O Festim dos Corvos (2005), George R. R. Martin.
A perda inesperada de um ente querido é quase sempre um choque, seguida do luto e da busca por forças para seguir em frente. Pois esse é o clima de O Festim dos Corvos, o quarto volume da série As Crônicas de Fogo e Gelo do autor George R. R. Martin. Depois do banho de sangue do volume anterior, A Tormenta de Espadas, agora é hora de chorar os mortos e seguir em frente, criando um novo status quo para a série. A história acontece simultaneamente com os eventos do livro seguinte, A Dança dos Dragões. A Guerra dos Cinco Reis parece ter terminado. Rei Stannis Baratheon fugiu para a Muralha, onde Jon Snow se tornou Senhor Comandante da Patrulha da Noite. Rei Tommen Baratheon, irmão de Joffrey, agora governa em Porto Real sob o olhar atento de sua mãe, a rainha regente Cersei Lannister. Sansa Stark vive escondida no Vale, fingindo ser “Alayne Stone”, filha bastarda de Petyr Baelish, que agora é o Senhor Protetor do Vale.
A comparação com o tomo anterior é inevitável, e o quarto livro sai perdendo nesse sentido. Enquanto no terceiro a ação vem numa crescente, com uma sucessão de acontecimentos bombásticos que tornam impossível ao leitor ficar indiferente, o ritmo agora é bem mais lento, focado nos bastidores da política, com os personagens tentando compreender suas novas situações diante do que perderam, e poucas cenas de batalha ou de clímax psicológico.
O livro acaba sendo conhecido como o mais chato da série, o que é um pouco injusto. Talvez o que mais contribua para esta má fama é o fato de que Martin resolveu dividir a história, focando desta vez apenas nos personagens envolvidos na disputa política direta de Westeros. Com isso, figuras como Daenerys, Jon Snow (fora uma breve aparição) e Tyrion Lannister não dão as caras dessa vez. A ausência do último, principalmente, causa certa frustração, dada a maneira como sua trajetória terminou no livro três.
Um dos grandes destaques da obra vai para Cersei Lannister, que finalmente assume o papel de protagonista. O problema aqui é o de identificação, pois ela é fria, até mesmo cínica, e se julga esperta demais. Além disso, sua rivalidade com Margaery Tyrell se torna quase explícita, o que as leva a um final onde as duas podem perder tudo.
Jaime Lannister volta a Westeros, mas acaba se afastando da irmã, pois seus planos de vida deixam de coincidir. Contudo, o que realmente faz falta é a sua parceria com Brienne. Sem ela ao lado, o personagem de Jaime fica apagado, sem grande destaque. Já ela garante os poucos momentos realmente épicos do livro, onde finalmente mostra toda sua habilidade com a espada.
Talvez a maior evolução de personagem seja a de Sansa Stark. Com a cabeça a prêmio, ela parece finalmente começar a perder a ingenuidade, pois só assim irá sobreviver. Junto com Mindinho, ela aprende a mentir e dissimular. A garotinha que sonhava com o príncipe encantado vai dando lugar a uma mulher decidida e que sabe o que deve fazer para obter o que deseja.
Outra trajetória que muda bastante é a de Arya Stark. Enquanto antes ela caminhava uma trilha que a deixava cada vez mais badass e sinistra, ela agora parece seguir por uma espécie de redenção. Mas o preço a pagar por isto talvez seja alto demais para ela.
Samwell Tarly é outro personagem que cresce bastante. Incumbido de cumprir uma nova missão para Jon Snow, ele agora é obrigado a encarar o mundo fora da muralha, e para obter êxito terá que deixar de ser o garotinho assustado de antes da Muralha e assumir de vez o papel de Sam, o Matador.
Conhecemos aqui também novos territórios e tramas, como As Ilhas de Ferro e Dorne, com seus próprios problemas e políticas internas. Embora essa nova adição seja interessante, e possuam ligação com os eventos dos livros anteriores, pode não ser exatamente a leitura desejada pelos leitores, considerando os personagens ausentes.
Aqui cabe uma discussão: o escritor deve necessariamente agradar seu público? É lógico que o compromisso com a qualidade não pode faltar, mas cabe ao leitor também um certo esforço. Afinal, é o Martin que está contando a história, e todos sabemos o quanto ele é bom nisso. Não é por isso que acompanhamos os tijolões que ele escreve e sempre nos divertimos? Além disso todos sabem o quanto ele gosta de quebrar as expectativas de seu público, e este livro não é uma exceção.
Assim é injusta a fama que O Festim dos Corvos tem de ser o pior livro da série. Menos empolgante talvez seja a designação certa. Afinal, a obra se trata de um grande velório, e de como a vida segue e o show não pode parar. Ele pode não apresentar muitos momentos épicos, mas este é o clima adequado para este momento da grande saga construída por seu autor. E serve para mostrar que a boa literatura fantástica não é feita somente de lutas e heroísmo, mas também de sentimentos humanos, muito humanos.
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