Não prestar atenção em Stephen King é uma tarefa impossível. Ame-o ou deixe-o, mas a verdade é que ele está por toda a parte: nas nossas estantes, nas prateleiras das livrarias, na televisão, nos quadrinhos, no cinema, nos corações de muitos leitores. King conhece nossos medos mais profundos, nossos desejos sombrios, os esqueletos em nossos armários, os pesadelos que nos levam à beira da loucura ou nos fazem lutar para superá-la. Ele sabe quão profundamente amamos e quão profundamente sentimos medo. Ele sabe, acima de tudo, o que é nos sentirmos solitários e que, todos os dias, lutamos para viver uma vida melhor, enquanto tentamos desesperadamente nos conectar com os outros.
The Shining, publicado pela primeira vez em 1977, é o terceiro romance do autor norte-americano. Aqui no Brasil, tornou-se O Iluminado. O horror psicológico, com forte presença de elementos sobrenaturais, é centrado na história da família Torrance: Jack, Wendy, e o filho de cinco anos, Danny, e conta sua trágica experiência em um hotel isolado e assombrado, o agora famoso Overlook. Em O Iluminado, King mergulha em uma pesada atmosfera sobrenatural, enquanto questiona a natureza da família, do amor, do abuso e das relações entre pai e filho.
Os cenários e personagens foram influenciados pelas experiências pessoais de King, incluindo sua visita ao Hotel Stanley e sua reabilitação do alcoolismo. King começou a escrever a história durante uma visita ao hotel. King e a esposa, Tabitha, fizeram uma viagem de férias ao Stanley em 1974 sem saber que o hotel, no dia seguinte, fecharia por uma temporada. Durante uma noite, King e a esposa foram os únicos dois hóspedes no hotel, instalados no famigerado quarto 217, que descobriram ter fama de mal-assombrado. Na época, o autor tinha uma ideia para um romance chamado “Darkshine”, que ele tinha iniciado em 1972 e abandonou. A história era sobre um garoto com poderes psíquicos em um parque de diversão assombrado. No quarto 217 do Hotel Stanley, a ideia lhe veio novamente à cabeça, e ele começou a escrever a história do garoto com poderes psíquicos em um hotel assombrado. Anos depois, em 2013, King acabaria por escrever uma continuação desta história, Doutor Sono, e a arte que ilustra este texto é de Tyler Jacobson, feita justamente para a divulgação da continuação na época de seu lançamento.
Em 1977, Stephen King era uma incerteza, uma estrela em ascensão no mercado literário, mas um escritor ainda trabalhando para revelar a verdadeira extensão de suas capacidades. Até hoje, há críticos que relutam em reconhecer o valor dele, mas é um fato que o autor conquistou seu espaço na cultura literária com garras e demônios legítimos. Mestre do horror, sensação da cultura pop, prazer culposo, gênio, depreciador de advérbios; várias são as características que levaram King a produzir inúmeros best-sellers e ganhar alguns prêmios, como o Bram Stoker Awards, o World Fantasy Awards, o British Fantasy Society Awards, a Medalha de Honra pela Contribuição à Escrita Norte-Americana da National Book Foundation e o Edgar Awards, entre outros.
Ainda assim, Stephen King continua a ser uma figura peculiar na literatura, produzindo quantidades massivas de material em uma velocidade vertiginosa. Os fãs do autor nunca ficam órfãos por muito tempo. Críticos e outros escritores tentam desbravar e entender o estilo de escrita acessível e flexível, eficiente em sua simplicidade, e difícil de ser replicado.
A negligência com relação à King, que durou décadas, dava-se justamente por essa capacidade de atingir as massas com gêneros literários normalmente consumidos por nichos. As histórias de King, repletas de personagens da classe trabalhadora, falam a linguagem destas pessoas, de uma maneira que, apenas recentemente, começou a receber o devido reconhecimento.
Mas, como seu antepassado literário, Edgar Allan Poe, King provavelmente será sempre um pouco incompreendido. Enquanto isso, alcança todos os públicos e continua vivendo uma vida carregada de energia criativa, audácia literária e inovação. King usa suas habilidades analíticas para explorar a condição humana. Ele aborda profundas ansiedades sociais, muitas vezes centrado em relações abusivas, e é famoso por suas crianças, muitas vezes dotadas de forças sobrenaturais. King toca em diversos aspectos sobrenaturais em suas histórias, desde poderes psíquicos até fantasmas demoníacos.
Além dos romances escritos com seu próprio nome, ele também possui quase uma dúzia sob o pseudônimo de Richard Bachman. Além disso, ele escreveu roteiros de cinema e televisão, contos, memórias, crítica literária e não-ficção. Seu nome está associado a algumas centenas de filmes, principalmente no gênero horror. Muitos de seus romances e contos foram adaptados para o cinema. Hoje em dia, Stephen King é um nome que faz parte da cultura como alguém que inspira não apenas pela relevância de seu trabalho, mas também pelo que é como pessoa.
Em 2001, ao lançar uma reedição especial de O Iluminado, King descreveu a obra como seu “romance de descoberta”. Ele diz que a descoberta veio com sua decisão de “admitir o amor de Jack por seu pai, apesar de (talvez até por causa de) o comportamento imprevisível e muitas vezes brutal do pai”. Este movimento corajoso concede o tipo de profundidade à história que marca o trabalho de Stephen King e o leva além das convenções do horror.
“O homem ou mulher que insiste que fantasmas não existem está apenas ignorando os sussurros do seu coração, e isso parece uma crueldade para mim. Com certeza, mesmo o mais maligno dos fantasmas é uma criatura solitária, desesperada para ser ouvida.”
Stephen King usa a frase acima na introdução do livro de 2001, na versão em inglês. Aqui no Brasil, a citação nunca ganhou uma tradução oficial nos livros publicados. Logo, esta é uma tradução livre minha. Mas por que esta é uma frase importante para O Iluminado? Porque ela reflete o poder narrativo de Stephen King.
Através desta citação, King oferece uma grande razão para nós, leitores, prestarmos atenção no que ele tem a dizer. Para além das emoções de provocar calafrios, dos diálogos expositivos, dos fenômenos estranhos, do fluxo crescente de violência que faz de O Iluminado um clássico do horror, a razão de ser da história é a solidão, um fio comum que, ironicamente, conecta toda a humanidade. O Iluminado explora a solidão de indivíduos isolados por seus demônios internos e, até mesmo, por suas aptidões. Mergulha de tal forma no desespero de uma vida consumida pela solidão, que, como mencionado na frase de introdução de 2001, é capaz de nos fazer sentir pena dos mais horrendos fantasmas.
O Iluminado nos leva a uma compreensão expandida da empatia, e mesmo depois de mais de 40 anos de seu lançamento, parece bastante atual em um século XXI de cada vez menos compreensão entre as pessoas. Ao mesmo tempo, oferece uma sensação de esperança que beira a ingenuidade. Acompanhar uma história de Stephen King é segui-lo em uma montanha-russa emocional, sempre em busca de equilíbrio entre os altos e baixos. O Iluminado nos lembra de que estabelecer relações e conexões com outras pessoas é um esforço pelo qual vale a pena lutar, mesmo quando os obstáculos parecem impossíveis de superar. Dessa forma, podemos ter a esperança de tornar o mundo um lugar menos solitário.
Prólogo e epílogo em capa dura
Originalmente, havia um prólogo intitulado Before the Play (Antes da Peça), que relatava eventos anteriores na história do Overlook, bem como um epílogo intitulado After the Play (Depois da Peça), mas nenhum deles permaneceu como parte do romance quando foi publicado pela primeira vez. O prólogo foi publicado mais tarde na revista norte-americana Whispers, em 1982, e uma versão resumida apareceu na revista TV Guide de 1997 para promover a minissérie baseada no livro. Até 2016, acreditava-se que o epílogo tinha sido perdido, mas ele foi redescoberto como parte de uma versão manuscrita inicial do romance.
A editora Suma de Letras, que atualmente publica a obra de Stephen King no Brasil, traz para sua coleção “Biblioteca Stephen King” uma versão de capa dura de O Iluminado, em comemoração pelos 40 anos da obra. A nova versão inclui o prólogo e o epílogo inéditos até então. Boa notícia para os fãs dos segredos ainda não desvendados de Stephen King.
O hotel mal-assombrado
O Hotel Stanley é um edifício de 420 quartos de estilo neocolonial em Estes Park, Colorado, situado nas proximidades do Parque Nacional das Montanhas Rochosas. Foi construído por Freelan Oscar Stanley, da famosa companhia de automóveis Stanley, e inaugurado em 04 de julho de 1909 para atender à classe alta norte-americana da virada do século.
O Stanley serviu de inspiração para o Hotel Overlook que Stephen King usou como cenário para O Iluminado. A minissérie de 1997, baseada no livro, foi filmada no local.
Apesar de ter uma história antiga e pacífica, nos anos que se seguiram à publicação de O Iluminado, o Hotel Stanley ganhou uma reputação de mal-assombrado, atraindo toda a sorte de visitantes curiosos e investigadores do oculto. Séries como Ghost Hunters e Ghost Adventures atraíram ainda mais pessoas ao hotel com a intenção de desvendar os segredos do Stanley. Atualmente, oferece visitas guiadas sobre a história e a suposta atividade paranormal do lugar.
Partes do livro que não estão no filme
O Iluminado foi adaptado em um longa-metragem de 1980 dirigido por Stanley Kubrick e co-escrito por Diane Johnson. Stephen King não gosta desta versão, tanto que em 1997, produziu uma minissérie para a televisão com a qual poderia exercer total controle criativo, já que não teve essa liberdade no filme de Kubrick. O filme, contudo, é a adaptação mais popular da obra, e possui muitas diferenças em relação ao original. Uma das razões para King não gostar do filme é justamente as mudanças que Kubrick fez na história.
Ao contrário da minissérie de 1997, que usou o Hotel Stanley como locação, o filme de Kubrick teve suas cenas filmadas no Timberline Lodge, localizado no Oregon. A gerência do hotel solicitou que Kubrick não representasse o quarto 217 (do livro) no filme, porque futuros hóspedes poderiam ter medo de ficar nele. Por isso, o número foi substituído para 237. Ao contrário das expectativas, o quarto 217 é mais solicitado do que qualquer outro no hotel.
Abaixo estão as principais mudanças:
– No livro, o hotel está vivo e é o próprio mal;
– O hotel faz as esculturas animais feitas de grama se moverem, mas no filme, as esculturas não existem;
– O famoso tapete de padrão vermelho e laranja, na verdade, é preto, verde e azul;
– Como dito acima, o número do quarto mal-assombrado é 217, enquanto no filme é 237;
– Jack foi suspenso de seu último emprego como professor por bater em um aluno;
– A história familiar de Wendy é conhecida;
– O homem com traje de cachorro é explicado em detalhes;
– Tony é real, não apenas uma voz composta por Danny quando fala com o dedo;
– Jack usa um taco de croquet ao perseguir a família, não um machado;
– Dick Halloran sobrevive ao ataque de Jack e ajuda a salvar Wendy e Danny;
– O Hotel Overlook explode e Jack morre incinerado, ao invés de congelado no labirinto de arbustos.
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