A história gira em torno de uma organização chamada Libra, que atua em uma área conhecida como Hellsalem’s Lot, anteriormente conhecida como a cidade de Nova York. Hellsalem’s Lot foi criada em uma única noite, quando um portal para o Alterworld (Submundo) se abriu e sitiou Nova York em uma espécie de névoa impenetrável, transformando o lugar em um pandemônio em que humanos e criaturas sobrenaturais de outras dimensões precisam conviver. Para evitar que os horrores desta cidade se espalhassem para o mundo exterior, a Libra foi criada. Agora alguém está tentando atravessar a névoa e um grupo de humanos com poderes sobrenaturais a serviço da Libra trabalha para impedir que isso aconteça.
Blood Blockade Battlefront é um mangá criado por Yasuhiro Nightow, conhecido por ser autor de Trigun e Gungrave, e publicado na Jump SQ desde 2009. Até o momento possui nove volumes encadernados. O anime desenvolvido pelo estúdio Bones (Fullmetal Alchemist) basicamente foca nas agruras do jornalista aprendiz Leonard Watch no frenesi cotidiano de Hellsalem’s Lot; ele é como um peixe jogado no mar em meio a uma tempestade (e essa é uma analogia até bastante conveniente considerando que mais para frente na história, um personagem meio-peixe entra na história após uma insana queda de avião).
O começo da jornada de Leo já é complicado; enquanto tenta entender melhor como funcionam as coisas na cidade, ele tem a câmera fotográfica roubada por um macaco sobrenatural supersônico que não pode ser visto por olhos humanos. Mas ele enxerga o pequeno macaco e corre atrás do animal pela cidade, até se ver no meio de um assalto a banco devastador que o leva a conhecer a Libra. No meio do caos conhecemos também o lunático Femt, autoproclamado Rei da Depravação, que se diz governante da cidade e gosta de promover jogos perigosos para se divertir. Por causa do poder dos “olhos divinos”, Leo consegue enxergar coisas que ninguém mais consegue, e além de vencer o jogo de Femt de forma inesperada, ele acaba se tornando vital para a Libra, motivo pelo qual é recrutado pelo líder da organização, o estoico Klaus V Reinherz.
Blood Blockade Battlefront tem uma narrativa superficialmente episódica, com história truncada e aparentemente desarticulada, tanto que às vezes é um pouco difícil de pescar algumas coisas. Mesmo que restrito a uma única cidade, o universo é tão vasto e tão cheio de pequenos detalhes que aos poucos, à medida que os pontos se conectam e vamos conhecendo novos personagens, descobrimos que possui muito mais profundidade do que poderíamos supor inicialmente. Isso é tão verdadeiro que, em algumas cenas do anime, várias coisas acontecem em múltiplos planos de uma mesma cena, nos obrigando a prestar atenção em cada detalhe para conhecermos melhor o mundo e as relações entre os personagens (um exemplo disso é o episódio 04, quando Leo está numa festa com os membros da Libra, repare que dezenas de coisas acontecem ao mesmo tempo, tudo para culminar no momento que ele faz uma grande revelação e atrai as atenções de todo mundo. ESSA CENA É FODA! Em muitos aspectos, define o anime). Devido a isso, de vez em quando, você vai se pegar tendo que rever cenas uma ou duas vezes, apenas para absorver tudo que surge na tela.
Sabe outra coisa que é incrível? Quase todos os episódios têm a ação desenfreada tão comum ao shonen, só que alguns deles colocam a ação como fator de ínfima importância para o enredo. A ação está acontecendo efetivamente, os personagens estão investigando e procurando pistas sobre algum mistério da trama, e ainda assim, isso é mostrado em relances, com o foco sendo direcionado para algo totalmente trivial. No episódio 03, acompanhamos a Libra em busca de uma droga perigosa que surgiu nas ruas, e para encontrar a fonte, Klaus procura um poderoso chefe da máfia do Alterworld, Don Arlelelle Eruca Fulgrouche, com quem disputa um jogo de vida e morte para obter a informação (e salvar a vida de um homem no processo); o episódio é completamente focado no jogo (intricado e cheio de pormenores sensacionais) entre Klaus e Don Arlelelle, tornando a caçada pela droga apenas um fim sem a mesma importância que o meio. Blood Blockade Battlefront não trabalha visando um meio para um fim; ele explora o fim para nos contar o meio.
O episódio 10 é outro divertido nesse sentido ao mostrar Leo, Zapp e Zed — esse último é o personagem peixe que falei, visivelmente inspirado no Abraham Sapien de Hellboy — percorrendo TODOS os restaurantes da cidade em busca de um almoço satisfatório. Enquanto isso, os demais membros da Libra se preparam para enfrentar o ataque massivo de um bando de criminosos que roubaram milhares de armas chinesas e pretendem usá-las na cidade. Durante todo o episódio, a batalha épica da Libra contra os criminosos é construída, ganhando importância pouco a pouco, e somos surpreendidos com a forma como ela é mostrada no final. Mostrar uma batalha épica, contudo, não é o ponto desse episódio. O ponto é mostrar Leo e suas relações, para logo em seguida mover a história em direção ao clímax, que promete ser avassalador (e ainda não aconteceu, nem deve acontecer tão cedo).
Blood Blockade Battlefront é admirável por essa jovialidade e energia frenética, que se reflete principalmente no conjunto ímpar de personagens. Cada um tem seu momento para brilhar, de modo que alguns até mesmo recebem um episódio inteiro para serem apresentados. Eles possuem uma química eletrizante quando estão atuando juntos em cena, e um carisma envolvente quando estão sozinhos. As interações entre o explosivo (embora eficiente) Zapp Renfro e o estiloso Klaus V Reinherz, por exemplo, refletem uma rivalidade respeitosa entre ambos, ao mesmo tempo em que tanto Zapp quanto Klaus, quando sozinhos, exaltam suas habilidades e personalidade de forma cativante enquanto crescem como personagens. Especialmente nas sequências de ação. As batalhas são guardadas para momentos pontuais, e quando acontecem, são absurdamente espetaculares! Movidas por efeitos visuais embasados pelas criativas técnicas do Estilo de Batalha Sanguinária utilizado pelos membros da Libra.
Chain Sumeragi é uma lobisomem capaz de se mover em alta velocidade, uma das personagens menos exploradas, apesar de sempre se mostrar indispensável nas missões (e uma pedra no sapato de Zapp). KK é uma assassina profissional que usa armas que disparam eletricidade, e uma das personagens que mais gostei no anime. Deldro Brody & Dog Hummer é um homem bonitão meio narcisista que teve o sangue substituído por um demônio, claramente inspirado num misto de Venom e Carnificina do Homem-Aranha; é tão bizarro quanto sensacional. Steven A. Starphase é cheio de conexões obscuras e possui poderes congelantes. Gilbert F. Altstein é o mordomo da Libra, com o rosto sempre enfaixado, que costuma dirigir o carro de transporte da organização de forma alucinante. Por fim, temos Blitz T. Abrams, um caçador de vampiros amaldiçoado que provoca caos e azar por onde passa (e é um dos personagens mais engraçados da série). Existem ainda vários outros personagens, todos construídos para serem únicos dentro ou fora da Libra, e que valem cada viagem para conhecê-los.
Yasuhiro Nightow conta que, inicialmente, queria apenas escrever uma história de vampiros; e o que posso dizer é que ele conseguiu fazer algo maior do que isso, tendo construído um dos universos mais fascinantes dos animes desde Cowboy Bebop. Esse é facilmente um dos melhores animes que a nova geração terá oportunidade de assistir. Portanto, assista logo de uma vez! Só não se surpreenda por não poder assistir ao final ainda. O site oficial de Blood Blockade Battlefront anunciou que o episódio 12 (o último) foi adiado porque, de acordo com a equipe de produção do anime, não poderia ser exibido na televisão japonesa por ter um tempo acima de 30 minutos de duração; algo que não pode ser encaixado na grade de horário do canal, organizada para contemplar episódios de no máximo 30 minutos. No lugar do episódio final, foi exibido um episódio especial. A equipe de produção pretende definir novas datas e horários para o episódio final em breve, que serão anunciados no site. O que me causa certa melancolia é pensar que um anime tão incrível como esse terá apenas 12 episódios; ainda tem tanta história para contar, tantos personagens a desenvolver.
De volta ao anime, a direção de Rie Matsumoto é desafiadora, o tempo todo, fazendo uso inteligente do curto espaço de tempo de cada episódio para desenvolver uma estrutura que nos permite assimilar a grande quantidade de informações; muitas explicações sobre elementos do mundo são fornecidas através de dados do sistema de arquivos da Libra. A estética nos insere em um ambiente urbano caótico e em constante movimento, de tonalidade sempre avermelhada, onde humanos convivem com toda a sorte de monstros criativamente estranhos que parecem saídos de um conto de HP Lovecraft; um cenário embalado por um jazz agradável que eleva o teor emocional por trás do misto de fantasia, noir e história de gangsters. Destaque também para a empolgante música de abertura, “Hello, World”, da Bump of Chicken, e para o encerramento com todos os personagens dançando alegremente ao som de “Sugar Song to Bitter Step”, da Unison Square Garden.
Por falar em teor emocional, essa é uma marca de Nightow, que não é difícil de perceber no anime. O protagonista, Leo, tenta usar seus poderes de forma correta, para coisas boas, sempre analisando as circunstâncias de forma mais compreensiva. Assim como Trigun, em que Vash lutava para usar suas habilidades de maneira consciente, Blood Blockade Battlefront faz reflexões sobre o respeito à vida e sobre como poderes grandiosos podem ser usados para ajudar os outros, focando no potencial humano para esse tipo de moderação e compaixão. Parece denso, mas não é. A história também é bastante inteligente ao usar o humor irreverente, com direito a uma franquia de hambúrgueres cujo mascote — “The Jack” — teria sido desenhado por Ron Jomita Jr, e até um vilão membro da Raça de Sangue sendo derrotado por causa de um tesão incontrolável. O anime trabalha com um conceito bastante simples, apesar de suas complexidades. O diabo (da diversão) está nos detalhes.
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