A Dança da Realidade (2013), Alejandro Jodorowsky.
Todo pai causa trauma nos filhos. São estes que, depois de adultos, terão que aprender a superá-los para seguir em frente. Cada um cria sua própria maneira de conseguir, e nada mais justo para um cineasta do que fazer isso com um filme. E se falarmos de um autor peculiar como Alejandro Jodorowsky, é claro que não se tratará de um filminho qualquer.
Pois é isto que faz o diretor com A Dança da Realidade, seu retorno ao cinema depois de 20 anos. Em sua nova obra, Jodorowsky reconta sua infância, mas recriando-a de forma mítica, se preocupando menos com a fidelidade aos fatos e mais com os sentimentos desta fase difícil por qual passou. Para isso, adotou uma ótica surrealista, característica de todo o seu cinema, onde funciona a lógica dos sonhos.
Adepto da Psicomagia, o diretor claramente retrabalhou seus traumas e de sua família à maneira de um alquimista. Assim, nos conta sua vida na pequena cidade de Tocopilla, no interior do Chile. Seu pai, Jaime (Brontis Jodorowsky, filho do diretor) era comunista, admirador de Stálin e verdadeiro tirano dentro de casa. Sara (Pamela Flores), sua mãe, tenta protegê-lo, criando um mundo de fantasia para o pequeno Alejandro, que acaba o afastando ainda mais da vida “comum” do vilarejo. O detalhe é que todas as falas da mãe são cantadas, como se fosse uma ópera.
Os muitos sofrimentos do garoto e do pai seriam um prato cheio para o melodrama. Contudo, estamos falando de um diretor sem compromisso com o cinema comercial, então o sofrimento e o humor estão lado a lado, sem pudor de botar na tela cenas grotescas ou líricas, muitas vezes beirando o ridículo, mas que funciona muito bem. Há um misto de tragédia e farsa que perpassa todo o longa, muitas vezes de forma lisérgica.
O resultado é de uma extrema poesia e grande empatia pelos seres humanos a que somos apresentados. Não há rancor por parte de Jodorowsky com seu passado. Há uma fala inclusive em que afirma que só pode se tornar o adulto de hoje graças ao que sofreu quando criança. Da mesma forma, as situações absurdas que seu pai o obrigou a passar não resultaram em raiva, mas em amor, pois o pai também foi sujeito a sua própria cota de dissabores. É uma volta ao conceito de Nieztche em que temos que aceitar a felicidade e o sofrimento como partes importantes da vida e abraçar a ambos sem medo.
Em tempos de Prozac e consumismo desenfreado, onde somos estimulados a ignorar as dores de nossa alma em um eterno vazio, onde vamos às redes sociais para provar a todos que levamos vidas importantes e repletas de felicidade, quando no íntimo há um choro preso na garganta que insistimos em fingir que não está lá, Jodorowsky vem nos lembrar que só poderá haver paz interior quando encararmos de frente nossos próprios monstros.
A Dança da Realidade apresenta o mais belo pesadelo herético — seu Deus e seu Diabo estão em você mesmo, e para superá-los, você deve realizar um amálgama entre ambos cujo resultado será a sua própria alma.
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