A Entidade

A Entidade

A Entidade

A Entidade (2012), Scott Derrickson.

“Os primeiros cristãos acreditavam que Bahghoul vivia nas imagens de si mesmo e que elas eram portas de entrada para seu reino”.

A Entidade trabalha sua história em cima do mito dessa criatura obscura. Ainda que inicialmente pareça uma trama de assassinatos em série, a ideia é, basicamente, se apropriar de um folclore popular e subvertê-lo, mais ou menos como No Cair da Noite fez com a Fada do Dente. O filme subverte uma criatura ainda mais popular do folclore: o Bicho-Papão. Pra explicar melhor, em determinado momento do filme (e isso não é spoiler), a criatura aparece nomeada como Mr. Boogie — inspiração para a palavra Bahghoul que dá nome à entidade — e um dos nomes em inglês do Bicho-Papão é justamente Boogieman.

Dito isso, o Bicho-Papão é um monstro imaginário usado pelos adultos para assustar as crianças que não se comportam. Ele é uma personificação do medo que se alimenta do medo — lembra da animação Monstros S.A?! É mais ou menos isso, sem o bom humor. Segundo o folclore, o Bicho-Papão se esconde nos cantos escuros da casa, dentro dos armários ou embaixo das camas.

Aqui, numa livre (e inteligente) adaptação do conceito, ele se esconde em suas próprias imagens — ou seja, no próprio medo que provoca nos outros. Sim, lembra um pouco O Chamado. Mas convenhamos que histórias de terror baseadas em projeções de 8mm sempre tem um clima de coisa antiga e perigosa com o qual não se deve mexer. Além disso, filmes de terror que utilizam figuras do folclore popular como base pra suas histórias distorcidas, quando bem trabalhados, sempre têm potencial pra resultados consideravelmente horripilantes — vide os supracitados No Cair da Noite e O Chamado. Por isso mesmo é que A Entidade consegue ser insanamente macabro.

Ao invés de usar a ideia dos filmes caseiros para contar histórias pretensamente reais, o sinistro filme de Scott Derrickson — responsável pelo também bizarro O Exorcismo de Emily Rose — usa sabiamente seu material caseiro para fornecer informações e imagens agonizantes sobre a trama, que torna-se ainda mais perturbadora quando embasada pelos ruídos e sons lamuriosos da trilha sonora de Christopher Young — a cena do filme que mostra a família sendo queimada num carro cheio de correntes é de arranhar a alma!

Na trama, Ellison (Ethan Hawke, bastante convincente no papel) é um romancista especializado em histórias de crimes que se muda com sua família para uma casa onde uma família foi assassinada. Lá, ele descobre uma caixa misteriosa cheia de filmes caseiros perturbadores e se vê envolvido junto com sua família num terrível pesadelo de horror sobrenatural. Para tentar proteger sua esposa Tracy (Juliet Rylance) e seus filhos, Ashley (Clare Foley) e Trevor (Michael Hall D’Addario), Ellison recorre à ajuda de um delegado local (James Ransone, divertido como único alívio cômico nessa história tensa) e o famoso estudioso de ocultismo Professor Jonas (Vincent D’Onofrio, numa participação rápida, porém marcante).

Apesar de sua trama fundamentada pelo sobrenatural, A Entidade também se destaca por um sutil senso de realismo — que é consideravelmente auxiliado pelo bom desempenho de Hawke. Ellison não aparece como um herói padrão de filmes de terror, que se assusta e ainda assim persiste na burrice de ir até os lugares que deveria evitar. Pelo contrário, Ellison, como escritor investigativo, mostra-se um personagem apegado ao mundo real, tão desesperado para encontrar uma nova história e tão curioso para descobrir os fatos acerca dela, que não consegue evitar o desejo instintivo de olhar mais a fundo, mesmo que precise subir num sótão escuro no meio da noite. A natureza do personagem é ser curioso, o que torna suas ações perfeitamente aceitáveis — o que foge um pouco do senso comum de filmes em casas medonhas com o qual O Segredo da Cabana brinca lindamente. Além disso, Hawke transmite esse caráter de seu personagem com uma facilidade atraente de assistir.

Outro ponto positivo é que por causa dessa curiosidade desmedida de Ellison, o filme transcorre rápido. Não sofremos durante muito tempo com aquela embromação dramática do primeiro ato comum a esse tipo de história de terror. Não demora mais do que vinte minutos até sermos jogados no mistério dos assassinatos e sermos apresentados (ainda que de relance) à misteriosa entidade, e isso mantém nossas mentes trabalhando o tempo todo, enquanto nossos músculos ficam retesados pela tensão.

A Entidade é fascinante por isso — despertar sensações incômodas, subverter um mito com eficiência aterrorizante e garantir um desfecho digno de um bom terror. Bahghoul não é brincadeira de criança. É puro horror.