Capitão América: Guerra Civil (2016), Anthony Russo e Joe Russo.
Que época boa para ser fã de super-heróis! Muita coisa acontecendo, muitos filmes sendo produzidos, muitas sagas sendo lançadas. O cinema, a televisão e os quadrinhos nunca viram tanta força nestes personagens e tanta integração de seus universos quanto agora. A Marvel Studios sem dúvida é uma das grandes responsáveis por isso e uma das que melhor conduziu os super-heróis até agora. O Capitão América é a maior evidência disso, um dos que melhor se adaptaram ao universo cinematográfico. O caminho desde sua estreia em 2011 até aqui construiu com segurança uma das maiores trilogias de super-heróis do cinema. Isoladamente ou integrados ao todo da Marvel, os três filmes moldaram um verdadeiro herói de sua origem até o amadurecimento de seu poder e ideais. Até o ponto de colocá-lo em choque com os poderes e ideais de todo um mundo de outros heróis.
Capitão América: Guerra Civil mexe com os ideais de um mundo ainda queimando nas chamas dos Vingadores de 2012. Assim como a cultura pop em si mudou dramaticamente com o passar dos anos após a reunião dos heróis promovida por Joss Whedon, o Universo Cinemático da Marvel enfrenta o efeito dominó de catástrofes que se seguiram à Batalha de Nova York.
Soma-se a isso toda diversão e criatividade de todas essas histórias e a forma como personagens interessantes vem sendo desenvolvidos e unificados ao longo dos anos. Anthony e Joe Russo pegam todo esse histórico e conseguem elevá-lo a patamares ainda mais incríveis.
Essa é a Guerra Civil da Marvel!
O enredo pega elementos e objetivos da Guerra Civil dos quadrinhos e acrescenta o drama da perseguição à Bucky como estopim para o conflito. A configuração das coisas constrói o filme como uma continuação tanto para Vingadores: Era de Ultron quanto para Capitão América: O Soldado Invernal. O filme é o mais abrangente da Marvel até agora.
Guerra Civil assume uma abordagem mais emocional e reflexiva em relação aos seus personagens. As performances individuais são excelentes em explorar como os conflitos vão se formando e como os heróis vão sendo inseridos nele, nos concedendo a oportunidade ímpar de ver como eles reagem quando discordam entre si. O choque principal é entre Capitão América e Homem de Ferro, e assume um tom ainda mais emotivo por romper com uma amizade que sempre foi conturbada, mas sempre esteve ali movendo a unidade dos Vingadores. A ruptura entre os dois maiores líderes da equipe é uma ruptura impactante para os personagens, e para os fãs.
A Guerra Civil original, publicada em 2006, era inspirada no maior conflito interno da história dos Estados Unidos, que dividiu o país em dois no século XIX. A Guerra de Secessão nasceu de uma luta de liberdade pelo futuro do país. A saga dos quadrinhos de Mark Millar e Steven McNiven também era sobre isso. O contexto sóciopolítico, tão mais forte e incisivo nos quadrinhos, corre como pano de fundo no filme com força moderada. Há o idealismo e a busca por liberdade. Há também o ódio e o sentimento de vingança que vêm da guerra.
O foco, contudo, é mais o drama de relações instáveis entre os personagens. As implicações sobre ser um super-herói atuando independente das nações do mundo são tratadas sob óticas mais íntimas e eventualmente desaparecem nas disputas passionais que estouram entre os heróis. Curiosamente o embate reflete muito da sociedade de hoje, constantemente preparada para desfazer amizades ao menor sinal de divergência de ideias. O mundo movido pelo ego cria heróis engolidos pelo orgulho. Quando retirados de dentro de suas armaduras, só lhes resta, como crianças mimadas, chorar por um legado paterno que até então pouco valorizavam. Ainda que não seja tão político quanto a saga dos quadrinhos, ainda tem bastante do social ao mostrar que todos, mesmo os mais valorosos e poderosos, precisam crescer e amadurecer.
Assim como em um filme dos Vingadores, é louvável a forma como o roteiro permite que cada personagem brilhe, desenvolva suas relações e assuma sua posição no tabuleiro da guerra. Nada é desperdiçado e nunca há a sensação de excesso no enredo. A história nunca foge demais da trama central. Todos têm a chance de interagir com todos.
Falcão e Bucky desenvolvem uma relação complexa, um amigo do presente e um amigo do passado de Steve Rogers, que rendem momentos descontraídos sempre que estão juntos. Chadwick Boseman é apresentado como o Príncipe T’Challa e não demora a mostrar a dignidade de assumir o manto do PANTERA NEGRA. Ele é impetuoso, passional, inteligente e feroz como sua contraparte dos quadrinhos. T’Challa é o novato com mais tempo de tela, abrindo o caminho para o filme solo do herói em 2018 e para sua integração com os Vingadores, uma vez que ele é um dos membros mais valiosos da equipe na história da Marvel.
Outros heróis têm menos tempo em cena, e mesmo assim deixam uma marca duradoura. Impossível não se empolgar com o retorno sensacional de Paul Rudd como Homem-Formiga. Agora a aparição mais absurdamente esperada é dele… o Escalador de Paredes, o Amigo da Vizinhança, O HOMEM-ARANHA!!! Bem-vindo de volta, Peter Parker! Finalmente!!! O Homem-Aranha aparece só em uma meia dúzia de cenas e é o bastante para nos fazer querer vê-lo em um monte de outras cenas, e um monte de outros filmes. Ele é tudo o que adoramos no personagem. E o mais legal, é um tremendo fanboy entusiasmado por estar no meio de um monte de super-heróis lendários. Mais Homem-Aranha, por favor. Obrigado.
Mas o Aranha não é o único jovem inexperiente da história, e isso é uma das grandes sacadas de Guerra Civil também. Wanda Maximoff entrou na equipe em Vingadores: Era de Ultron de forma avassaladora e teve pouco tempo para processar tudo o que aconteceu, suas relações com os demais heróis e o mundo, e a quantidade absurda de poder que possui. A Feiticeira Escarlate é uma das mais poderosas personagens das histórias em quadrinhos da Marvel, mas sempre foi alguém em conflito constante consigo mesma; e não é diferente da Feiticeira Escarlate que conhecemos no cinema. A amizade dela com Capitão América, em uma espécie de relação mentor/aluna, é cativante. A aproximação dela com Visão é maravilhosa, não só por causa do relacionamento que existe entre os dois nos quadrinhos, mas também por causa da conexão de ambos terem acabado de nascer para o universo dos super-heróis no cinema. Enquanto tenta lidar com seus conflitos internos e o sentimento de rejeição, é interessante ver como Wanda vai ganhando força. Ela está presente em quase todos os grandes momentos da ação, e quase sempre seus poderes são importantes para os acontecimentos. Ela é foda. MUITO. FODA. O tempo todo.
Após anos de trabalho para construir a história maior dos super-heróis no cenário, Guerra Civil se permite reunir toda a dinâmica das relações entre os personagens em uma narrativa mais emocional, sem perder, contudo, o aspecto de puro entretenimento de seu universo. O humor é sutil e pontual, aparece nos momentos certos, sem exageros. Equilibra bem com os momentos mais tensos e dramáticos.
A Marvel melhorou muito seus combates e sequências de ação, especialmente depois da chegada dos Irmãos Russo em Capitão América: O Soldado Invernal. Essa maturidade é visível nas cenas de perseguições, nas lutas corpo a corpo, nas batalhas SENSACIONAIS de super-heróis usando seus poderes uns contra os outros! O trabalho de coreografia, os ângulos de câmera, a coordenação entre movimentos e personagens, o jogo de efeitos práticos e efeitos visuais, tudo é primorosamente trabalhado e incrivelmente memorável. O domínio do Capitão América com o escudo. As acrobacias voadoras do Falcão. O estilo de luta da Viúva Negra, que ainda empolga não importa quantas vezes você já a tenha visto lutar. As cenas de ação são puro fanservice! Pra deixar qualquer fã alucinado. O que é a cena em que o Soldado Invernal pega a moto com a mão e gira já subindo nela??? PUTAQUEPARIU!!! Que cena foda! Me fez lembrar dos tempos de Senhor dos Anéis, Legolas subindo no cavalo em acrobacias mirabolantes, empolgação e vibração juvenil no cinema. Me fez lembrar daqueles tempos de diversão adolescente pura e simples. Por isso sou tão apaixonado pela cultura pop.
Capitão América: Guerra Civil apresenta o que é, sem dúvida, um dos maiores momentos de um filme da Marvel. A estrutura básica de filme de super-herói está em seu devido lugar. Os heróis ainda enfrentam o vilão, são derrotados, lidam com isso, encontram o vilão novamente e o derrotam em um confronto maior. A narrativa poderosa semelhante à de Capitão América: O Soldado Invernal acrescenta o peso social e político em uma abordagem ousada e fora do convencional.
As mudanças temáticas se alinham com a identidade principal da própria Marvel Studios de sempre explorar gêneros diversos para cada um de seus filmes, misturando estratégias de forma orgânica e natural, como colocar Shakespeare em Thor, space opera em Guardiões da Galáxia, filme de roubo em Homem-Formiga, suspense da Guerra Fria em Capitão América: O Soldado Invernal. Por isso mesmo, Guerra Civil é exatamente sobre o que é a Marvel: mudança. O filme assume também sua própria estética, aproximando-se dos filmes de espionagem internacional, atravessando fronteiras e nações e explorando os conflitos criados por um inimigo que não é completamente visto ou conhecido.
A Marvel revela que está tentando compreender e se adequar aos tempos de sua própria tendência. Pode ser, talvez, que o espetáculo pelo espetáculo já não satisfaça plenamente como em 2012, ou pode ser que nossa percepção moral esteja, depois de tantos espetáculos grandiosos, tentando nos fazer olhar um pouco mais fundo nesse mundo de heróis fantásticos. O cinema de super-heróis está colocando seus próprios protagonistas em julgamento. Eles desenvolveram a consciência da culpa. Depois de anos alegremente festejando em arranha-céus e explodindo ruas pelas cidades do mundo, o fardo da destruição que surge de seus atos se abateu sobre seus ombros. Agora é hora das consequências. O sentimento de mudança vem para abrir novas fronteiras em uma luta pelo futuro.
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