Neon Genesis Evangelion

Evangelion

Neon Genesis Evangelion (1995) é provavelmente um dos animes mais populares já criados, por muitas razões. Provavelmente, a principal razão é a mistura inteligente entre história de mechas, elementos filosófico-religiosos e dramas adolescentes num enredo tenso, encantador e definitivamente surpreendente.

Não que seja um anime perfeito, ou o melhor já criado, mas é, sem dúvida, uma das animações japonesas memoráveis da história recente, e uma história que certamente mexeu (e ainda mexe) com a cabeça e o coração de muitos fãs. Eu mesmo, conheci Evangelion pela primeira vez através de um fansubber, na época que eles ainda vendiam animes em VHS e ainda assisti algumas vezes quando a série estreou no canal Locomotion. Apenas na terceira vez que assisti é que eu, então um adolescente, absorvi de vez o anime, especialmente os dramas psicológicos dos personagens, que sofriam por serem adolescentes inseguros com o destino do mundo nas mãos.

Provavelmente, essa foi outra razão para o anime ter feito tanto sucesso. Os adolescentes, em geral, vivem sob uma crença própria de que carregam o destino do mundo em suas costas, e apesar de agirem como se fossem imbatíveis, muitas vezes, o fazem para disfarçar a insegurança que sentem ao conviver uns com os outros e com as expectativas dos adultos, pois estão, na verdade, sempre buscando aceitação. Eu era assim, e você provavelmente também é, ou já foi, ou vai ser. Muitos se identificaram com a temática do anime, e isso ajudou a criar a comoção e o grande sucesso.

A série colocava LITERALMENTE o destino do mundo nas mãos de adolescentes que mal conseguiam se expressar e, por isso mesmo, além de enfrentar monstros gigantes em mechas, precisavam enfrentar as difíceis relações sociais do dia-a-dia. Então, quando você achava que os adolescentes eram complicados, você descobria que os adultos eram AINDA MAIS complicados, transtornados por dramas mal-resolvidos justamente de sua adolescência e juventude.

Evangelion tornava evidente que, seja criança, adolescente ou adulto, o ser humano é complicado, imperfeito e incompleto, e precisa do outro para ser maior e melhor. E dessa premissa surgia o grande objetivo por trás do enredo da série: o Projeto de Instrumentabilidade Humana, uma evolução forçada da humanidade, onde os humanos se complementariam uns aos outros, unificando mentes, corpos e espíritos num só, eliminando a individualidade e as inseguranças provenientes da separação e do livre-arbítrio entre os indivíduos — ou seja, um projeto que tentava transformar o homem em Deus, numa entidade única, onipresente, onisciente e onipotente, que daria fim a todas as tristezas e desgraças da existência mortal, e promoveria um novo começo, um Neon Genesis.

Por todas essas questões que aprofundam bastante no íntimo do que é ser um humano, Evangelion acabou fugindo das histórias convencionais de robôs gigantes. Ainda é uma história de robôs gigantes, como várias outras do gênero, mas possui um tom inegavelmente diferente.

O enredo se passa no ano de 2015, quinze anos depois que o planeta foi devastado por um cataclismo chamado Segundo Impacto — o primeiro é o meteoro que aniquilou os dinossauros. A humanidade enfrenta a ameaça de criaturas gigantes misteriosas chamadas de Anjos — no original, Shitos. Para combater essa ameaça, nasceu a organização paramilitar conhecida como Nerv, cujos membros são responsáveis pela construção e operação dos robôs gigantes Evangelions — normalmente chamados de Evas, numa alusão a Adão e Eva que é explicada mais tarde no anime. Os Evas são pilotados por crianças na faixa dos 14 anos, que, como eu disse, precisam arcar com essa imensa responsabilidade.

Shinji Ikari é uma dessas crianças, a terceira criança, órfão de mãe, que nunca se deu bem com o intransigente pai, que cresceu como um garoto angustiado e, sobretudo, solitário. A história começa quando Shinji é transferido para Tokyo-3, requisitado por seu pai, Gendo Ikari, para pilotar o Eva Unidade 01 contra os Anjos. Apesar de ser bem recebido por Misato Katsuragi, que se torna sua tutora, Shinji descobre que foi chamado apenas para pilotar o Eva 01, simplesmente porque ele é o único capaz — e isso também é explicado depois na série. Durante convívio na cidade e os confrontos contra os monstros, Shinji começa a se tornar mais receptivo, graças a Misato — de longe, uma das personagens mais interessantes da série. A forma como Shinji e Misato desenvolvem sua relação é uma parte cativante da série, especialmente por toda dificuldade dos dois para lidarem com a intimidade um do outro e pelo turbilhão de emoções no que diz respeito à Misato — a mulher é um furacão ambulante, e é divertida por isso. Como a própria Misato diz, é o dilema do ouriço, um conceito descrito pelo filósofo Arthur Schopenhauer e mais tarde adotado por Sigmund Freud.

Shinji também conhece a impassível primeira criança, Rei Ayanami, piloto do Eva Unidade 00, o instável protótipo que serviu de base para os outros Evangelions. Shinji desenvolve certo interesse por Rei e até desperta algumas emoções nela, mas os dois nunca conseguem realmente se aproximar por causa da dificuldade de ambos em se expressar, especialmente de Shinji — a relação deles é bastante implícita na série, e mostra bem a questão da dificuldade das pessoas em se aproximarem umas das outras. Apesar disso, o que estou falando são mais impressões minhas do que impressões gerais, porque Rei é um enigma durante toda a série, e até mesmo depois dela.

Mais tarde, somos apresentados a voluntariosa segunda criança, Asuka Langley Soryu, piloto do Eva Unidade 02, que vem da Alemanha para o Japão e também vai morar com Misato e Shinji. Espontânea, falastrona e bastante exagerada em tudo o que faz, Asuka surge na série para ser o oposto de Shinji e, provavelmente, a verdadeira mulher da vida dele — aquela história de que os opostos se atraem, talvez. A relação de Asuka e Shinji também é implícita, porém, tem mais nuances. Apesar da arrogância, Asuka, no fundo, deseja ser reconhecida, assim como Shinji, e num determinado momento da história demonstra que deseja ter o reconhecimento de Shinji — embora, obviamente, não admita isso, nem para ela mesma. Asuka, assim como os demais personagens, tem a alma quebrada, e seu maior dilema é que ela não sabe lidar com isso, pois não sabe se respeita ou não Shinji, se gosta ou não do Shinji; e ainda assim, está sempre tentando chamar a atenção dele, especialmente quando Shinji se mostra mais interessado em Rei do que nela. Preciso dizer que Asuka Langley Soryu é minha personagem preferida na série, e uma das minhas personagens preferidas de anime.

Shinji, Asuka, Rei e Misato são, basicamente, os personagens-chave do anime e os elementos principais que movem o enredo. O foco é bastante direcionado para os quatro, ainda que Shinji seja o mais desenvolvido. Na verdade, eles também representam levemente um conceito que é razoavelmente comum nos animes, que é o personagem masculino cercado — e muitas vezes, disputado — por um harém de personagens femininas. Mas eu preciso confessar que a melancolia do Shinji é irritante às vezes — em alguns momentos, especialmente nos momentos finais, dava vontade de entrar na série e enfiar a mão na cara do moleque pra ver se ele tomava uma porra de uma atitude!

O anime, apesar da grande qualidade narrativa, tem problemas consideráveis. A animação é boa, mas nada impressionante. As batalhas entre mechas e monstros são ágeis e violentas, mas muitas imagens são reprisadas e reaproveitadas de outras sequências, embora os combates mais importantes para a história recebam um destaque especial — e os mais impactantes são, sem dúvida, o combate de apresentação quando Shinji desperta o berserk da Unidade 01 pela primeira vez; quando Shinji enfrenta o Eva Unidade 04 descontrolado; e quando, mais uma vez, a Unidade 01 entra em berserk durante a invasão da Nerv pelo 14º Anjo (Zeruel) e devora o inimigo.

A questão do reaproveitamento de cenas, no entanto, é uma parte da série causada por diversos problemas de produção que o anime teve. O diretor do anime, Hideaki Anno, inclusive, tinha prometido na época do lançamento muitas imagens para deixar os fãs boquiabertos a cada episódio, mas aos poucos foi substituindo cenas de fanservice por cenas de traumas emocionais — motivo pelo qual, hoje em dia, nos créditos finais de um filme Rebuild of Evangelion sempre têm uma mensagem prometendo muito fanservice para o filme seguinte. Além disso, as complicações de cronograma do estúdio Gainax, responsável pelo anime, forçaram a reutilização de imagens nas cenas e a utilização exagerada de imagens paradas durante longas conversas, algo que acabou super-exposto nos dois últimos episódios, 25 e 26, que apresentava uma verdadeira análise psicológica sobre os personagens principais — basicamente, Shinji, Asuka, Rei e Misato, os personagens-chave, como eu disse. Eu particularmente gosto desses dois últimos episódios, mas admito que quando vi pela primeira vez, senti um pouco de estranheza, pois não é exatamente um final. Na verdade, os episódios 25 e 26 são algo como a Instrumentabilidade Humana vista por dentro, através da mente confusa de Shinji. Depois de assistir mais uma três vezes, eu realmente comecei a gostar desses dois últimos episódios, mais ainda quando estreou o filme The End of Evangelion, que conta com episódios 25 e 26 alternativos — respectivamente, Air/Love is Destructive e Yours Sincerely/ONE MORE FINAL: I need you.

Após o lançamento de um filme chamada Death & Rebirth, que era mais uma recapitulação da série com algumas cenas adicionais, o filme The End of Evangelion foi produzido por causa da demanda dos fãs que não tinham gostado do final da série. Esses episódios alternativos soam como a Instrumentabilidade Humana vista de fora e complementam o final da série — considerando que a premissa de Evangelion é a complementação, me parece uma forma justa de terminar. Além disso, o final (da série e do filme) tornou-se motivo para inúmeros debates e conversas entre amigos sobre o que significava tudo aquilo, sobre o que significava de verdade ver Evangelion, e isso, certamente, foi outra razão para o sucesso da série, por causa de toda a repercussão que gerou — mais ou menos o que aconteceu com a série Lost alguns anos depois.

Aliás, a série eleva o desenvolvimento de enredo e personagens a níveis extremos, e as conspirações que se desenvolvem são detalhadamente intricadas; cada episódio fornece uma ou duas respostas, mas levanta numerosas questões novas. A trama ainda é envolta por um misticismo filosófico-religioso que torna tudo mais duvidoso e atraente. A simbologia é uma das marcas de Evangelion, com muitas influências e alusões ao Cristianismo, ao Budismo, à Cabala, e até à própria cultura das animações japonesas. As explosões cataclísmicas que sempre têm forma de cruz são muito maneiras, e é apenas um detalhe. Particularmente, também gosto muito da Lança de Longinus e das referências relativas aos Sephirah e à Árvore da Vida que ilustra as paredes da sala de Gendo Ikari.

De volta ao caso do reaproveitamento de imagens, se por um lado isso revelava problemas de produção da série, por outro, se mostrou um ponto positivo em termos estéticos, pois resultou numa abordagem mais experimental para o anime, que exaltava as características mais introspectivas do enredo, especialmente a partir do episódio 15, quando o teor mais leve e bem-humorado foi se tornando mais sombrio e depressivo. O visual acabou assumindo uma característica mais inovadora por contornar seus problemas de forma inteligente, e por provar que menos pode ser mais. A música ressalta um pouco mais a atmosfera melancólica, ao mesmo tempo em que torna o anime mais agradável e, em alguns momentos, vigoroso. A abertura Zankoku na Tenshi no Thesis, cantada por Yoko Takahashi, e as músicas instrumentais de batalha são fortes e vibrantes, enquanto o encerramento, Fly Me to the Moon, cover da famosa música de Frank Sinatra, é cantada em várias versões, instrumental ou com vocal maravilhoso de nomes como Claire e Megumi Hayashibara. A cada encerramento, você fica com vontade de voar até a lua num Evangelion, é emocionante! Ah, confessa, se você gosta do anime, você também já quis pilotar um Evangelion!

Desde criança sou fã de robôs gigantes, desde Macross até Gundam, e claro que a forma como o tema é abordado em Evangelion chama bastante atenção por fugir do convencional. Os projetos são interessantes, principalmente pelo fato dos Evas serem ciborgues gigantes, não simplesmente robôs, já que são criados com uma mistura de material genético de humanos e de Anjos, motivo pelo qual eles possuem habilidades parecidas com os monstros que enfrentam. Os Evangelions são bem desenhados, com movimentos fluidos, e vários detalhes sobre seu funcionamento são mencionados pelos personagens o tempo todo, e isso é bem legal. Os Anjos, por sua vez, são marcantes com suas aparências exóticas e são tão diversificados em seus poderes que tornam os combates mais divertidos. Entre Evas e Anjos, o elemento que mais gosto é o Campo de Terror Absoluto (Absolute Terror Field), chamado de Campo AT (AT Field), uma analogia justamente ao dilema do ouriço e outras questões psicológicas do anime, por representar a área de conforto que todos nós temos, que muitas vezes impede a aproximação de estranhos e que normalmente não gostamos que seja invadida sem nossa permissão.

Neon Genesis Evangelion é uma experiência única, e pode ser facilmente considerado uma obra-prima das animações japonesas, com uma visão bastante singular de ficção científica, mistério e história de mechas.

Além de um grupo de robôs gigantes lutando contra monstros, e uma galeria belíssima de referências religiosas e filosóficas, Evangelion é uma reflexão sobre a adolescência e as mudanças normalmente impostas pela chegada à vida adulta. Acima de tudo, é um anime sobre interação e crescimento social, sobre solidão e amizade, que muitas vezes não quer dizer nada, e ao mesmo tempo, quer dizer tudo; pois não tem medo de explorar questionamentos que nos obrigam a pensar e formular nossas próprias teorias e percepções sobre o que estamos experimentando.