Cinderela é um dos contos de fadas mais populares da história, cuja versão mais conhecida é a do escritor francês Charles Perrault, de 1697, baseada num conto italiano popular chamado La Gatta Cenerentola (A Gata Borralheira); há também uma versão da China, por volta de 860 AC, considerada a versão mais antiga do conto, e dos Irmãos Grimm, semelhante à de Charles Perrault. Também baseado no conto de Perrault, a Walt Disney produziu uma animação em 1950, que se tornou um clássico e que agora ganha uma releitura com atores reais.
Este é o mais próximo de uma versão live-action de desenho animado que poderíamos esperar. O diretor Kenneth Branagh preferiu se manter fiel ao conto de fadas estamos todos acostumados. E não, não foi por ser fiel que eu adorei esse novo Cinderela; foi por saber contar sua história sem perder a magia.
Cinderela deixa que sua magia flua como tem que ser, acrescentando alguns toques de encanto aqui e ali. Ainda que seja uma história antiga e amplamente conhecida, os atores envolvidos nessa releitura desempenham seus papéis com entusiasmo cativante. E vamos combinar, com tudo o que acontece no mundo hoje, e no nosso país, um filme com uma mensagem sobre “ter coragem e ser gentil” nunca será uma coisa ruim.
Lily James é maravilhosamente encantadora e emocionalmente complexa como Cinderella. Uma atriz poderia facilmente se perder em um papel como Cinderella e na força que o elemento “história de Cinderela” possui quando se trata de um papel feminino principal como esse. Famosa por seu papel na série Downton Abbey, James o faz com facilidade. Ela constrói uma Cinderella única, com sua própria marca e seu próprio encanto, diferente de muitas outras Cinderelas que já conhecemos. Ela é amável, mas corajosa. Graciosa, mas não é frágil. Impossível não se apaixonar por ela. Não é à toa que ela tem uma química maravilhosa com o Príncipe Kit de Richard Madden (Robb Stark da série Game of Thrones). Quando juntos, os dois expressam sua emoção apenas pelo olhar, como se pudessem enxergar a alma um do outro. Pura magia.
Mas quem comanda mesmo essa dança é Cate Blanchett, que domina cada cena como a madrasta Lady Tremaine. Ela é tão alegremente má e ameaçadora quanto poderíamos esperar de uma vilã de conto de fadas da Disney, inspirando o mesmo tipo de vilania que marcou Glenn Close como Cruella De Vil no filme live-action de 101 Dálmatas. No final, quando Lady Tremaine descreve como ela uma vez foi uma mulher feliz no amor antes da morte de seu marido, que destruiu sua família, Blanchett quase nos consegue fazer sentir pena da vilã.
Branagh conduz o filme com o maior número de atores talentosos e isso ajuda a manter o ritmo sempre elevado, mesmo não tendo grandes surpresas por já ser uma história tão conhecida. Os pais de Ella são Ben Chaplin e Hayley Atwell (Peggy Carter em Agent Carter). O Rei é Derek Jacobi, e o nada confiável Grão-Duque, Stellan Skarsgård (Thor). Como nenhuma história de Cinderela poderia estar completa sem uma fada madrinha, Branagh deixa o papel a cargo de Helena Bonham Carter. Além de ser a narradora da história, ela é um espetáculo a parte quando aparece para sua grande cena, enquanto transforma abóboras em carruagem e animais em cocheiros e serviçais. Bonham Carter proporciona alguns momentos engraçados com sua excentricidade divertida.
O momento da Fada Madrinha também reflete os altos valores de produção do filme, exuberantes à moda antiga. Branagh, amplamente conhecido por sua veia shakespeariana, abraça o tradicionalismo (eu diria até de uma forma bem britânica), sem perder totalmente o interesse pelo contemporâneo. De fato, os efeitos de computação gráfica estão por toda parte — e a cena da abóbora encolhendo com a Cinderella dentro é tão claustrofóbica quanto sensacional! — Mas por outro lado, os interiores do castelo parecem sempre repletos de mármore real e tapeçarias, e os figurinos são belíssimos. Branagh constrói um cenário impecável para seu conto de fadas, em uma mistura que rende uma das melhores piadas do filme, quando a Fada Madrinha oferece o sapatinho de cristal para Ella: “você vai notar que são muito confortáveis.”
Cinderela faz exatamente isso, nos deixa o tempo todo confortáveis com o que sua magia tem a nos oferecer. Pode ser que o mundo não estivesse precisando de uma nova história da Cinderela, mas certamente precisava de um pouco mais de uma história como a DESSA Cinderela. Um conto de coragem e gentileza sobre o amor. Uma história sobre o amor de um príncipe e uma princesa, que nos angustia a cada minuto que passam separados; ou sobre o amor de uma família, que nos faz temer pela tristeza de viver na solidão de um sótão sem pai nem mãe. Uma história que prima por vencer barreiras e obstáculos em busca daquele momento singelo de “felizes para sempre” em que vale a pena dançar pelo jardim de casa ou no salão de um castelo sob o olhar admirado de um bando de desconhecidos.
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