Doctor Who: The Day of the Doctor

Doctor Who The Day of the Doctor

Doctor Who The Day of the Doctor

Doctor Who: The Day of the Doctor (2013), Steven Moffat.

O dia 23 de novembro de 1963 marcou a estreia de Doctor Who, a série de ficção científica mais longa do mundo e uma das mais bem-sucedidas. Uma série com estilo de ficção científica oldschool, humor britânico e que te emociona todo final de temporada. Como não amar?!

Para comemorar os 50 anos, a série ganhou um filme-evento espetacular chamado The Day of the Doctor, um especial de uma hora e meia, exibido no dia 23 de novembro de 2013 em centenas de salas de cinema e pela televisão no mundo todo, simultaneamente, na maior transmissão simultânea de uma série de TV até agora, mais um recorde para a história da série.

Steven Moffat contou em entrevistas que The Day of the Doctor seria uma história sobre o Doctor, e certamente essa é a melhor definição para o filme especial, que não apenas revelou detalhes importantes da história do personagem, como também abordou várias linhas temporais, diferentes e interligadas, para contar mais sobre a misteriosa Guerra do Tempo e a queda de Gallifrey — o planeta-natal dos Timelords. Era uma parte grandiosa e pouco explorada na série, até agora.

Tudo começa quando algo terrível desperta na Galeria Nacional de Londres, levando a uma trama obscura na Inglaterra da época da Rainha Elizabeth I, no ano de 1562. Matt Smith e Jenna Coleman protagonizam como o Décimo Primeiro Doctor e sua companion, Clara, que são levados à Galeria e logo descobrem uma pintura produzida com arte dos Timelords, que aprisiona um momento específico do tempo como uma imagem — no caso, o dia em que Arcadia, a segunda cidade de Gallifrey pereceu durante a Guerra do Tempo. Em algum lugar no espaço, essa antiga batalha está prestes a encontrar sua conclusão devastadora. Toda a realidade está em jogo enquanto o passado sombrio do Doctor volta para assombrá-lo.

David Tennant e Billie Piper estão de volta como o Décimo Doctor e sua companion, Rose — que na verdade não é a Rose, mas uma projeção criada por uma arma de destruição massiva consciente chamada Momento. John Hurt aparece como o War Doctor, o passado sombrio do Doctor, que rouba a Momento com a intenção de explodir completamente Gallifrey e acabar de uma vez por todas com a Guerra do Tempo.

Mas antes, para aqueles que assistiram ao especial no cinema, vale ressaltar que a experiência começou com um toque diferente e recompensador. Antes da exibição do filme, surge na tela o sempre impagável Strax, ex-comandante dos Sontaran e atual enfermeiro-mordomo na época vitoriana, para dar instruções sobre como se portar no cinema durante o filme e o que aconteceria se você desrespeitasse as regras. O mais engraçado é a impressão dele sobre pipoca, sobre como é legal explodir o milho e ouvir os gritinhos dele enquanto é mastigado sem piedade — sensacional! — Depois disso, ainda temos Matt Smith apresentando rapidamente o filme, e como ele acha absurdo ainda ser em 3D, porque ele é um viajante do tempo e estava vindo da comemoração do centenário de Doctor Who, no futuro, exibida em 12D, e com 57 Doctors! — Adorei!

O retorno de nomes importantes do elenco e a abordagem dada à história, desde o início, revelam que esse é nitidamente um trabalho pensado para ser uma declaração de amor à série e aos whovians que fizeram dela o que é hoje, a começar pela abertura do filme, em preto e branco, no estilo da abertura clássica da série. Era apenas o começo, mas a experiência já estava valendo a pena.

O preto e branco muda para o colorido contemporâneo, com uma qualidade de imagem excelente. E o filme já começa com a Clara, que é uma companion adorável que eu gosto bastante. Ela recebe uma mensagem do Doctor, pega sua motocicleta e corre para a TARDIS, para finalmente reencontrá-lo depois dos eventos do final da sétima temporada. Dá pra ver que algum tempo se passou, já que Clara agora é uma professora, não apenas uma babá para crianças. Antes que possam relembrar os bons tempos, a TARDIS é capturada por um helicóptero e levada para Londres, com Clara dentro e o Doctor pendurado do lado de fora — numa cena divertida de introdução, cortesia da sempre bem-vinda UNIT.

Esse é apenas um dos poucos momentos maravilhosos do filme, que realmente conseguiu ser um tremendo presente de aniversário em vários sentidos, especialmente por funcionar diretamente como um episódio da série, ampliando a mitologia de Doctor Who, com toda a emoção que só Doctor Who sabe provocar.

Mas é quando a reunião entre David Tennant, Matt Smith e John Hurt acontece que The Day of the Doctor se torna efetivamente UM EVENTO ESPETACULAR. A interação, entre sorrisos e faíscas, de David Tennant e Matt Smith é uma experiência divertida. Tennant mostra que não perdeu o jeito para ser o Doctor, e ainda esbanja aquela aura cativante de herói meio-trágico meio-louco que marcou sua passagem pela série e fez dele um dos Doctors mais queridos — ele é meu Doctor preferido. As tiradas de Tennant, seja trollando Smith ou reclamando da redecoração da TARDIS ou pedindo uma rainha virgem em casamento sem querer, são engraçadas e sinceras, pelo humor e pela saudade — Tennant faz falta, e escutá-lo dizendo “Eu não quero ir” outra vez é tão triste quanto bonito.

Mas se fossemos escolher um destaque nessa tríade de Doctors, forçadamente reunidos por causa de uma improvável fissura no tempo, seria sem dúvida a participação providencial de John Hurt, que inteligentemente é tratado como um jovem endurecido pela guerra e confuso por carregar o peso de uma decisão importante sobre seus ombros — Hurt é o mais velho entre os três atores, mas é o mais jovem entre os três Doctors, e isso é lindamente reforçado num diálogo com Clara que só me fez gostar ainda mais dele, dela e de todo o resto. Apesar disso, é legal ver a maneira como Hurt acaba com a credibilidade dos outros dois Doctors com comentários implacáveis e gloriosos.

A sintonia entre os três Doctors é tão perfeita e confiante que eles se permitem zombar de suas próprias falas, como o fato de que os companions “estão cada vez mais jovens” ou sobre o já clássico “timey-wimey” — expressão que Tennant soltou na terceira temporada e da qual o próprio Tennant zomba quando Smith fala: “eu não sei de onde ele tira essas coisas.” — Isso sem contar brincadeiras com coisas típicas de ficção científica, como o “botão vermelho” que dispositivos complicados deveriam ter, ou com a situação mais impagável de três Doctors (muito inteligentes) estarem presos num calabouço, buscando uma solução complexa para escapar quando só precisavam tentar a porta que estava aberta — outro momento Clara WINS.

Apesar do tom de homenagem e reunião, a história também é muito boa, com ideias fortes, que aproveitam elementos da série clássica. A época do Quarto Doctor (Tom Baker) é bastante presente. A “científica” Osgood (Ingrid Oliver) logo no início já aparece com uma echarpe listrada no melhor estilo Quarto Doctor. E os vilões também são desse período.

Os Zygons, um grupo de vilões que apareceu pela primeira vez em 1975 no episódio Terror Of The Zygons, não aparecem efetivamente na série desde essa época — exceto por algumas citações a eles em episódios da sexta e sétima temporada. Depois de quase quatro décadas, os Zygons estão de volta, e assim como antigamente, eles vieram para a Terra séculos atrás depois que seu planeta natal foi destruído em uma explosão, que nesse especial é atribuída à queda de Gallifrey.

Os novos Zygons e suas capacidades de mudança de forma são uma incerteza intrigante da história, já que podem assumir a forma de outras pessoas, e você nunca sabe quem é quem. A ideia de invasão lenta, através da pintura com arte dos Timelords e depois se disfarçando de estátuas, é rápida e bem-amarrada, promovendo o desenvolvimento necessário para o arco principal da trama, que é a Queda de Gallifrey.

Estamos de volta à Guerra do Tempo, quando o Doctor vivenciou o momento mais decisivo de sua história. Para tratar desse momento, o especial abandona um pouco o humor e assume um teor mais sombrio e maduro. É quando o fator “emoção” tão comum na série se revela. Não há ingenuidade no espaço de 400 anos entre o dia que o Doctor tomou a decisão crucial de explodir Gallifrey com todos os seus habitantes e aquele DIA DO DOCTOR em que ele conheceu a si mesmo (duas vezes) no futuro.

Russell T. Davies, quando resgatou a série do hiato em 2005, estava mais interessado em falar sobre a Guerra do Tempo do que em mostrá-la, mas o especial vai fundo nesse passado misterioso, e revela todas as implicações disso. Agora que essa lacuna começou a ser explorada, vai ser interessante ver o que acontece em seguida. Especialmente pela solução que o filme oferece para a Queda de Gallifrey.

Por apenas um minuto, parecia que o Décimo e o Décimo Primeiro Doctor seriam cúmplices da destruição em massa dos Daleks e dos Timelords. E por um instante, eu acreditei que seria assim, e pensei no tremendo impacto que isso causaria na mitologia da série. Então, aquela que surge sempre como um mau presságio se tornou um bom presságio… Duas palavras… BAD. WOLF.

A participação de Billie Piper no filme, como já estava evidente pelos trailers, não foi um retorno da companion Rose Tyler, mas uma representação dela — como eu disse anteriormente, poderia ser alguém ou algo que está apenas disfarçado com a aparência de Rose, e é esse caso. A opção foi colocá-la como uma representação da interface da “Momento”, a arma de destruição em massa criada pelos anciões de Gallifrey, mas que nunca foi usada porque desenvolveu consciência. A imagem de Rose é escolhida pela interface para facilitar a interação com o War Doctor, que é submetido ao julgamento da Momento antes que ela se permita ser usada para destruir Gallifrey.

Billie Piper é uma parte extremamente importante para a série após seu retorno do hiato, e a presença dela no especial de 50 anos era indispensável desde o começo. Mas é um fato que, dentro da premissa da história a ser contada, a presença de Rose seria muito dramática para o Décimo Doctor — vide a reação dele quando escuta o nome “Bad Wolf”, com um brilho rápido nos olhos apenas pela nostalgia, mas que não cabia ser mais aprofundado. O importante é a oportunidade de vermos Billie Piper de volta a Doctor Who, com aquele sorriso cativante de sempre.

Outra razão para não termos Rose realmente de volta, é porque o destaque atual é para Clara, que vem se provando cada vez mais essencial. Jenna Coleman interpreta uma das companions mais fortes do Doctor, e sua influência tende a crescer ainda mais no futuro.

A Rose “Momento” oferece a escolha, Clara reforça o caminho a seguir — “Be a Doctor” — e finalmente, quando achávamos que estava tudo resolvido, GERÔNIMO, uma das sequências mais bonitas e emocionantes e empolgantes revelou que os Doctors decidiram mudar sua própria história. Estabelecendo uma inteligente ligação com o final da quarta temporada, quando descobrimos que Gallifrey estava aprisionada num bolsão temporal oculto que o Mestre conseguiu acessar, Hurt, Tennant e Smith decidem usar suas TARDIS para deslocar Gallifrey no tempo e espaço, colocando-a em suspensão como numa pintura com arte dos Timelords.

O que se segue é uma cena de homenagem maravilhosa que coloca os três Doctors juntos em suas TARDIS ao lado de TODOS os outros. Os 13 Doctors, juntos, em prol de salvar Gallifrey da completa destruição, unem suas TARDIS para deslocar o planeta para o bolsão onde ficará protegida contra os Daleks pela eternidade. Cada Doctor foi aparecendo, um a um, desde William Hartnell até Christopher Eccleston, e eu ainda fico arrepiado cada vez que penso nessa cena. Então, quando parecia ter acabado, BAM!, surge Peter Capaldi numa aparição incrível! Tudo muito rápido, tudo muito épico, tudo muito emocionante. E depois que “A Queda de Gallifrey Não Mais” se concretiza, ainda temos a participação especial de Tom Baker — o Quarto Doctor — numa conversa com Matt Smith que promete levar a trama da série para novos rumos.

Agora também sabemos onde o War Doctor (Hurt) se encaixa na tradição de Doctor Who. O curta especial The Night of the Doctor aborda uma questão que até então permanecia não respondida — como aconteceu a regeneração do Oitavo Doctor (Paul McGann). Quando a série retornou em 2005, já começava com o Nono Doctor (Christopher Eccleston), sem que fosse mostrado o que tinha acontecido com o Doctor anterior, apresentado no telefilme de Doctor Who, lançado em 1996. The Night Of The Doctor revela que o Oitavo Doctor se regenerou no War Doctor, e o que aconteceu depois é mostrado em The Day of the Doctor, quando ele cumpriu sua missão e regenerou no Nono Doctor — o que explica porque o Nono Doctor era mais agressivo e belicista, aspectos que foram mudando aos poucos por causa de Rose.

The Day of the Doctor, como especial e como episódio, é forte, ambicioso e recompensador, e claramente uma das melhores histórias escritas por Steven Moffat — que conseguiu a proeza de mudar tudo na história do Doctor sem mudar nada. A Guerra do Tempo e a “Queda de Gallifrey” abrem caminhos novos para a série seguir, e ainda há muita história a ser contada. Os Timelords e Gallifrey estão de volta ao jogo, e podemos supor que serão importantes nas aventuras de Peter Capaldi. Fora outros elementos que podem retornar no futuro, como o Arquivo Negro, ou o Arsenal Omega.

Por tudo isso que eu gosto tanto da série. Por causa de um MOMENTO como esse. Poucas coisas superam a sensação de você perceber que mesmo depois de 50 anos, Doctor Who ainda tem a capacidade de surpreender e impressionar e emocionar e wibbly-wobbly timey-wimey.