Marshal Law

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Marshal Law

Marshal Law (1987), Pat Mills.

Os anos 1980 ficaram conhecidos nos quadrinhos dos Estados Unidos como a época da invasão britânica, com nomes como Alan Moore, Neil Gaiman e Grant Morrison chamando a atenção para tramas mais sofisticadas e temáticas mais maduras dentro das aventuras dos super-heróis. Se Watchmen e Asilo Arkham são obras que logo são lembradas quando falamos dessa época, existe uma, meio esquecida, que foi muito mais extrema nessa abordagem adulta dos supers: Marshaw Law, da dupla Pat Mills (Judge Dredd) e Kevin O’neill (As Aventuras da Liga Extraordinária).

Embora se passe no ano de 2020, vemos muitos ecos do que se passava na década de 80 na trama: o trauma do Vietnã, a Guerra Fria, o medo da bomba nuclear, e o herói no estilo brucutu, que usa a violência como solução de todos os problemas sociais. Mas tudo isso numa visão extremamente ácida e crítica, com boas doses de ironia e humor negro a permear o texto.

Na trama, o governo desenvolveu pesquisas genéticas para criar super-humanos, e depois utilizá-los numa guerra conhecida como A Zona, onde os EUA invadem a Amazônia para combater governos locais que aderiram ao marxismo, principalmente a Venezuela (e na época nem se sonhava com Hugo Chávez, o que dá um tom profético ao se ler hoje em dia). Acontece que os supers voltam do combate desajustados. Muitos vão morar nas ruas ou se voltam para a prática de crimes. Também ex-combatente, Marshal Law é contratado pela polícia para detê-los. Quando uma série de assassinatos por motivos sexuais começa a ocorrer, o principal suspeito é Espírito Público, o mais popular dos super-heróis. Durante a investigação, muitos podres vão aparecendo, colocando o protagonista numa intrincada trama política.

O que chama a atenção não é a trama em si, mas todo o clima em volta dela. Marshal Law é movido pelo ódio aos heróis, e não percebe que seus próprios atos também trazem consequências nefastas para si mesmo e a sociedade. Seu visual sadomasoquista é dúbio, dando a entender que gosta tanto de bater como de apanhar nas brigas. E todos os outros super seres são movidos por motivos egoístas, gerando muita hipocrisia e cinismo.

Mas se Alan Moore conseguia fazer algo parecido de forma elegante, aqui cada página é um tapa na cara do leitor. E todo o machismo e sexismo dos quadrinhos norte-americanos, bem como dos brucutus tão em voga na época, não é poupado por um momento sequer. Os autores fazem questão de nos lembrar do quanto de político havia por trás dessa postura individualista, e ao final, não resta pedra sobre pedra em relação aos bons sentimentos das pessoas. Se você acha que Garth Ennis não curte super-heróis e gosta de sacaneá-los, ou Mark Millar é muito violento em Kick Ass, vai ver que eles são bonzinhos perto do que Pat Mills faz aqui.

A arte é um destaque à parte, salpicada de referências que ajudam a construir todo o cenário e clima da HQ. É preciso estar sempre atento, pois muitas informações são passadas apenas visualmente. Por todas essas nuances, é uma leitura a ser feita com calma, com o olhar atento a cada quadro. Afinal, “heróis causam muito menos problemas quando estão mortos”.

Essa com certeza é uma história em quadrinhos que merecia ser mais lembrada. Infelizmente, Pat Mills nunca chegou a emplacar no mercado norte-americano, e sua obra muitas vezes não teve a atenção merecida.

Além dessa minissérie, saíram ainda uma série de especiais do personagem, só um deles tendo sido publicado no Brasil (Marshal Law Takes Mannhatan). Todas essas obras saíram numa coletânea publicada pela DC em 2013 nos EUA. Ficaram de fora apenas os crossovers com o Pinhead de Hellraiser, Lobo, Máscara e Savage Dragon. As edições brasileiras ainda podem ser encontradas em sebos. Marshal Law foi publicado no Brasil em 1991 em seis edições pela Editora Abril.