Síndrome Mortal (1996), Dario Argento.
Dario Argento é um dos grandes nomes do cinema de terror, sendo mais conhecido pelo trabalho com o gênero giallo em seus filmes. Mas com Síndrome Mortal, apesar de manter um pouco desta veia giallo, ele resolveu investir numa proposta diferente: um filme mais artístico e conduzido por um terror mais sutil e psicológico. O diretor investe em um estudo profundo sobre a mente humana e as peças que ela pode nos pregar.
A história é centrada na policial Anna Manni (Asia Argento, filha do diretor que frequentemente atua em seus filmes). Ela está trabalhando em um caso complicado e viaja para outra cidade na pista de um estuprador violento e assassino. Sua investigação a leva para um museu em Florença, onde ela desmaia por causa de uma reação misteriosa às pinturas e às estátuas exibidas no local. Mais tarde, Anna descobre que sofre de uma estranha doença mental chamada Síndrome de Stendhal. Os problemas de Anna aumentam quando ela se depara com o assassino, que parece ter um interesse obsessivo nela.
A ideia central do enredo é basicamente focada na condição de Anna e esta é a grande sacada de Argento. O filme é quase um estudo sobre as oscilações comportamentais de uma mulher passando por um momento de estresse intenso: por causa de coisas que aconteceram com ela, por causa dos homens que a rodeiam, por causa da sociedade em que ela vive, entre outras coisas. O diretor conduz a trama movendo suas ideias sutilmente através da doença, sem que, no entanto, percebamos onde exatamente ele está querendo chegar. A Síndrome de Stendhal, por ser pouco conhecida do grande público, cria possibilidades que são bem exploradas na história.
Vale mencionar que a síndrome (que também é conhecida como síndrome de overdose de beleza) foi observada pela primeira vez pelo escritor francês Marie-Henri Boyle ao visitar a cidade de Florença, em 1817. A doença é caracterizada por aceleração do ritmo cardíaco, vertigens, falta de ar e possíveis alucinações, decorrentes do excesso de exposição do indivíduo a obras de arte, sobretudo em espaços fechados. De acordo com o escritor francês, que teria experimentado os efeitos da síndrome, o transe mental provoca uma euforia que desnorteia completamente, como se sua vida estivesse sendo sugada. A síndrome só foi avaliada pela psiquiatra Graziella Magherini no final dos anos 1970 e recebeu o nome Stendhal porque este era um pseudônimo de Marie-Henri Boyle. A curiosidade por trás do filme é que o próprio Dario Argento diz ter passado por uma experiência assim quando criança. Ele sofreu o episódio quando estava subindo as escadarias do Partenon, em Atenas, Grécia, e ficou perdido de seus pais por horas. Após ler o livro de Magherini, ele decidiu transformar sua experiência infantil na ideia do filme. É estranho, eu sei, mas no geral é o que faz a coisa toda valer a pena.
Em certos momentos, pode ser difícil acompanhar o raciocínio da trama, especialmente por causa da forma como Argento apresenta os fatos. Situações que normalmente aconteceriam no final de qualquer filme de suspense, aqui, surgem no meio da história, promovendo uma sensação de que não há mais o que contar e de que tudo está realmente resolvido. Então, vem a virada e o diretor surpreende fazendo um novo movimento.
Síndrome Mortal é uma prova da habilidade de Argento para explorar conceitos diferenciados a partir de ideias simples. A simplicidade, aliás, pode também provocar uma compreensão prematura do enredo. O mínimo entendimento acerca da Síndrome de Stendhal, que é explicada ao longo do filme, pode ajudar alguns a desvendar a intrincada história que Argento está querendo contar. Isto não é exatamente um problema. Entretanto, se há um problema que pode ser citado é a duração exagerada do filme, que tem cerca de duas horas. Os arcos e as viradas da narrativa, apesar de bem desenvolvidos, acabam se estendendo demais e a partir da segunda metade a trama perde um pouco da forma, dispersando-se em subtramas que prejudicam a ligação das pontas para o desfecho. O ritmo cai e o filme torna-se cansativo. Mesmo assim, é inegável a inteligência de como tudo é dirigido até o seu clímax.
Há ainda a violência comum ao giallo, que Argento trabalha de uma forma tão niilista que torna o filme frio e áspero, com um toque chocante que lembra muito os filmes de terror das décadas de 1970 e 80 – época, aliás, de muitos filmes do diretor. – A atmosfera de estranheza é profundamente ampliada pela trilha sonora do mestre Ennio Morricone, que não apenas reforça a crueza da história, mas também o constante sentimento de ilusão.
O mundo de Síndrome Mortal é um lugar quase que completamente sem emoção, onde um serial killer é capaz de estuprar e atirar na cabeça das vítimas com despreocupação e um sorriso estampado no rosto. Mesmo quando parece que as emoções vão jorrar e aquecer este mundo desolador, a realidade mostra-se cruel em subverter o que seria uma representação de carinho e segurança. Dario Argento subverte os conceitos e desconstrói a dualidade das coisas. Homens e mulheres, bandidos e mocinhos, bem e mal, nada disso tem valor realmente diante de uma mente cuja síndrome mortal é mudar ingredientes padrões do horror e adaptá-los em gêneros completamente diferentes e inusitados. Este é um filme do qual pouco se fala, mesmo entre os amantes do suspense e do terror, mas é uma experiência inventiva e intrigante, que merece ser visto por qualquer amante do gênero. Eu ainda tive a oportunidade de assisti-lo em uma tela grande, quando foi exibido aqui no Festival do Rio de 2011. Apesar do aspecto experimental, Síndrome Mortal tem um toque raro de originalidade. E Dario Argento sabe surpreender como poucos.
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