A Substância

A Substância

A Substância

A Substância (2024), Coralie Fargeat.

Ouça sobre o filme: podcast

Uma história de terror com drama e um toque leve de humor macabro sobre uma estrela chamada Elisabeth Sparkle, interpretada maravilhosamente por Demi Moore, que em seu aniversário de 50 anos acaba sendo demitida do programa de TV de ginástica e exercícios físicos que apresentava todas as manhãs em um canal renomado. Ela é demitida para ser substituída por uma atriz mais nova, que começa a ser procurada pelos executivos do canal. Amargurada pela forma como foi demitida e por se sentir ultrapassada, Elisabeth aceita participar de um experimento com uma droga, a substância do título, em que ela cria uma versão mais jovem de si mesma.

Sua versão mais jovem sai de suas costas, de uma forma que a versão mais velha precisa ser costurada. Além disso, a versão mais jovem, para se sustentar, precisa de injeções diárias do líquido espinhal da versão original, o que aos poucos vai se transformando numa experiência extremamente bizarra e grotesca que torna o filme uma história de terror que não deixa em nada a desejar aos filmes de horror corporal do diretor David Cronenberg, muito famoso por utilizar esse estilo em seus filmes. E talvez seus relances de Cronenberg sejam a razão para A Substância parecer ser situado numa época mais antiga, especialmente os anos 80, que é a época dos grandes filmes do Cronenberg e dos grandes filmes de terror trash. Inclusive, um dos filmes dessa época que me veio à cabeça enquanto eu estava assistindo ao filme A Substância é um terror chamado A Sociedade dos Amigos do Diabo, de 1989, que também tem um caminho parecido com A Substância, porque o primeiro ato é uma coisa, o segundo ato é outra coisa e o terceiro ato é uma coisa completamente grotesca e bizarra. Além disso, ambos os filmes possuem uma mensagem voltada para questionamentos sociais. A Substância questiona o etarismo e a maneira como as mulheres suportam todos os dias uma demanda incessante sobre elas serem mais jovens e mais bonitas, especialmente no meio artístico. Já A Sociedade dos Amigos do Diabo fazia questionamentos sobre como as camadas mais ricas da sociedade muitas vezes devoravam as mais pobres. São dois filmes que têm paralelos justamente por usarem o horror corporal para passarem a sua mensagem. E a mensagem de A Substância é uma mensagem muito poderosa, especialmente pela maneira como é passada por sua atriz principal, Demi Moore, que ainda possui paralelos com sua personagem.

Demi Moore ficou muito famosa nos anos 90 por seus trabalhos no cinema e se tornou uma das atrizes mais bem pagas da época, só que acabou entrando numa sucessão de fracassos comerciais e ficou bastante estigmatizada por causa do filme Striptease, que marcou muito sua carreira, principalmente por causa da maneira como ela acabou fortemente estereotipada em um meio que tinha e ainda tem uma forte influência masculina. Esses estereótipos acabaram prejudicando a carreira da Demi Moore, e ela fala muito sobre isso. E o filme A Substância acaba falando muito sobre isso. Algo que, inclusive, é bastante refletido pelo executivo interpretado por Dennis Quaid, e que é bastante refletido por sua versão mais jovem, Sue, fantasticamente interpretada por Margaret Qualley.

Em seu desejo obsessivo por cada vez mais estrelato e por se manter jovem e bonita por mais tempo, justamente para atender essas demandas do mercado artístico e cinematográfico que a história impõe sobre ela, Sue ultrapassa os limites. E é isso que acaba desandando a história toda, porque Sue, no seu desejo de se manter mais tempo, rouba o tempo de sua versão mais velha. Aos poucos, nós vamos vendo como esse tempo roubado vai provocando mudanças terríveis na Elisabeth Sparkle e como ela vai sendo cada vez mais afetada pelo ódio que sente de si mesma. A maneira como ela começa a se odiar é uma das grandes temáticas do filme, e isso é mostrado fortemente numa cena em que ela vai sair de casa para um encontro, mas não consegue sair e acaba ficando presa em uma espiral de autodepreciação. A cena mostra o poder da Demi Moore no papel. A versão mais velha e a versão mais jovem precisam trocar a cada 7 dias e, no momento que a versão mais jovem começa a não trocar, tudo começa a dar errado no contrato que é estabelecido sobre as trocas, de uma maneira extremamente caótica. O filme aos poucos vai demonstrando todo o caos das suas intenções e culmina numa loucura sangrenta sensacional repleta de sangue e vísceras, como um grande filme de terror.

Por isso, eu indico fortemente esse filme maravilhoso da diretora Coralie Fargeat, que tem outro filme muito bom no currículo: Vingança, de 2017. A Substância é um filmão com Demi Moore e Margaret Qualley maravilhosas em suas versões.