O Grande Hotel Budapeste

O Grande Hotel Budapeste

O Grande Hotel Budapeste

O Grande Hotel Budapeste (2014), Wes Anderson.

Os filmes de Wes Anderson normalmente são obras de grande beleza estética, criativos e coloridos, na forma de dioramas detalhados, com imagens maravilhosamente desenhadas à mão. Essas são características de Anderson, e facilmente as reconhecemos quando começamos a assistir a um filme dele: A Vida Marinha com Steve Zissou (2004), O Fantástico Sr. Raposo (2009), Moonrise Kingdom (2012). O Grande Hotel Budapeste não é diferente. Até é um pouco diferente às vezes, acrescentando alguns aspectos aos trejeitos do cineasta; varia em termos de roteiro, mas mantém a estética impecável.

Anderson é um artista adoravelmente talentoso, meio obsessivo, capaz de criar paisagens tão bem desenhadas que mexem com nossas emoções. Essa visão em forma de diorama é complementada por uma grande quantidade de níveis, camadas, caixas, compartimentos e cortes de cena que se encaixam um no outro, pouco a pouco fornecendo um panorama mais amplo — ou melhor, um hotel mais amplo. — O mais maravilhoso é que não se trata apenas de beleza e estilo e noção espacial; trata-se também de um roteiro de pequenas peças, deliciosamente amalucadas, que encantam e divertem enquanto exploram valores relevantes de humanidade e moralidade.

Um número absurdo de narradores transita pela trama, oferecendo pontos de vista dos mais variados para a história. Como um filme de Wes Anderson, um monte de rostos familiares aparece em participações menores, todos de forma providencial para o desenvolvimento da trama e dos personagens centrais — incluindo Saoirse Ronan, Edward Norton, Adrien Brody, Lea Seydoux, Jeff Goldblum, Jude Law, Harvey Keitel, Jason Schartzman, Bill Murray, Owen Wilson.

Ralph Fiennes é nada menos do que uma revelação em termos de comédia como Gustave. Ele tem uma presença tão irresistível, que facilmente entendemos por que todos se derretem por ele em cena. Com um timing cômico sensacional, sem dúvida ele é o responsável por metade do bom humor do filme. A outra metade é do estreante Tony Revolori, que se mostra uma surpresa agradável com seu olhar esbugalhado e sucinto em um desempenho cheio de ingenuidade e estupefação e vulnerabilidade. A química entre Fiennes e Revolori é cativante, e o que mantém o coração e a alma do grande hotel.

Em meio a várias correrias, prisões e ameaças, graças à habilidade de Fiennes, Gustave permanece adoravelmente imperturbável, um crente na arte da boa educação e da etiqueta, mesmo em condições desagradáveis. O personagem também parece ter uma inspiração específica. O filme de Anderson é dedicado à memória de Stefan Zweig, escritor e jornalista judeu-austríaco, que era um amigo de homens respeitados, como Richard Strauss e Sigmund Freud, transitava por vários círculos sociais e estava quase sempre fugindo de alguma coisa. Zweig terminou exilado no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, e se suicidou enquanto morava em Petrópolis, no Rio. O escritor não só serve de inspiração para o tom literário do O Grande Hotel Budapeste, como também para o personagem de Gustave H, um observador meticuloso de uma alta sociedade suspeita, que até o final manteve o esplendor de um mundo que não existia mais — “Para ser franco, acho que o mundo dele sumiu antes de ele nascer. Mas devo dizer que ele sustentou a ilusão com tremenda graça.”

O Grande Hotel Budapeste é, em última análise, uma história de assassinato e detetive, meio à moda antiga, que funciona como um romance policial de pistas e investigação e como uma história em meio a uma guerra que está por vir. A segunda metade do filme se transforma em um filme de ação, tão cheio de energia e abstrato que não se percebe diferença entre a linha que normalmente separa o suspense e a comédia. Há momentos de violência, brutal e grotesca, com mortes tratadas de forma leviana — incluindo a morte de um pobre gato azarado —, que esfriam o teor mais onírico e engraçado sem abalar o encantamento que o filme provoca. As mortes podem ser levianas. A história não é.

Ouça o podcast sobre o filme aqui.

Anderson explora um território literário e histórico e apenas nos convida, a cada cena, a olhar minuciosamente para este mundo inventado e intrincado, como se estivéssemos admirando uma pintura renascentista de valor inestimável, que na verdade não existe. Esse é um mundo que nunca existiu na vida real, mas que ganha vida e emoção e humor negro graças ao toque estilístico de Anderson, que trata suas imagens e seus personagens com o carinho de um pintor idealizando a obra-prima de sua vida melancólica e colorida.