Os Homens Que Não Amavam as Mulheres

Os Homens Que Não Amavam as Mulheres

Os Homens Que Não Amavam as Mulheres

Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (2011), David Fincher.

Um thriller sombrio, repleto de intrigas, assassinatos perturbadores e perversidade. É algo típico de seu diretor, David Fincher, nome por trás de obras renomadas como Seven (1995), Clube da Luta (1999), Zodíaco (2007) e A Rede Social (2010). Fincher tem tato e visão para explorar os lados mais trágicos e decadentes da alma humana.

A hacker Lisbeth Salander (Rooney Mara) une-se ao jornalista investigativo Mikael Blomkvist (Daniel Craig) numa trama macabra sobre a herdeira de um milionário que desapareceu na década de 60 e cujo crime nunca foi solucionado. Os dois embrenham-se no meio de fotografias empoeiradas, bíblias, agendas, registros corporativos antigos e buscas na internet a fim de desvendar um mistério que é muito maior do que aparenta. No meio disso tudo, somos apresentados às profundezas de cada personagem, tão complexos e cheios de camadas quanto o mistério em si.

David Fincher conduz o jogo com esmero e dinamismo. Para começar, o cineasta foi certeiro na escolha de Rooney Mara para a icônica hacker da Trilogia Millennium (2005), escrita pelo jornalista já falecido Stieg Larsson.

A atriz mergulha na personagem, com sobrancelhas raspadas, vários piercings, cigarros, junk food e agressividade que caracterizam cada traço excêntrico e envolvente de Lisbeth. A atuação de Mara exalta toda a selvageria de uma mulher que toma suas próprias decisões e confia em ninguém. E, ainda assim, consegue expressar a sutil fragilidade que eventualmente surge por trás da carapaça punk.

Rooney Mara comanda a história. Daniel Craig surge mais como uma âncora para impulsionar a verdadeira estrela da trama. Christopher Plummer garante alma e seriedade ao astuto Henrik Vanger, o ricaço que desencadeia a investigação. E Stellan Skarsgård, como Martin Vanger, mostra-se talentoso e carismático como sempre.

No longa sueco de 2009, Lisbeth foi interpretada por Noomi Rapace com igual habilidade e trouxe à tona a essência da personagem com inegável qualidade. Nisto, a produção sueca e essa refilmagem americana se parecem.

Mas, esta versão americana tem qualidade superior ao filme sueco.

David Fincher se apropria dos elementos do livro de forma mais enfática, coisa que a produção sueca aparentemente preferiu abstrair. Nem o americano, nem o sueco são plenamente fiéis ao livro, mas o americano consegue ser mais contundente.

Outra força da refilmagem é a trilha sonora dos compositores Trent Reznor e Atticus Ross. Em meio à tensa coleta de pistas sobre o caso, somos estimulados com momentos que mais parecem presságios de desgraçadas devido aos sons orquestrados entre o delicado e o perturbador, entrecortados por sons naturais de campainhas, celulares sem sinal ou teclas sendo digitadas. Todo este clima já vem de cara na abertura, um espetáculo de imagem e som que nos insere na proposta.

O mistério mórbido, o clima tenso, o elenco adequado, a música pontual e os diálogos afiados misturam-se numa narrativa atraente e articulada. David Fincher e o diretor de fotografia Jeff Cronenweth ainda apresentam paisagens suecas belíssimas e, ao mesmo tempo, lúgubres. Neve, gelo, céu nublado e árvores escuras formam um cenário adequadamente gélido para as investigações obscuras sobre uma família isolada numa ilha cheia de segredos.

Os Homens Que Não Amavam as Mulheres é uma história que trata principalmente de crimes sexuais perversos contra mulheres. O próprio Stieg Larsson em seus livros teria usado o assunto por ter testemunhado um estupro coletivo na adolescência e não ter ajudado a garota, algo que ele dizia tê-lo assombrado por toda a vida. Ele criou Lisbeth Salander por causa dessa garota do seu passado e para fazer uma crítica à violência contra a mulher.

Lisbeth, de fato, é a engrenagem que movimenta tudo na Trilogia Millennium, seja nos livros, seja no filme. É uma mulher independente, esperta, poderosa, dona de um estilo próprio e icônico, um jeito punk-gótico agressivo, adequado a vida underground que leva, marcada por tragédias e por uma tatuagem de dragão. É, sobretudo, uma personagem tridimensional, que faz o que quer, da forma que quer, e prende a atenção de quem quer que esteja olhando.

Numa época em que a maioria das histórias (de filmes, livros, séries etc.) apresenta personagens femininas frágeis, desajeitadas e relutantes que precisam ser salvas constantemente por seus homens, é bom ver uma mulher forte, uma verdadeira representação da mulher do mundo contemporâneo, que tem o direito às próprias escolhas. Uma mulher que não precisa ser protegida por um homem. Pelo contrário, é ela quem protege. E revida. Lisbeth Salander mostra como estão errados os homens que não amam as mulheres.