Love Witch

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Love Witch

Love Witch (2016), Anna Biller.

Se há uma tendência cinematográfica que deve ser observada a partir do Novo Milênio é a de que os filmes mais criativos, diferentes e ousados estão sendo realizados por diretoras mulheres. Peguemos o caso da nipo-americana Anna Biller e de seu filme Love Witch. Em seus filmes, ela cuida de todas as etapas mais importantes do processo cinematográfico: faz a direção, cuida do roteiro, edita o filme, desenvolve os figurinos, realiza a direção de arte (que é um show à parte) e ainda trabalha junto ao diretor de fotografia para conseguir reproduzir o estilo de filmagem dos filmes antigos. Com liberdade de criação, principalmente por ser a dona da produtora que leva seu nome, a Anna Biller Productions, Biller faz a opção de usar do elemento fantástico para falar de magia, empoderamento feminino e de política.

Política também porque a diretora é totalmente consciente da importância de se falar sobre feminismo na Era Trump. E para completar o caráter praticamente único e artesanal de seus filmes, os quadros que ornamentam boa parte das cenas são seus, e boa parte das composições musicais da trilha sonora também são suas. Em termos estéticos, Love Witch impressionará àqueles que apreciam os filmes dos anos 1950 e 1960. Como admirador dos filmes destas épocas, era difícil acreditar que se está vendo um filme contemporâneo.

E é muito contemporâneo, especialmente no trato às personagens femininas. Love Witch não é um filme explotation, ou seja, não é um filme que explora a imagem do corpo da mulher como fetiche. Biller faz questão de incluir em sua narrativa a plena consciência de que seus filmes possuem as mulheres como parte de seu público espectador e, para isso, apresenta personagens masculinos misóginos e manipuladores e personagens femininas que são praticamente uma reinvenção da femme fatale. Isso porque Love Witch é uma visão feminina, ousada, maliciosa e empoderada da femme fatale.

Mas, curiosamente, a visão de da bruxa Elaine também apresenta certa crítica à Revolução Sexual, como se fosse impossível para ela abandonar o amor e a convivência masculina. A astúcia da bruxa Elaine está em ao mesmo tempo reconhecer seu poder, o poder do amor, e, ainda assim, usar de artifícios para conviver com homens que se desmontariam ao reconhecer nela uma mulher forte. Há uma valorização da magia da sensualidade e da sexualidade, o que ofende a pequena cidade para a qual ela se muda. Uma cidade totalmente reprimida, com seus maridos que anseiam por uma traição e por mulheres que sublimam seu impulso homossexual. Aliás, interessantíssimo como a diretora Anna Biller consegue reproduzir também, no roteiro, certo subtexto na relação da vizinha com a bruxa, algo muito próximo dos recursos usados por filmes dos anos 1950 ou 1960.

No início de Love Witch, a personagem Elaine, a bruxa vivida pela atriz Samantha Robinson, está em busca de uma nova vida, retirando-se da cidade grande e indo em direção ao interior depois de ser deixada por uma paixão. Elaine tem um histórico de abusos masculinos e, digamos, que a forma de retribuir ou de se preservar diante desses abusos não é das mais convencionais, dando-lhe a fama de femme fatale. Curioso como a cidade pequena enxerga as bruxas como uma categoria própria. Quando um homem do povo grita para que elas “voltem para casa”, encontra ressonância com qualquer outro tipo de preconceito.

Parte de rituais satânicos, ervas medicinais, poções mágicas, festas medievais remetendo a cartas de tarot, símbolos espalhados em cenários ou algumas referências à Wicca, à Thelema, é apresentada constantemente no filme ao lado de fantasias femininas de encontrar o amor romântico ideal. São elementos importantes e bem trabalhados pela diretora porque é justamente através da magia que Elaine se reencontra. Uma das poções mágicas utiliza-se dos fluídos corporais da bruxa, o que permite também que a narração em off da personagem demonstre como o homem habitualmente está pouco familiarizado com o corpo feminino. Boa parte dos gestos de Elaine nesses momentos são ritualísticos, encontrando ressonância e sentido em sua própria vontade de ser uma mulher amada e independente e não encontrando nenhum conflito nisso. Seu grande conflito é não conseguir encontrar um homem que reconheça isso e a trate à altura.

Anna Biller realiza um filme maravilhoso e forte, assim como as mulheres retratadas em suas obras. A opção por ser uma produtora e cineasta independente é que lhe possibilita que seu filme seja realizado em suas normas. Apenas lamenta-se que isso também faz com que suas produções não sejam vistas pelo grande público que, sem dúvida, poderia aproveitar bastante dessa bela obra. Especialmente em tempos de tamanha violência contra as mulheres.