A Entidade 2 (2015), Ciaran Foy.
A grande sacada de A Entidade 2 em relação ao primeiro filme é oferecer personagens mais fortes e uma história de mais impacto emocional, construindo uma evolução interessante para o tipo de horror explorado pelo anterior. Esse segundo filme da franquia é mais profundo, mais denso no enredo, e menos preocupado em simplesmente causar sustos. Alguns podem se incomodar com isso. Eu, particularmente, considero uma forma genuína de fazer um bom horror. Existe um conceito de que filmes de terror devem ter como prioridade causar sustos. Acredito que, mais importante do que isso, um filme de terror deve instigar emoções. Desconforto, tensão, empatia pelos personagens, ansiedade, medo. Nenhuma dessas emoções precisa realmente de um susto para ser estimulada. E o conceito de que tudo na história deve girar em torno de ~sustos é provavelmente a razão por que muitos filmes de terror de hoje em dia são tão rasos.
Pensando por um ponto de vista literário, um livro de horror é um caso em que a preocupação por estimular emoções é maior do que dar um susto. A Entidade 2, em muitos aspectos, trabalha sua ideia em cima desse tom mais literário, usando as imagens a favor da história, não apenas como elemento prioritário da trama. Em muitos momentos, sente-se como o tipo de história que Stephen King, ou o filho dele, Joe Hill, escreveriam — e semelhanças sutis com o conto Colheita Maldita ou o livro Nosferatu tornam a ideia mais forte. — Como complemento, a trama ainda possui uma atmosfera sombria de investigação do oculto que remete à literatura de HP Lovecraft; aquela coisa de um homem comum buscando pistas e detalhes obscuros de casos sobrenaturais que podem levá-lo à loucura ou à morte, que tem medo de seguir adiante em suas investigações, mas prossegue, porque alguém precisa conhecer a ameaça, entendê-la, e talvez, fazer alguma coisa para impedir que ela venha à tona e provoque estragos horrendos.
Emocionalmente falando, A Entidade 2 explora as ansiedades de uma criança que sofre abusos de um pai indiferente, que também é negligenciado de forma involuntária por uma mãe legitimamente preocupada, mas que não parece consciente da real extensão do que acontece com os filhos. A construção da dinâmica entre a mãe Courtney e os gêmeos Dylan e Zach cria questionamentos intrigantes: ativo contra passivo, criar violência na forma de arte contra submeter-se à violência sem questionar, ação contra omissão. Dessa forma, esse segundo filme reconta as ideias do primeiro sob uma ótica mais próxima do elemento sobrenatural do que das pessoas tentando lidar com o elemento sobrenatural. O interessante é que, ao fazer isso, ele acaba justamente ajudando a tornar mais profundas as fragilidades dessas pessoas que enfrentam uma ameaça que não compreendem. A inserção do Ex-Delegado de James Ransone (sobrevivente dos incidentes do primeiro filme) reflete bem essa fragilidade, que é encarada por ele de forma mais cômica (ele também tinha um ar mais cômico no primeiro), ao contrário da forma como é abordada no drama familiar de Courtney.
Mas não se engane. Existem momentos de susto, pontuais, inseridos de acordo com os interesses da história, e não somente o assustar por assustar. Existe também a violência, em cenas horríveis de pessoas queimadas vivas ou devoradas por animais, excessivamente granuladas para dar a sensação de filmagem caseira envelhecida, e com uma trilha sonora de ruídos macabros (assim como no primeiro, os sons são criados com efeitos práticos que misturam zumbidos de insetos, pregos arranhando metal, papel sendo amassado, entre outras coisas, quase como os efeitos sonoros criados para as radionovelas de antigamente).
Por falar em rádio, interessante o conceito de origem do Bahghoul ligado aos primórdios do rádio, através do som, e como ele foi evoluindo e se adaptando ao surgimento da fotografia, da televisão e do cinema; ainda mantendo a referência do Bahghoul como a criatura ligada ao folclore do Bicho-Papão, algo que no primeiro era apenas insinuado, e que agora é verbalizado. O Bahghoul espreita nos cantos e corrompe crianças até que elas sacrifiquem a família em tributo a ele. Essa é a ideia do primeiro filme, expandida e até mesmo um pouco distorcida nesse segundo. Aqui podemos conhecer melhor todas as implicações de se lidar com a entidade. Por isso esse é o tipo de terror que vale a pena. Ele não cobra apenas sustos como tributo, ele cobra mais. O Bahghoul faz com que as crianças produzam seu próprio filme, de modo que elas próprias sejam transportadas para dentro do filme e se tornem vítimas. O filme quer que sejamos suas vítimas também. Essa é uma das muitas maneiras de pagar tributo à entidade. Como um pesquisador de oculto explica em determinado momento da história: “é a observância estética da violência.”
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