O Teorema Zero

O Teorema Zero

O Teorema Zero

O Teorema Zero (2013), Terry Gilliam.

Terry Gilliam é conhecido por criar trabalhos bastante conceituais e cheios de significados, que muitas vezes não estão plenamente revelados, mas estão lá, esperando para serem encontrados e assimilados. Ele gosta disso, e abusa de suas perspectivas alucinógenas nos filmes que produz.

O Teorema Zero, seu filme mais recente, extrapola as artimanhas conceituais do diretor tanto no campo audiovisual quanto intelectual, construindo um universo distópico totalmente moldado por autorreferências — razão e fé se confrontam como no fantástico O Mundo Imaginário de Dr. Parnassus, um sujeito confuso e careca como Bruce Willis em Os Doze Macacos é o protagonista, o estilo de animação e o senso de humor parecem oriundos de seus tempos de Monty Python, e o enredo nitidamente é parte de Brazil: O Filme.

Ao começar com um homem nu literalmente olhando para o vazio, Gilliam explora o vazio e as superficialidades que parecem crescentes na sociedade contemporânea, enquanto caminha por grandes ideias filosóficas e por um sensacional cenário de ficção científica. O filme é cheio das características estilísticas que poderíamos esperar de Gilliam, com realidades em camadas, prepotência tecnológica, paranoia institucional e, claro, romance bizarro — mas acima de tudo, O Teorema Zero é a jornada pessoal de um homem por suas crenças.

Qohen Leth (Christoph Waltz) é esse homem dividido entre razão e fé, um hipocondríaco que passa boa parte do tempo com poucas roupas, se refere a si mesmo como “nós” e trabalha calculando o que ele chama de “entidades” para uma grande corporação. Enquanto espera por um telefonema que vai literalmente lhe dar sentido à sua vida, o Gerente (Matt Damon) oferece-lhe um desafio único em troca do privilégio de trabalhar de sua casa: resolver a complicada e misteriosa equação chamada Teorema Zero — ou T-0.

O cenário futurista exalta questões da atualidade e relativas à nova revolução social proporcionada pela tecnologia, como a facilidade que uma pessoa tem para trabalhar de casa sem percorrer todo o caminho até o emprego, graças aos computadores e à internet. A tecnologia reduz distâncias, e isso reflete no cenário apertado onde Qohen habita — onde todos os lugares são próximos uns dos outros, ainda que seja difícil transitar entre eles graças ao caos urbano e cotidiano. O anseio de Qohen é trabalhar mais e mais para alcançar seu telefonema, e quer trabalhar de casa porque não pode perder tempo — pois na sociedade de hoje, não temos tempo a perder. Ainda assim, Qohen tenta ser paciente, espera e espera, fazendo seu trabalho dia após dia, esperando que um dia encontre sua recompensa — é a fé que as coisas podem melhorar, e a razão pela qual acordamos todos os dias e lutamos pelo que queremos.

Qohen é uma abelha operária exemplar, cuja consciência de colmeia é tão ferrenha que ele não consegue pensar em si mesmo no singular — não existe um “eu”, existe apenas um “nós”. Mas ele também é como um rato, covarde e preso ao seu labirinto corporativo, beliscando qualquer migalha que lhe seja atirada — uma situação angustiante de se acompanhar, especialmente pela trilha sonora composta por ruídos de roedores. Qohen vive quase que exclusivamente trabalhando num terminal de computador estranhamente steampunk, analisando e organizando dados no que parece ser um jogo de videogame com gráficos ultrapassados. Seus processos manuais, que envolvem pequenos frascos de líquido verde e vermelho neon, nunca são realmente explicados. E todo o emaranhado de mainframes e conexões neurais é toscamente antiquado, quase teatralizado, como uma obra de Gilliam não poderia deixar de ser. O design de produção é composto por aparelhos retrofuturistas sobre pilhas de materiais decompostos e decorações clássicas.

Destaque para a estátua de Jesus Cristo que tem uma câmera no lugar da cabeça, e que está sempre direcionada para observar Qohen o tempo todo e garantir que ele está cumprindo os mandamentos de sua corporação adequadamente. É como se Deus fosse um Big Brother elevado ao status de divindade. Numa tacada só, o filme critica o fanatismo — das pessoas que não conseguem dar um passo na vida sem pensar que Deus está olhando e avaliando tudo, e que Ele vai puni-las por qualquer erro/pecado que cometam — e o voyeurismo exagerado da sociedade atual — que tem na câmera um objeto de devoção.

O filme segue a busca gradual de Qohen para se libertar dessa confusão de símbolos e significados representada por um projeto que parece não ter solução, enquanto ele tenta encontrar um sentido para o buraco negro de sua alma — uma alusão ao vazio interior que muitas pessoas parecem sentir hoje em dia, cercadas por avanços tecnológicos, trabalhos repetitivos e amigos virtuais que oferecem prazeres passageiros, mas que não parecem oferecer um propósito maior para qualquer existência. Waltz é basicamente como Sam Lowry, protagonista de Brazil: O Filme; e sua atuação confusa e ansiosa consegue despertar níveis similares de empatia.

Durante sua jornada pessoal, Qohen conhece uma jovem chamada Bainsley (Mélanie Thierry), que se sente estranhamente encantada pela determinação dele em se manter isolado, e um adolescente gênio da computação chamado Bob (Lucas Hedges), enviado pela empresa para ajudar Qohen a obter resultados em seu trabalho com o Teorema Zero. Thierry é sensual e sedutora em sua extroversão, apesar de suas fragilidades emocionais. Hedges é divertido por seus constantes questionamentos sobre a vida, o universo e tudo mais, ao mesmo tempo em que representa o entusiasmo adolescente e a dificuldade dos jovens de encontrar um caminho na vida a seguir. Bob também se mostra um reflexo de uma sociedade que não pode parar, e não pode perder tempo, tanto que chama todos de “Bob”, porque lembrar nomes é perda de tempo e de foco — e apesar do excesso de hiperatividade e foco, ele não sabe o que fazer da vida, talvez justamente por não ter um telefonema para esperar. As contradições entre Qohen e Bainsley e Bob acabam por criar uma amizade e, logo, Qohen é forçado a decidir o que é mais importante: seus novos amigos ou seu trabalho. Bob, em especial, por seu jeito questionador, aponta que o plano de Qohen para isolar-se do resto do mundo não é uma forma particularmente eficaz para encontrar um lugar nele. Detalhe que ainda temos Tilda Swinton, que aparece como um terapeuta virtual bizarramente engraçada, que tagarela diagnósticos num sotaque escocês carregado e interrompe as atividades de Qohen nos momentos mais cruciais.

Das câmeras que isolam Qohen mesmo em sua própria casa/igreja decadente, até o ambiente virtual paradisíaco onde Qohen tenta fugir de suas atribulações cotidianas, Gilliam encontra maneiras óbvias, mas eficientes para criar identificação com as perspectivas de seu protagonista sobre o mundo ao redor. Essas escolhas não ofuscam a ideia principal do filme — descobrir o que dá sentido a vida humana —, mas transformam a introspecção de Qohen em ação e revelam sua luta interna como uma busca fascinante por si mesmo. Waltz torna o desespero de seu personagem estranhamente atraente — mesmo que esperançoso.

Como a maioria das lições de vida, as respostas para os problemas da Qohen estão escondidas à plena vista. Mas o fato de que elas estão lá, em tudo, marca um filme que, apesar da atitude niilista sobre a existência humana, acredita na ideia de que há muitas razões para viver — grandes e pequenas. Como um grande professor cheio de ideias complicadas, mas fáceis de entender e divertidas de se pensar, Gilliam faz perguntas básicas sobre a existência humana através de uma série de conflitos que estranhamente se relacionam e se complementam, como cálculos inteligentemente combinados para formar um teorema. O resultado poderia ser 42. Mas alguém já forneceu essa resposta antes. Outras respostas são possíveis, e bem-vindas. O Teorema Zero dança às margens do nada, e consegue encontrar respostas incrivelmente valiosas.