Pássaros Artificiais (2016), Diego Aguiar Vieira e Antonio Eder.
Iniciar e encerrar uma história são atos arbitrários de seu autor, que escolhe fracionar a vida de seus personagens em prol da narrativa que escolhe construir. E se coubesse ao leitor tal decisão, seria ele um coautor ou continuaria mero espectador dos acontecimentos? É na reflexão sobre essas escolhas, e as escolhas que fazemos na vida, que se baseia a história em quadrinhos Pássaros Artificiais, da dupla Diego Aguiar Vieira (roteirista) e Antonio Eder (arte).
A HQ nos apresenta Lucinda, jovem escritora que em algum momento afastou-se da família, tendo que lidar com a morte de Antonio Izabel, seu avô. Também escritor, era uma grande figura conhecida por todos na cidade de Macuco, mas que ao mesmo tempo mostrou-se distante da família. Ao morrer, deixou um testamento poético para a família, com o qual Lucinda tem de lidar.
A trama lida então com as escolhas que todos temos que fazer ao longo da vida, com as felicidades e decepções que elas trazem. E isto é potencializado pelo formato original da obra.
A obra vem em um pacote selado, trazendo todas as páginas soltas com o quadrinho de um lado e textos exclusivos do outro, como uma espécie de cut-ups de textos literários. A ordem de leitura é o próprio leitor que faz, não há numeração das páginas, que pode montar sua própria história, ou fazer a leitura de modo totalmente aleatório. A própria releitura com as páginas em diferentes ordens vai jogando luzes nos pormenores da leitura, trazendo novos sentidos e novos significados para a obra. Arrisco até a dizer que só com essas releituras é que a obra atinge seu completo sentido.
Isto poderia ser apenas um experimento vanguardista, mas Diego e Antonio a transformam em verdadeira obra-prima, pois apresentam algo além da mera brincadeira com o formato. A diagramação, os closes, os cenários, tudo isto impulsiona os questionamentos do roteiro sobre questões humanas fundamentais. E o objetivo aqui não é trazer respostas.
Além disso, os personagens possuem uma força especial, conseguindo passar ao leitor emoções comuns a todos. Antonio Izabel, o boêmio brincalhão, acaba fazendo uma obra maior que a vida, do qual temos apenas vislumbres, tendo que encaixar todas as peças. Lucinda, sua neta, tem que lidar com o peso de ser a herdeira de uma figura tão carismática e, ao mesmo tempo, desvencilhar-se de figuras masculinas que parecem querer a limitar a papéis já pré-ordenados (a filha, a amante etc).
Sendo assim, temos aqui uma obra herdeira do concretismo e do tropicalismo, mas que, ao mesmo tempo, também precisa superar seus antepassados para conseguir identidade própria, tornando-se algo único não apenas como história em quadrinhos, mas como Arte. Um testamento? Uma HQ? Uma viagem pela quarta dimensão? Um relato ficcional ou uma verdade em forma de ficção? O início, o fim e o meio, tudo ao mesmo tempo agora. Uma HQ não convencional sobre um escritor não convencional, por uma dupla de quadrinistas não convencionais, Pássaros Artificiais é uma obra única, que merece ser descoberta pelo público.
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