Foi uma amiga que me falou a frase que intitula essa coluna. Num misto de perplexidade e desespero, ela tentava entender como poderia tentar se tornar mais interessante do que o que se encontra disponível em qualquer site de vídeos pornográficos. Minha resposta foi sincera, mas desagradável: “Você não vai conseguir”.
Houve um tempo em que a prática do onanismo dependia exclusivamente da imaginação. A arte talvez desse uma ajudinha, mas a prática dependia do quanto você deixava sua mente te levar.
Com o advento da fotografia, alguns com mais afinco mergulhavam no underground e conseguiam imagens de pessoas reais para se inspirar, embora corressem o risco de serem chamados de pervertidos. Depois, com as revistas voltadas ao público masculino, a nudez, ou mesmo o sexo explícito, estava disponível em qualquer banca de jornal para maiores de 18 anos. A indústria de cinema pornográfico fez o mesmo pelo audiovisual, colocando em cada locadora de esquina um acervo considerável de pessoas fazendo sexo. Mas foi com o advento da Internet que a pornografia se democratizou e passou a estar acessível a qualquer um, 24 horas por dia.
Isto trouxe consequências. A começar, toda a indústria pornográfica sempre foi realizada do ponto de vista masculino, onde cabia à mulher geralmente o papel de objeto. Sua função era ser o objeto cênico de maior destaque, por assim dizer. As fantasias filmadas eram nitidamente masculinas. Cabia a ela apenas “aguentar” todo tipo de perversão e sujeira, sem deixar de sorrir no final. Os próprios homens não eram personagens reais, por assim dizer, mas apenas uma máquina de mostrar virilidade. Em outras palavras, era difícil alguém realmente se identificar com o que via, mas era o que tinha para hoje.
A Internet com banda larga possibilitou que qualquer um com boa conexão conseguisse assistir à fantasia que quisesse com uma rápida busca no Google. Mas, curiosamente, essa aparente democracia continuava a mostrar que a visão machista imperava no meio. O curioso é que a mesma Internet fez com que as mulheres cada vez mais tomassem consciência de seus direitos e pudessem brigar por igualdade de gêneros. Por outro lado, a visão machista e patriarcal da sociedade seguiu intocada em muitos meios.
Temos assim o paradoxo de vermos as meninas cada vez mais feministas e combativas, mas, ao mesmo tempo, os meninos continuam sendo educados para serem os reis do mundo e manterem todos os seus direitos “naturais” como homens, como se nada estivesse mudando.
Isto parece reforçar as fantasias eróticas masculinas de dominação e degradação feminina. E a cada vídeo pornô que lembra um estupro, juntando-se ainda essa incapacidade de diálogo entre gêneros, tudo faz com que o sexo real, que demanda a troca de afetos e abertura ao outro, acabe se tornando algo distante do idealizado por horas e horas de pornografia.
É por isso que não há como se competir com a pornografia da Internet: simplesmente não deve se tratar de uma competição. A relação sexual, quando envolve o carinho e o tesão de duas (ou mais, por que não?) pessoas é mais do que uma experiência de satisfação sexual. É a comunhão de algo importante e valioso. É algo bem distante dessa fantasia de dominação que envolve a maior parte da indústria pornográfica, que trata o sexo como um meio de produção “fordista” de ganhar dinheiro que, como sempre, fica concentrado nas mãos de poucos.
Assim, corremos o risco de nos tornarmos todos como o personagem Brandon, interpretado por Michael Fassbender no filme Shame, um viciado em sexo que se masturba várias vezes ao dia, mas não consegue manter um relacionamento sexual se tiver algum sentimento envolvido. E viciado é um bom termo, pois remete a um prazer momentâneo que se torna tão constante que o cérebro só passa a funcionar se esse desejo for constantemente saciado, a ponto de prejudicar a pessoa nos demais aspectos de sua vida.
Existem algumas propostas de pornografia feminista, onde se dá mais ênfase no aspecto afetuoso da relação do que algo físico e mecânico. Contudo, existe também o questionamento de que nenhuma pornografia é realmente feminista, porque, por mais que se tente vender a ideia de liberdade da mulher em fazer cenas de sexo, no final, esses filmes ainda servirão ao mesmo propósito de vender o corpo feminino como commodity para fantasias masculinas. Mesmo as cenas que envolvam apenas sexo entre mulheres, no fundo, serviriam muito mais para atender um fetiche masculino do que propriamente explorar a sexualidade feminina.
O erotismo, como aspecto da experiência humana, pode e deve ser trabalhado de forma artística. Mas assim como a indústria cultural transforma a arte numa coisa industrial com o objetivo de lucro, o cinema pornográfico faz o mesmo com o sexo, servindo apenas como instrumento de manutenção do status quo. A esperança é que o feminismo, ao fazer repensar os papéis de cada gênero na sociedade, contribua para que a pornografia passe a ser também erótica.
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