Quando eu comecei a ver animes em um passado já meio distante, lá por 1992, a concepção sobre o que era anime geralmente girava em torno de: desenhos animados japoneses com tendências à ultraviolência, à insanidade e ao conteúdo sexual explícito. A maioria dos programas que muitos de nós assistíamos antigamente e hoje em dia enxergamos como animes, como Transformers, Voltron e Robotech, foram pensados de forma puramente direcionada aos padrões norte-americanos de desenhos animados. Lembrando que, por exemplo, Voltron foi adaptado a partir dos animes Beast King GoLion (na primeira temporada) e Armored Fleet Dairugger XV (a segunda temporada). O próprio Robotech foi criado a partir da adaptação de três séries misturadas: Super Dimensional Fortress Macross, Super Dimensional Cavalry Southern Cross e Genesis Climber Mospeada.
Isso foi antes de 1994, quando Cavaleiros do Zodíaco estreou aqui no Brasil e mudou toda a percepção sobre desenhos japoneses e abriu as portas para os animes com um grande Meteoro de Pégasus. Antes da saga de Seiya e dos Cavaleiros de Bronze, o que se conseguia encontrar de animações japonesas, normalmente dependia do interesse de cada um em garimpar lojas especializadas ou locadoras de vídeo com tendências para o aluguel de vídeos obscuros. Por locadoras, leia-se: época em que alugávamos fitas de VHS para assistir em casa geralmente durante o período de um final de semana.
Nas raras lojas especializadas ou locadoras de vídeo, a seção de animes se resumia à metade de uma pequena prateleira onde a oferta de animes variava de lugar para lugar. Eu encontrei e assisti a muitas coisas fazendo esse garimpo. Foi assim que conheci alguns dos meus animes FAVORITOS VISTOS CENTENAS DE VEZES até hoje: Akira, Ghost in the Shell, Battle Angel Alita, A Espada de Kamui (de 1985 e raríssimo de ser encontrado hoje em dia) e Vampire Hunter D (o de 1985, bem anterior ao Bloodlust de 2000). Estes eram todos animes de conteúdo bastante indicado para maiores de 18 anos, que um garoto de 10/11 anos alugava alegremente quase todos os finais da semana que ia à locadora. E estou considerando apenas os animes. Não vou entrar no mérito ainda dos tokusatsus, como Jaspion, Changeman e Flashman, pelo menos não agora.
Depois de Cavaleiros do Zodíaco, tornou-se um pouco mais fácil sustentar a paixão por animação japonesa. Mas não tão fácil. Comprar uma fita VHS com seu anime favorito continuava sendo uma tarefa de percalços. Cavaleiros do Zodíaco podia ser facilmente encontrado em praticamente QUALQUER lugar. Outros animes, nem tanto. Demorei anos para reencontrar Vampire Hunter D. Até hoje ainda tento encontrar uma cópia/versão que preste de A Espada de Kamui (o filme de anime de 1985 com singelos 132 minutos de duração que pareciam uma eternidade para assistir e ainda assim eu adorava e sempre me emocionava).
Nesse caso, estou falando de fitas VHS de filmes de animes. As fitas de séries eram lançadas geralmente com no máximo dois episódios, para séries que quase sempre tinham mais do que 100 episódios. Imagina procurar, encontrar e comprar mais de 50 fitas para ter a série completa? Muito muito complicado. Isso sem contar o fato de que as fitas VHS eram lançadas em intervalos irregulares, e raramente eram vendidas ou disponibilizadas para aluguel todas juntas no mesmo lugar. Consumir animes antigamente, especialmente antes de Cavaleiros do Zodíaco, era como a tarefa de inverter o fluxo de uma cachoeira na porrada. Com o passar do tempo, e dos anos 1990, descobri alguns truques para tornar a paixão – ou o vício – algo mais acessível. Essa foi a época dos famigerados VCDs, que eram CDs que transmitiam vídeos gravados neles como se fossem DVDs, mas com qualidade de imagem e som mais precária e o empecilho de que, na época, nem todos os aparelhos de DVD suportavam VCD, e os aparelhos de DVD eram MUITO caros e difíceis de ter. O VCD foi meio que um período de transição entre as fitas VHS e o DVD, e o negócio do VCD é que ele tinha espaço para mais episódios do que apenas os dois ou três que um VHS permitia. Os VCDs quase sempre vinham em envelopes brancos, quase como se fosse um código interno entre a galera que vendia, trocava e comprava animes.
Graças à febre por animes que começava a surgir por causa de Cavaleiros do Zodíaco, eventos de animes começaram a surgir aqui e ali, normalmente em escolas e universidades, onde era possível comprar alguns exemplares de bons animes em VCD – ainda em VHS também – por preços camaradas. Essa foi uma época bem anterior a Anime Friends, Anime Family e outros grandes eventos de anime. As coisas eram um pouco mais simples, com um caráter bem mais voltado para o clássico “de fã para fã” que se ouvia muito entre aqueles que davam um jeito de trazer animes de fora para aqueles que consumiam animes por aqui e não tinham a mesma facilidade de acesso. Até hoje me lembro de um evento pequeno que fui em uma escola em Anchieta, Rio de Janeiro, onde comprei um VHS com os dois únicos episódios existentes de RG Veda em japonês com legendas em inglês e um VCD com os sete episódios de 3×3 Eyes, também em japonês com legendas em português e alguns em inglês.
Foi quando eu comecei a gostar MUITO MAIS de ver animes com som original em japonês ao invés de dublados em português. Mesmo Yu Yu Hakusho, que teve uma das melhores dublagens brasileiras (talvez a melhor) dentre todos os animes exibidos no Brasil, eu aprendi a gostar mais da versão em japonês do que a em português – embora às vezes eu sinta falta de escutar um “AH! EU SOU TOGURO! AH! EU SOU TOGURO!” – Isso me lembra de outro momento importante em um destes eventos menores de animes, que aconteceu na UERJ, também no Rio de Janeiro, numa época em que ela oferecia mais oportunidades para eventos deste tipo em seu campus. Durante um encontro de RPG e animes, exibiram em um auditório o filme Yu Yu Hakusho: Meikai Shito Hen – Hono no Kizuna (que chamávamos simplesmente de A Batalha do Meikai), para umas trinta pessoas absurdamente empolgadas por ver o único longa-metragem de Yu Yu Hakusho que, na época, tinha pouquíssimas chances de ser exibido no Brasil de outra forma. Até hoje me lembro com alegria das palmas, gritos e ovações da galera, eu incluso, toda vez que Kuwabara aparecia em cena para algum feito heroico desengonçado digno no melhor estilo Kuwabara de ser. Naquele dia eu saí daquela sala determinado a comprar uma cópia do filme do Yu Yu Hakusho de algum fã que a estivesse vendendo, e consegui algum tempo depois, uma fita VHS com som original em japonês e legendado em português, exatamente como o filme tinha sido exibido na UERJ durante o evento. Dois ou três anos depois, eu já tinha visto Evangelion, Record of Lodoss War, Bastard, Berserk e muitos outros graças às buscas e negociações por fitas VHS e VCDs que rolavam durante estes eventos ou com amigos que compartilhavam dessa minha mesma paixão.
A qualidade do que eu assistia, naturalmente, não era das melhores nessa época. A primeira vez que assisti a Dragon Ball Z foi de uma fita VHS meia-boca, com vários episódios gravados em EP, que na época permitia a gravação de OITO FUCKING HORAS de fita por uma qualidade ruim, e cujas legendas quase não dava para enxergar direito. Demorou um pouco até Dragon Ball Z ser lançado de forma decente aqui no Brasil, e até isto acontecer, o que consegui assistir de Dragon Ball Z antes de passar na televisão, eu assisti na base da guerreirice. O que, neste momento, eu poderia até chamar de guerreirice Z.
Na época que Dragon Ball Z estreou na televisão, aliás, estávamos em outro período de transição no que diz respeito aos animes. De uma hora pra outra, foi ficando mais fácil encontrar e assistir a animes, graças ao mIRC, aos servidores de FTP diretos e ao inesquecível Kazaa. Foi nessa época que o chamado fansubbing realmente estourou e permitiu que os fãs de animes assistissem ao episódio de sua série favorita alguns dias depois, ainda na mesma semana que ele saiu no Japão, antes mesmo de ser licenciado aqui no Ocidente.
Muitos se perguntam por que os animes nunca engrenaram realmente nas redes televisivas depois da fase “Cavaleiros do Zodíaco e Rede Manchete” – que não encontrou outra igual no quesito desenhos japoneses. – A resposta é justamente porque os fãs sempre se mostraram mais ávidos em correr atrás dos animes do que as redes demonstravam interesse em consegui-los e exibi-los. Alguns canais, como o Locomotion, ainda tentaram e obtiveram sucesso durante um tempo, recebendo inclusive o respeito dos fansubbers, que não legendavam nem ofereciam animes disponíveis na televisão, apenas aqueles que não vinham para o Brasil de forma alguma. Mas o Locomotion acabou, seu substituto Animax e os que vieram depois não resistiram a maior das verdades quando se tratava de trazer animes para o Brasil: as emissoras não eram tão ávidas e interessadas quanto os fãs, e ficaram para trás nessa corrida. Enquanto uma emissora comprava um pacote de 52 capítulos de um anime, no Japão a série chegava ao episódio 203, com quase todos os episódios legendados em português nos fansubbers. Assim a cultura “de fã para fã” fazia perdurar a paixão de muitos pelas animações japonesas, que sempre fizeram parte de um nicho meio às margens da cultura pop geral, mesmo nos momentos de grande febre ou hype.
Os fansubbers, que antes ofereciam os animes através de fitas VHS e VCDs e depois DVDs, com o tempo, abandonaram as mídias físicas e se integraram completamente à Internet e às possibilidades que vieram com o advento da banda larga. Hoje em dia também existem várias outras opções, como o Crunchyroll, que é uma comunidade online para transmissão de animes e conteúdos asiáticos – que inclusive possui versão aqui no Brasil –, e outros serviços de streaming como Netflix e Amazon Prime, que têm investido em seu próprio conteúdo de animes, além de possuir algumas boas séries em seu catálogo.
Alguns dizem que os animes estão enfrentando uma crise, e que bons animes já não surgem como antigamente, mas a verdade é que os animes continuam existindo aos montes, das mais variadas formas e tamanhos, e conquistando novos adeptos, cada um à sua maneira. Eu tive a minha experiência para conhecer as animações japonesas e chegar até o momento de despejar algumas delas neste texto. Cada um teve ou tem a sua, e continua, como eu, correndo atrás para assistir às séries que mais gosta (ou ler os mangás de onde elas podem ter vindo). A verdade é que os animes continuam muito fortes, e como eu disse antes, como parte de um nicho meio às margens da cultura pop geral, mesmo nos momentos de grande febre ou hype. Eu gosto deste estilo único e inventivo de contar histórias. Por isso, lembro com carinho das minhas experiências com os desenhos japoneses. Nada seria como é hoje em dia se não fosse por eles.
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