Dungeons & Dragons ajudou a moldar meu caráter, seja pelo RPG que até hoje gosto de jogar com meus amigos, seja pelo desenho Caverna do Dragão, um épico da minha infância (e de muitos).
Porém, no cinema, Dungeons & Dragons nunca deu sorte. É como uma maldição. Se um filme tem Dungeons & Dragons no nome, parece estar fadado a fracassar miseravelmente. Até agora, foram três. O terceiro e último deles estreou esse ano, lançado direto pra DVD, com o sugestivo nome Dungeons & Dragons 3: The Book of Vile Darkness (que aqui no Brasil ficou Dungeons & Dragons 3: O Livro da Escuridão).
Se você, como eu, é jogador de D&D sabe o que significa “The Book of Vile Darkness”, certamente viu os dois filmes anteriores e, mais certamente ainda, não gostou deles. Porque todos os filmes lançados até agora são ruins. O terceiro consegue ser o pior de todos. Chega a doer de tão ruim.
Nada, nem mesmo uma Palavra do Poder, pode salvar essas adaptações.
Dungeons & Dragons — ou D&D — é um role-playing game de fantasia medieval desenvolvido originalmente por Gary Gygax e Dave Arneson, e publicado pela primeira vez em 1974 nos Estados Unidos pela TSR, empresa de Gygax. Hoje o jogo é publicado pela Wizards of the Coast.
O primeiro filme, Dungeons & Dragons (2000), era promissor, tinha um elenco com nomes respeitáveis como Jeremy Irons e Thora Birch (na época em evidência pelo filme Beleza Americana), e veio pegando carona na estreia de O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel. O orçamento do filme foi até grande — US$ 45 milhões — para um filme de fantasia numa época quando fantasia tinha pouquíssima moral. Mas o negócio foi um fiasco. O próprio Gary Gygax desaprovou.
O filme não tinha nada a ver com a mitologia do D&D. Nada. Foi mais ou menos o que aconteceu com Final Fantasy: The Spirits Within (que lançou um ano depois). Por alguma razão, os realizadores acharam que seria melhor criar um universo próprio para a franquia no cinema, mas no fim apenas acabaram com a identidade da obra. O fato é que Dungeons & Dragons — assim como Final Fantasy — dependia de seus fãs para fazer sucesso, dependia da identificação dos fãs em relação àqueles elementos que faziam parte de suas vidas desde a infância/adolescência. Quem jogava D&D queria ver um bom jogo na tela. Mas o Dungeon Master por trás do filme não era bom o suficiente para conduzir sua campanha. E tudo desandou.
Tudo no filme é ruim. O roteiro é cheio de furos e besteiras sem graça, os diálogos são sofríveis, os personagens são terríveis, a direção é fraca e os efeitos especiais são de doer. Acho que deu pra entender. Mas o pior de tudo mesmo é que o filme se chamava Dungeons & Dragons.
O curioso é que no ano seguinte O Senhor dos Anéis e Harry Potter arrebentaram nas bilheterias e ganharam cinemas e espectadores com a fantasia. Ou seja, sempre foi viável um filme baseado no Dungeons & Dragons, o problema de não dar certo sempre esteve nas pessoas por trás dessas adaptações. Até hoje me pergunto como seria se Peter Jackson tivesse feito um filme do Dungeons & Dragons.
O mais curioso ainda é que mesmo com a derrota do primeiro filme, houve um segundo, chamado Dungeons & Dragons: Wrath of the Dragon God (2005, que aqui no Brasil ficou Dungeons & Dragons 2: O Poder Maior). Neste segundo, os realizadores tentaram corrigir erros cometidos no primeiro. Em especial, usaram como base a mitologia padrão do D&D, a mesma que podia ser usada pelos jogadores em suas campanhas de RPG e vinha descrita no Livro do Jogador 3ª Edição (que reinava nas mesas de jogo da época).
Dungeons & Dragons 2 conseguiu até ser melhorzinho do que o anterior, ainda que não fosse uma grande produção. Havia várias referências ao jogo no filme, o que fazia dele um filme do Dungeons & Dragons. Tínhamos um clérigo de Obad-Hai, um guerreiro com espada vorpal, uma bárbara em fúria, um ladrão especializado em desarmar armadilhas, um mago que usava magias básicas como Relâmpago ou Teleporte. As referências tornavam a coisa um pouco mais palatável. Mas, ainda assim, o filme é ruim. Muito ruim.
Então quando achávamos que havia acabado, surgiu um terceiro filme, Dungeons & Dragons 3: The Book of Vile Darkness (2012).
E o primeiro erro já aparece no título. O Book of Vile Darkness, dentro do jogo de RPG, é um livro que serve de complemento para a 3ª edição do Dungeons & Dragons. Foi lançado em 2002 com um único objetivo: apresentar aos jogadores uma visão minuciosa do mal (simples assim). É tido como uma das melhores publicações da Wizards of the Coast para o D&D — de fato, é um dos melhores livros do jogo! — e é tão pesado em sua concepção de mal que tinha censura destinada para maiores de idade. Sim, o livro é bem pesado e sombrio.
Logo, se o objetivo era fazer um filme inspirado no Book of Vile Darkness, o ideal seria um filme com classificação alta, 18 anos ou mais, e com bastante terror macabro. Mas um filme com classificação alta teria alcance reduzido, e com os fracassos dos filmes anteriores, ter alcance maior provavelmente seria importante. Ou seja, um paradoxo. Book of Vile Darkness no fim das contas saiu com classificação 12 anos e isso, como era de se esperar, já foi uma tremenda limitação para o potencial do filme. Além disso, como também era de se esperar, o filme é ruim. Muito ruim. Muito muito ruim (só pra deixar claro o quanto é ruim).
A visão do Mal apresentada no livro Book of Vile Darkness não existe no filme, que apenas usa o nome do livro (no que foi uma clara tentativa de se promover em cima da repercussão do livro entre os jogadores de RPG). O que vemos na história é um bando de assassinos sem graça despejando um monte de bravatas medonhas em diálogos terríveis. A cena da taverna é uma das piores: o aventureiro chega de nada numa mesa de assassinos e diz — “Eu soube que procuram braços fortes” — e é isso, ruim assim. É tipo um mestre ruim mestrando uma aventura ruim para jogadores ruins.
O Book of Vile Darkness (o Livro da Escuridão) virou um macguffin do roteiro que não tem finalidade para a história e fica esquecido até quase o final do filme.
O próprio filme, na verdade, é uma espécie de final para a “trilogia” de Dungeons & Dragons. E do jeito que a coisa toda aconteceu, é melhor que seja um final mesmo. Não sei se vale a pena fazer mais filme de D&D se o resultado é sempre ruim.
E nem seria tão difícil fazer uma história legal para um filme de D&D. Claro que é possível fazer algo que valha a pena.
O filme não precisaria ser necessariamente um blockbuster mega foda, mas precisaria de um orçamento decente, pelo menos parecido com os US$ 45 milhões do primeiro longa. Bons atores no elenco ajudariam. Um bom roteiro, também, visto que o roteiro geralmente é o maior dos problemas. Hoje em dia, a fantasia tem mais espaço no cinema e na televisão. Então é possível.
Uma curiosidade inclusive é que antes do Dungeons & Dragons de 2000, existiu um filme que foi um quase Dungeons & Dragons. Talvez você até conheça. O nome é Krull (1983), e você provavelmente assistiu em alguma sessão da tarde da vida quando era mais novo (dependendo da sua idade).
Apesar de Gary Gygax ter desmentido essa possibilidade, fortes rumores até hoje indicam que Krull, na verdade, era para ter sido uma adaptação do Dungeons & Dragons para o cinema. O filme, inclusive, teria o título de Dragões de Krull e teria o roteiro construído em cima da proposta do jogo. Mas, em algum momento, os produtores teriam perdido a licença para a produção e acabaram adaptando o roteiro em que se tornou Krull. Como eu disse, são rumores que resistem até hoje, mas são rumores divertidos de se acompanhar. Se você nunca viu Krull, não é grande coisa, mas é divertido. Na época em que estreou, abriu caminho para alguns clássicos da fantasia dos anos 80, como A Lenda e Labirinto: A Magia do Tempo.
As possibilidades para a produção de um bom filme inspirado em Dungeons & Dragons são muitas e poderiam usar como base quaisquer dos mundos de campanha criados até agora para o jogo. Claro que no caso do D&D, o ideal ainda seriam os clássicos fantásticos-medievais. Os mundos de Greyhawk, Forgotten Realms ou Dragonlance provavelmente teriam mais apelo com os jogadores, especialmente os mais antigos. Dragonlance, por exemplo, tem uma infinidade de romances que fizeram bastante sucesso, com vários personagens conhecidos entre os jogadores de RPG. Uma adaptação de um romance de Dragonlance teria boas chances de dar certo. Isso sem falar em cenários como Ravenloft, Planescape, Dark Sun ou Eberron, que certamente poderiam render grandes histórias para filmes. Se fizer direitinho, é possível fazer algo maneiro. Com certeza.
Poderia ser até mesmo uma adaptação do desenho Caverna do Dragão. Por que não?! Aquela ali, por si só, é uma aventura que renderia um filme sensacional. E toda a configuração de um RPG aparece no desenho e poderia aparecer num filme. Já tivemos adaptações de Transformers, Batalha Naval, He-Man, Tartarugas Ninjas, por que não de Caverna do Dragão? Até hoje nos lembramos de Hank, Eric, Diana, Sheila, Presto, Bobby e o Mestre dos Magos. Ainda não nos esquecemos das aventuras deles porque esses heróis são o mais próximo que já tivemos dos personagens que interpretamos em nossas jogatinas de Dungeons & Dragons. São a melhor adaptação do jogo até agora. Um filme baseado em Caverna do Dragão, se feito direito, seria fantástico. Poderia até mesmo ser uma redenção para o D&D no cinema. Imagina o Vingador ou Tiamat na tela grande. Imaginou? Pois é.
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