Contágio

Contágio

Contágio

Contágio (2011), Steven Soderbergh.

Um thriller afiado sobre uma pandemia mortal e suas consequências no mundo. O longa é rápido em estabelecer sua história e configura seus peões de forma interessante num tabuleiro pandêmico que aos poucos leva a humanidade rumo ao xeque-mate. Soderbergh move suas peças com a exatidão de um jogo de xadrez e cria uma atmosfera tensa e ao mesmo tempo empática assolada por um terror invisível. O diretor, ao invés de contar uma história embasada na ficção científica, opta por deixar que os fatos falem por si mesmo, tornando a situação aterrorizante como o inferno.

Soderbergh mostra porque ele é um dos mais conceituados cineastas da atualidade, o nome por trás de Traffic (2000), Onze Homens e Um Segredo (2001) e O Desinformante (2009). Em Contágio, ele desenvolve cerca de uma dúzia de história com consistência, estabelece seus personagens principais com facilidade e imprime seu ritmo na trama com clareza. As sequências fluem naturalmente, ora tomadas por um silêncio aterrador, ora pontuadas pela trilha sonora eficiente de Cliff Martinez que soa quase como uma infecção audível. Não obstante, ele nos apresenta um apocalipse em pleno acontecimento. Enquanto muitas histórias trabalham o pré-apocalipse e o pós-apocalipse, Soderbergh conduz o apocalipse em si. Para contrabalancear, ele insere o lado humano. Há toques dos filmes de zumbis de George A. Romero escondidos pelos cantos, mas Soderbergh não vai tão fundo na sátira ou no horror. Sua crítica social é mais direta.

Contágio apresenta uma pandemia disseminada por um vírus que surge na Ásia e rapidamente se espalha pelo restante do globo através do contato casual. Os Centros de Controle de Doenças e a Organização Mundial de Saúde mobilizam cientistas, médicos e investigadores para determinar a procedência da doença e encontrar uma forma de combatê-la. Porém, o vírus se alastrar de forma desenfreada e cruel, e sofre constantes mutações, tornando ainda mais difícil a busca por uma cura. Em contrapartida, os cidadãos comuns sofrem com o desconhecido e tomam as atitudes que qualquer ser humano toma em situações de crise — entram em pânico, se isolam, correm desesperados, ficam violentos. Neste caos, há ainda um jornalista independente que alimenta o medo da população supostamente expondo as falhas dos órgãos públicos.

Soderbergh trabalha seu conceito sob vários pontos de vista viáveis. Uma sacada inteligente é o começo, que nos joga no meio dos acontecimentos sem uma preparação prévia, exatamente como seria com qualquer doença. Sua ideia para o filme veio por causa da pandemia da gripe H1N1 de 2009. Inclusive, para construir sua história de maneira mais próxima da realidade, ele trabalhou no roteiro em conjunto com um grupo de cientistas e epidemiologistas.

O filme já inicia no Dia Dois da contaminação, sem prólogo ou explicação. Somos diretamente apresentados às consequências. Aos poucos, cenários, personagens e circunstâncias vão sendo introduzidas de forma breve. Então, a gravidade aumenta e à medida que os personagens expõem as complexidades da doença, expõem suas próprias complexidades. Nenhum momento é desperdiçado. Isto reforça ainda mais o tom trágico da pandemia, afinal, todos estão em risco. Todos estão vulneráveis e suscetíveis.

O elenco traz vários nomes conhecidos, todos inseridos para dar maior abrangência à narrativa. Dr. Ellis Cheever (Laurence Fishburne) é um homem importante e comprometido com o Centro de Controle de Doenças. Dr. Erin Mears (Kate Winslet) é uma incansável e abnegada médica determinada a prevenir que a doença se espalhe ainda mais. Mitch Emhoff (Matt Damon) perde sua esposa e enteado, mas é imune ao vírus e faz tudo para impedir que sua filha se torne uma vítima. Dr. Leonora Orantes (Marion Cotillard) é uma investigadora da Organização Mundial de Saúde cuja atitude em relação à doença tem uma grande reviravolta. Alan Krumwiede (Jude Law) é um jornalista e blogueiro que não conhece limites para conseguir popularidade e atenção para suas matérias, e tenta se aproveitar da crise para ganho próprio, inclusive se promovendo ao indicar medicamentos falsos que não têm eficácia contra a doença (qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência). E por fim, Dr. Ally Hextall (Jennifer Ehle), uma das personagens mais poderosas da história.

Através destes personagens somos levados pela urgência e profundidade da situação. Soderbergh explora com equilíbrio as histórias dos personagens e as consequências da pandemia tanto para eles quanto para o todo. Quando o vírus começa da devastar a população mundial, vemos cenas de vandalismo, rebelião e tumultos sociais. Durante uma crise, é como a maioria das pessoas age. Poucos mantém o bom senso. E o diretor apura isto com o distanciamento de quem está estudando o assunto, mas não se envolve plenamente com ele. Damon aparece como o homem comum que, apesar de imune, precisa lidar com a situação de proteger alguém que ele ama. Porém, mesmo no limite do caos, consegue manter sua idoneidade intacta e ainda tenta ajudar um completo desconhecido a se levantar numa confusão. Um gesto simples, que não gera agradecimentos, mas demonstra seu caráter. Fishburne mostra a transformação do agente do governo que precisa lidar com o peso de suas decisões. Nem mesmo o homem mais poderoso está livre das consequências de seus atos. Law mostra como a informação se alastra de forma rápida e avassaladora na mídia contemporânea graças à internet e, não só isso, como as pessoas são facilmente contaminadas por notícias e informações falsas.

Contágio é uma obra de arte de Steven Soderbergh. O cineasta usa cada partícula de cinema em sua criação, com closes aterrorizantes das coisas mais mundanas e objetos que tocamos todos os dias sem percebermos. É o terror de um vírus se espalhando. E a trilha sonora, intensa e mórbida, aumenta a tensão constante.

O vírus pode estar em qualquer lugar e qualquer um pode se tornar vítima com um simples toque. A paranoia é constante. Lutar contra um vilão invisível e onipresente aumenta a desesperança. A direção de arte e a fotografia são impressionantes e a qualidade de imagem propositadamente envelhecida tramite a realidade trágica dos personagens. A riqueza de detalhes com que o mundo de Contágio é uma visão terrível, e Soderbergh mostra habilidade para misturar ação, suspense e horror. O flashback final do filme é perturbador, uma reflexão sobre o meio ambiente, o alto poder de mutação de um vírus e sobre como e por que uma pandemia se espalha. Há aqui uma mensagem sutil, mas poderosa: toda ação tem consequência.