Angola Janga

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Angola Janga: Uma História de Palmares (2017), Marcelo D’Salete.

Com o crescimento do número de publicações de quadrinhos nacionais dos últimos anos, seria de se esperar que os autores passassem a olhar com carinho para a história do próprio país, tão rica e com tanto a ser explorado no campo da ficção. Um desses autores foi Marcelo D’Salete, que após lançar Cumbe, cuja publicação nos EUA resultou em um Prêmio Eisner em 2018, nos apresenta Angola Janga: Uma História de Palmares, ganhadora do Prêmio Jabuti de 2018 na categoria História em Quadrinhos.

A trama, que mistura elementos reais e fictícios, conta a história do Quilombo dos Palmares, focando-se em alguns personagens marcantes, como Soares, o braço direito de Zumbi, Ganga-Zumba, entre outros, além do próprio Zumbi, que aqui ganha uma origem fictícia.

A preocupação do autor não é com a didática ou com aulas de história, e sim em usar elementos históricos para contar sua história, que, como diz no posfácio, é “uma”, e não “a” história de Palmares. Desta forma, além de personagens sólidos, a HQ possui um ritmo ágil, muitas vezes remetendo ao gênero da aventura e ação. Batalhas entre quilombolas e soldados ou bandeirantes, perseguições na mata, artimanhas políticas, tudo isto é contado de forma bastante ágil. Os enquadramentos são muitas vezes cinematográficos, o que faz com que o leitor “veja” a ação acontecendo. D´Salete mostra um grande domínio da narrativa, o que se mostra essencial para a mídia em que trabalha. Ao mesmo tempo, não abre mão do rigor histórico, fruto de uma extensa pesquisa que resultou em 11 anos de trabalho até que a obra estivesse pronta.

Quanto ao enredo, a HQ nos mostra a resistência de Palmares liderada por Zumbi, e ao mesmo tempo retrata a crueldade da escravidão. O quilombo, que existiu por mais de 100 anos e tinha uma população quase tão grande como a de Recife na mesma época, é apenas um dos cenários, sendo sempre contraposto ao “mundo dos brancos” onde o negro sofria como mão de obra escrava. Também presente na HQ está a Igreja Católica, que por trás de um discurso de virtude religiosa mantinha-se conivente com os horrores da escravidão.

Os personagens principais são bastante ricos e tridimensionais, apresentando virtudes e defeitos. Zumbi e seu braço direito Soares mostram um arco de desenvolvimento que os leva do sofrimento à revolta, até chegar ao trágico final. Embora demostrem heroísmo em confrontar o mundo de opressão dos brancos, ao mesmo tempo são seres humanos imperfeitos, praticando atos que, embora justificáveis, podem não ser considerados corretos à luz de uma moral heroica.

É a riqueza de detalhes históricos e dos personagens que fazem de Angola Janga uma grande história em quadrinhos. Ao mesmo tempo, seu olhar próximo aos excluídos mostra que há muito a ser explorado além da História oficial do Brasil. Os quilombos, a resistência indígena, as revoltas populares, tudo isso vai muito além do mito do brasileiro cordial que muitos ainda teimam em afirmar. Em nome de uma suposta paz social, algumas camadas sociais buscam se impor pela força, tentando silenciar as demais. Em Angola Janga, ouvimos a voz dos oprimidos, e uma vez que ela se levanta, ainda que seja momentaneamente derrotada, faz seu eco atravessar gerações e mostra a força de quem se recusa a abaixar a cabeça para os poderosos.