Você nem deveria ligar. Já perdeu o controle, meu irmão! Então nem esquente a cabeça, apenas se vá. Arraste-se para o que você entende como mundo real e torça para que ele não te faça implorar por desejos que não são seus.
Finja, organize-se e faça a sua pequena revolução; derrote-os com um sorriso. Dance de acordo com a música, mas não deixe de rebolar quando estiver com vontade, morena.
Eles querem que você se afogue na correnteza deles. O inimigo é mais interessante do que você pensa. Ora, o inimigo não é outro. O inimigo é natural, é de sua própria terra, fala a mesma língua que você e até come na mesma mesa que seus pais no domingo a tarde.
É o seu inimigo te enfiando uma faca nas costas, é um desejo sacana escondido debaixo da cama, é a infidelidade para com a própria alma. O inimigo é escolher a submissão quando poderia ter escolhido a própria liberdade. É enxergar o passado como um mar de erros e tentar acertar no futuro próximo, é saber reconhecer os riscos e gozá-los plenamente. É ser enterrado ainda vivo pro seu próprio bem.
Mas você está vivo, está respirando, pulsando. Sangrando. Então, poderá se levantar, poderá compreender e bater contra os muros invisíveis do castelo inimigo e derrubar portões, matar guardas e encontrar um rei.
E o rei usa uma máscara. E a máscara é um espelho.
A revolução tem início. São vocês os que vão pra frente de batalha. Você que é do povo (bucha de canhão!), você que é só mais um pai de família, sem emprego, sem estudo. Foi-lhe dito por tanto tempo que não passava de sujeito sem valor, que por fim se deixará tomar pela erva-rasteira.
Aqui é o mais próximo que se pode chegar de Deus. Essa loucura, esse ir-se.
Então, ama. E vive, ainda aprendendo a andar.
Nas ruas, uma multidão de fantasmas, pessoas levadas por vidas vazias. Uma tosse noturna, os eternos esperares, os olhares perdidos e a nota final do piano.
É ir embora, cruzar as montanhas e deixar tudo pra trás. Livre, em busca de um sorriso. A sede do novo.
Um dia, chacoalha uma velha no meio da rua, outro dia, um homem. A pergunta era sempre a mesma:
– Lembra-se do dia em que foi tão feliz que simplesmente se esqueceu?
Então, sente. A liberdade aterradora, um momento que só pode ser comparado aos primeiros dias da infância (ou episódios antigos de Muppet Babies, no caso de alguns). Tudo isso com um canto de passarinho.
É quando o mundo se faz mais claro pra você. Um surdo ouve, um mudo repete a história e um cego vê tudo. E o sabiá canta. Mas a paixão ainda lhe faz prisioneiro.
Nesses dias, já não se sabe de quem é a verdade. Mas está começando a aprender a dançar, questiona o que é a liberdade e acaba perdendo o passo, sai da dança. Deixa o jogo.
Um fantasma popular ainda o assombra nesse nível. Saci-pererês, curupiras e ideias de moças perfeitas ainda lhe tiram o sono durante a noite.
“O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria”, diz Blake. Os sapatos dos pais cabendo perfeitamente em seus pés. As cercas começavam a ceder, o sertão começava a lhe sorrir de novo. As lágrimas que corriam eram de felicidade.
As mãos deixam de se cortar no capim. Criam-se calos e você não para de cantar as músicas de que gosta.
Já perdeu tantos medos. Por que não mais esse?
O fim se aproxima. E, com ele, a certeza de que voltar é uma opção.
Eu desenhei um mapa pra você! Então, voe, garoto! VOE!
É a manhã do novo mundo. O sol brilha como nunca, uma incrível sensação de bem estar. E você se torna consciente, se aconchega com a liberdade, sorri para eles.
Sorri para todos. Caminha pelas ruas, coloca as mãos nos ombros de um desconhecido e diz suavemente:
– Está tudo bem, você é mais forte do que pensa. As coisas não são tão ruins.
E você sorri. E os incomoda. E se diverte. E os enfrenta mais do que tudo.
– Aguenta firme, irmão.
Acha graça, é pouca a desgraça. Desde que pague a prestação.
O Rio de Janeiro continua lindo, São Paulo continua indo e você tem que sorrir, porque a vida é linda.
Apesar de vocês, vampiros, sucateadores, pobres tolos que pensam ter o poder. Apesar de vocês, o mundo é lindo.
E nada é mais imortal que uma fotografia. Sorria na sua.
O título deste artigo se refere a última música do disco “Começaria tudo outra vez…” de Luiz Gonzaga Jr. Durante todo o texto, também podem ser encontradas menções às outras faixas do mesmo disco.
Redes Sociais