Batalha Real (2000), Kinji Fukasaku.
Um filmaço japonês baseado no livro Battle Royale de Koushun Takami, que foi publicado em 1999. A história acontece em um futuro alternativo, onde a taxa de desemprego aumentou absurdamente, aumentando a taxa de delinquência juvenil por causa do número crescente de estudantes descrentes no sistema. O governo, temendo o impacto que isso teria sobre o futuro do Japão, tomou uma medida drástica e instituiu a Lei BR com o intuito de manter a ordem nas escolas do país.
A trama é centrada em Shuya Nanahara (Tatsuya Fujiwara), um órfão que voltou recentemente para a escola, a tempo de participar de uma viagem com sua turma; e Noriko Nakagawa (Aki Maeda), que é secretamente apaixonada por Shuya. Durante a viagem, os alunos são seqüestrados e levados a uma escola em algum lugar desconhecido. Lá, eles encontram um antigo professor, Kitano (Takeshi Kitano, de Zatoichi), que informa sobre eles terem sido selecionados para participarem da Batalha Real (Battle Royale, no original). Todos eles ficarão presos em uma ilha deserta, onde deverão matar uns aos outros. Apenas um aluno deve sobreviver e este será o vencedor. Cada aluno recebe uma bolsa com material de sobrevivência, um mapa e uma arma. Eles também têm um colar preso em seus pescoços, que explodirá se eles quebrarem as regras ou permanecerem por muito tempo em uma “Zona de Perigo”. Inicialmente, os alunos não acreditam no que está acontecendo e relutam em participar, mas, à medida que a contagem de corpos começa, eles se convencem de que precisam lutar para sobreviver. E, nesta hora, não há união ou amizade — é cada um por si.
A história transita entre os muitos grupos de estudantes que se formam no campo de batalha, revelando histórias pessoais, algumas mais importantes para o desenrolar da trama do que outras. De fato, alguns flashbacks são extremamente desnecessários e podiam simplesmente ter sido ignorados na edição. Isto deixaria o filme mais enxuto e menor, já que ele tem cerca de duas horas de duração. Shuya e Noriko são o centro dramático do longa e caminham pela ilha tentando encontrar os amigos e sobreviver aos ataques dos ex-colegas. Como heróis, eles não participam da ação diretamente, nem matam (exceto por acidente), e vão escapando dos perigos geralmente apoiados por outras pessoas mais enérgicas (e amistosas com eles, pelo menos). A atriz Aki Maeda consegue construir bem sua personagem para esta função dramática, demonstrando um aspecto mais puro e ingênuo típico da mocinha que precisa ser protegida. Tatsuya Fujiwara, no entanto, é pura vergonha alheia. O ator não é só muito ruim, como seu personagem é chato e patético. Partindo do princípio que ele é um herói, por mais que seja um pacifista, ele deveria demonstrar alguma força de personalidade que atraísse o público para a sua causa. Mas, isto não acontece e o máximo que ele consegue estimular são os risos de desgosto por um personagem tão fraco ser o fio condutor da trama.
A forma do filme lembra um pouco Senhor das Moscas (1990), pois os estudantes formam grupos (panelinhas) com colegas mais próximos e evitam aqueles com os quais tiveram experiências ruins no passado. Porém, sob a pressão extrema da situação, muitos deles mudam. Mesmo os mais tímidos e gentis, tornam-se assassinos ávidos, demonstrando quão obscuros e perturbados eles realmente são. O grande mérito de Batalha Real é justamente explorar estas nuances da natureza humana. O longa é cru em sua representação, criando uma atmosfera de desolação, onde o amor e o ódio andam de mãos dadas. Somos apresentados a personagens que não são tão complexos em sua concepção, mas transmitem a ideia adequado do que a história pretende: nenhum daqueles adolescentes são pessoas ruins e, exatamente como quaisquer adolescentes, estão sozinhos (ali a metáfora e o literal se misturam) e desesperados por amor. Como é recorrente nas histórias japonesas, o amor e a amizade são forças motrizes para a trama e, por vezes, são tratados da forma mais brega possível (o que chega a ser irritante em alguns momentos). Porém, são estas relações que tornam a tragédia dos personagens ainda maior. Afinal, você seria capaz de matar o seu melhor amigo? Batalha Real consegue, dentro de sua narrativa pouco ortodoxa, ser uma expressão soberba da atmosfera sombria e desesperadamente sem esperança que paira sobre a sociedade contemporânea.
O filme faz um ótimo trabalho em conectar as vidas do mundo real de cada personagem com suas ações na ilha, eventualmente, justificando o comportamento agressivo de alguns e, até certo ponto, redimindo-os dos pecados cometidos em nome do jogo. Na segunda metade do longa, no entanto, algumas destas histórias tornam-se um pouco repetitivas e dificultam uma conexão com determinados alunos devido ao seu tempo limitado na tela. Esta falta de apego diminui o impacto da morte do personagem. Todavia, é inegável a habilidade do diretor e do elenco para construir todo o clima tenso, repleto de ira e relutância. A melhor e mais interessante personagem da história aparece neste contexto: Mitsuko Souma (Kou Shibasaki), que, teoricamente, é uma vilã. Ela é o retrato exato do conceito por trás de Batalha Real, pois não vê nada errado em matar para sobreviver, mas, ao mesmo tempo, tem uma razão para isso. A cena final (do jogo de basquete) expressa toda a tristeza e solidão dela em apenas uma breve imagem, mas que é suficiente para entendermos toda a natureza da personagem. De longe, ela é a aluna mais desenvolvida do roteiro, já que os outros estão ali principalmente pela matança. Outro personagem muito bom e bastante ambíguo é o professor Kitano. O ator Takeshi Kitano consegue dar um ar ao mesmo tempo descontraído e sisudo para o personagem, de modo que seu sarcasmo é responsável pelas melhores (e mais divertidas) cenas do filme. Todavia, apesar da fachada despreocupada, Kitano é uma alma tão quebrada quanto é a de todos os alunos que estão presos naquela ilha. Isto é outra coisa boa das narrativas japonesas: os tons de cinza. Nada é simplesmente preto ou branco.
E, por falar em matança, a violência é outro ponto forte de Batalha Real. Num filme que tem a morte como tema central, o mínimo que se pode esperar é sangue… muito sangue. E, neste quesito, o longa é fantástico e cuidadosamente manipulado pelo diretor. Fukasaku tenta não exagerar no gore, mas não poupa derramamento de sangue e grafismo nos assassinatos, embora o excesso de computação gráfica em algumas mortes às vezes atrapalhe. A violência é constante e cruel, intercalado por um ou outro momento de respiro. Porém, nunca é permitido ao espectador (assim como aos personagens) respirar durante muito tempo. A urgência da trama transborda da tela, com um ritmo narrativo adequado e inteligente. Apesar do início chocante e atrativo, o final não esbanja tantra inspiração, mas consegue fechar bem os arcos da trama.
Batalha Real é um filme que merece ser visto, revisto e analisado tanto por seu conteúdo psicológico e social quanto por sua técnica cinematográfica. O filme, apesar dos mais de dez anos de existência, é pouco conhecido, mas tem um legado que já está sendo aproveitado pela geração atual, afinal, em breve, estreia o filme Jogos Vorazes (2012), que aborda uma temática parecida, também é baseado num livro e, com certeza, tirou inspirações do romance de Takami. Batalha Real é selvagem e original, uma marca em vermelho-sangue na história do cinema. E sua contribuição é inestimável.
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