
O Agente Secreto (2025), Kleber Mendonça Filho.
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Um suspense com drama espetacular, ambientado na Recife de 1977, em plena ditadura militar, durante o governo de Ernesto Geisel. A história acompanha Marcelo, interpretado de forma comovente e impactante por Wagner Moura, um professor universitário especialista em tecnologia que acaba sendo perseguido por assassinos de aluguel contratados por um rico empresário por causa da patente de uma pesquisa. Por causa disso, Marcelo vive em constante paranoia, longe da família e de sua cidade natal.
Na volta para Recife, ele tenta se reaproximar do filho, que é cuidado pelo avô. O avô, inclusive, é projecionista do clássico Cinema São Luiz, um cinema de rua dos anos 50 que ainda está de pé até hoje e respira cinema das antigas, como o próprio filme. Durante sua fuga, Marcelo cruza com um grupo de resistência que tenta ajudá-lo a sair do país, ao mesmo tempo em que se esconde num refúgio para pessoas marginalizadas, acolhidas por Dona Sebastiana, que é uma personagem maravilhosa numa interpretação maravilhosa de Tânia Maria. Sem dúvida, ela é um dos grandes corações do filme.
O Agente Secreto mistura gêneros para falar de identidade, trauma, paranoia, perseguição política, corrupção, resistência e, principalmente, preservação da memória. Todos esses temas são bastante comuns na obra do Kleber Mendonça Filho. Seu estilo habitual de construção de narrativa está muito presente aqui, assim como em O Som ao Redor, Aquarius e Bacurau, com sua divisão em capítulos, sua crítica política e social, seu humor combinado ao drama e ao suspense, além das referências cinematográficas. Há, por exemplo, um relance do filme Magnífico, de 1973, que aparece num trailer no Cinema São Luiz e é uma paródia aos filmes de espionagem de baixo orçamento que faz uma alusão à questão do “agente secreto”, e há também uma brincadeira com Tubarão do Steven Spielberg, de 1975, que era uma febre na época e se relaciona com a própria história de Recife. A praia de Boa Viagem, no Recife, é conhecida pelo histórico de incidentes com tubarões. E o filme brinca com isso colocando um tubarão que aparece com uma perna no estômago enquanto está sendo dessecado. Isso leva ao folclore local.
O filme traz a lenda urbana da “Perna Cabeluda”, que surgiu nos anos 70 e fisgou o imaginário popular justamente por causa de uma reportagem de jornal que acabou ganhando outros contornos. A história se aproveita dessa lenda urbana (uma perna humana decepada, peluda e fantasmagórica que atacava as pessoas com chutes e rasteiras) para fazer uma alusão à perseguição política e ao governo autoritário da época, quando as pessoas simplesmente desapareciam ou sofriam violências repentinas simplesmente por exercerem a sua liberdade. E esse é outro aspecto muito presente nos filmes do Kleber Mendonça Filho que eu sempre acho excelentes, que é seu trabalho em relação à liberdade e ao aspecto de ser livre. Ele geralmente usa muitas imagens relacionadas ao sexo, à vida cotidiana e aos espaços públicos, sempre com grande foco na cultura nordestina e na cultura, principalmente, de Pernambuco, de uma maneira sempre muito vibrante, cativante e, aqui no caso, enigmática.
Apesar do título, Marcelo não é exatamente um agente secreto. A espionagem está muito mais na forma como a narrativa se constrói como suspense político, de maneira clandestina, cheia de subterfúgios, como se ele fosse um espião sem realmente ser. Trabalhando em um instituto que fazia carteiras de identidade, ele busca preservar sua própria memória e sua história, tentando encontrar informações sobre sua mãe. Há toda uma simbologia sobre a proposta do filme, que é “não esquecer”.
E é por isso, talvez, que tenha gerado tanta repercussão a maneira como o filme acaba, porque o filme acaba exatamente como muitas histórias acabaram durante a ditadura, sem necessariamente um desfecho. Esse final tornou o filme ainda mais incrível e maravilhoso pra mim. Eu gostei muito. O Agente Secreto é um filmão maravilhoso para se saborear e se aproveitar, com um misto de suspense e humor macabro, violência desenfreada e uma alucinação coletiva nada convencional. Vale muito a pena.





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