonomicon

Neonomicon

Neonomicon

Neonomicon (2010), Alan Moore.

H. P. Lovecraft talvez seja o autor que mais vezes teve sua obra revista e apropriada na literatura. Desde seu contemporâneo e colega Robert. E. Howard (criador do Conan) até escritores dos dias atuais como Neil Gaiman, muitos já beberam da fonte dos mitos lovecraftianos para criarem suas próprias histórias.

Contudo, nenhum deles os usou de forma tão bizarra como Alan Moore em Neonomicon, história em quadrinhos lançada em quatro edições nos EUA e que chega aqui no Brasil como uma única edição encadernada e sem cortes da Panini Comics.

O livro na verdade apresenta duas séries. A primeira é O Pátio, onde acompanhamos um agente do FBI chamado Aldo Sax, que investiga uma série de crimes que remetem a uma subcultura ligada ao trabalho de Lovecraft. A segunda série é a própria Neonomicon, focada na agente Merril Brears, recém-curada de seu vício em sexo, e seu parceiro Gordon Lamper. Durante sua investigação sobre um crime, os dois acabam se aprofundando nos segredos aterrorizantes de uma seita misteriosa, idiomas estranhos e criaturas saídas de pesadelos.

Moore se apropria como poucos de Lovecraft. Onde este é discreto, aquele é direto; onde Lovecraft é sugestivo, Moore é explícito. Se nas histórias de Lovecraft não havia referência a sexo, aqui temos cenas de orgias e estupros. Ao mesmo tempo em que isso torna a HQ impactante, tira um pouco da força do horror soturno do escritor americano. Seus monstros assustavam porque eram inimagináveis, nós só os conhecíamos através de fragmentos e testemunhos truncados de loucos. Então, ao ler a HQ e se deparar com um monstro de pênis ereto e ejaculando, não é exatamente medo o sentimento que vem à mente.

Temos alguns pontos altos aqui, como a ambientação e a forma como as referências são utilizadas. Destaque também para a arte de Jacen Burrows, cujo traço limpo casa com a proposta do roteiro. Os protagonistas são bem trabalhados, embora os coadjuvantes nem tanto. Entre estes, o destaque fica com Johnny Carcosa, o traficante de produtos eróticos inspirados nos Mitos de Cthulhu. A linguagem mais uma vez é posta em primeiro plano por Moore, aqui trabalhando de forma inteligente a “paleossintaxe” inspirada na língua ancestral dos contos lovecraftianos.

E um aviso: as cenas de violência e sexo são realmente pesadas, então não é uma leitura para os mais sensíveis. De igual forma, a abordagem do racismo em Lovecraft é trabalhada de modo bem distante do politicamente correto.

A leitura vale a pena, até pela mistura de dois grandes escritores que marcaram o gênero do horror, um na literatura e outro nos quadrinhos. Mas o resultado, embora interessante, fica aquém do melhor que cada um produziu.