A Bruma Assassina (1980), John Carpenter.
“Tudo o que vemos ou parecemos não passa de um sonho dentro de um sonho?” — Edgar Allan Poe.
Assim começa A Bruma Assassina, com esses dizeres que imediatamente nos inserem na atmosfera misteriosa desse icônico terror criado por John Carpenter em parceria com Debra Hill. Então, um pescador aparece contando a história obscura de Antonio Bay para um grupo de crianças ao redor de uma fogueira.
A comunidade costeira de Antonio Bay está prestes a comemorar o centenário de sua fundação. No farol que funciona como estação de rádio, à meia-noite do dia 21 de abril, a locutora Stevie Wayne (Adrienne Barbeau) anuncia que um forte nevoeiro avança contra o barco pesqueiro Seagrass. Mas ela estranha porque o nevoeiro parecia estar contra o vento. Noutra parte da cidade, Nick Castle (Tom Atkins), membro da guarda-costeira, dirige por uma estrada e oferece carona para uma jovem viajante, Elizabeth Solley (Jamie Lee Curtis). Os dois passam a noite juntas, mas coisas estranhas começam a acontecer. Durante o dia, o filho da radialista Wayne encontra uma placa velha onde está escrito “DANE”. Quando novamente escurece, a estranha névoa retorna, mas dessa vez invade a cidade, trazendo morte para seus habitantes. Na igreja, o Padre Malone (Hal Holbrook) encontra o diário de um ancestral, onde descobre o terrível segredo que se esconde por trás da fundação de Antonio Bay.
Tal segredo constitui a alma do filme, que é basicamente uma história de fantasmas contada à beira de uma fogueira como se fosse um sonho dentro de um sonho. Ou seja, é uma boa e velha história de pescador. John Carpenter é simples e direto ao introduzir sua história com o velho rabugento contando as lendas da cidade para as crianças. A sensação inicial provocada por essa cena permanece durante todo o restante do filme, à medida que vamos desvendando os segredos de Antonio Bay como se estivéssemos ouvindo o velho pescador narrando seu “causo” ao redor da fogueira.
Aos poucos, aprendemos as verdades sobre uma colônia de leprosos que residia próxima da comunidade 100 anos atrás, sobre o naufrágio do barco Elizabeth Dane, e sobre a busca por vingança dos tripulantes, liderados por alguém chamado Blake. Assim, também aos poucos, vamos reconhecendo a marca de Carpenter para o horror e para expressar nas entrelinhas os males que podem surgir quando o ser humano é vil ou negligente.
A Bruma Assassina foi produzido nos anos 80, com recursos limitados, mas mostra com firmeza o que eram as histórias de horror numa época quando dependia-se menos de efeitos digitais e afins — uma época quando focava-se na história. Carpenter consegue extrair tensão até das pequenas coisas, como um simples pedaço de madeira gotejando água surgida do nada. A névoa vazando pelo vão embaixo das portas, seguida por batidas metálicas, é de gelar a espinha! Aqueles momentos “não abra a porta!” comuns aos filmes de suspense são mais angustiantes aqui, pois você deseja com todas as suas forças que as portas não sejam abertas.
Carpenter constrói sua narrativa num ritmo lento, destilando pouco a pouco os sinais de que alguma coisa está muito errada. Ao longo do filme, os personagens vão sendo apresentados separadamente, em circunstâncias que aumentam o sentimento de desconforto. O diretor nos prepara devagar para o clímax, quando a névoa surge interligando todos os personagens.
Apesar da habilidade como as coisas são conduzidas, nem tudo é perfeito. Há alguns buracos no roteiro, como, por exemplo, a personagem Elizabeth Solley, que parece estar no filme apenas para garantir uma participação especial de Jamie Lee Curtis — que trabalho com o diretor em Halloween – A Noite do Terror dois anos antes. Solley aparece como uma mulher misteriosa, mas termina sem ter qualquer finalidade real na trama. Como o filme passou por várias edições e reedições na época em que foi filmado, talvez a personagem tivesse algum objetivo maior que acabou se perdendo. Quem sabe.
Mesmo com um ou outro problema, Carpenter não decepciona nos aspectos mais importantes de sua obra. Ele consegue elevar a atmosfera fantasmagórica a um patamar enervante ao transformar o nevoeiro num personagem quase físico. A névoa, de fato, é tratada como o personagem principal da história. Tudo gira em torno dela e dos males que ela oculta em seu estranho brilho. Até certo ponto, lembra um pouco o conto de terror O Nevoeiro, escrito por Stephen King na mesma época do filme (1980), e que virou filme com Thomas Jane em 2007.
A Bruma Assassina é uma boa história de fantasmas, com uma atmosfera atraente e um nível de tensão que prende a atenção como um causo sendo contado à beira de uma fogueira. Há tempo para mais um conto antes da meia-noite para nos manter aquecidos. Deixe-se engolfar pela névoa que desliza sob sua porta.
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