O ritual de banimento que eu uso atualmente é o mais simples possível. Abro o chuveiro, sento-me sob o jato d’água e me limito a sentir a água escorrer sobre meu corpo durante alguns minutos. Apesar de sua simplicidade, satisfaz todos os requisitos que um banimento supostamente deve preencher para ser eficaz. É um instante colocado entre parênteses, que demarca uma linha nítida entre dois intervalos de tempo. Permite à consciência se desligar das atividades quotidianas, quando executado como preparação para uma meditação ou ritual, ou, pelo contrário, voltar à realidade consensual depois dessas práticas. É, em si mesmo, uma pequena meditação, que serve para centrar a consciência. E, além disso, tanto quanto o clássico Ritual Menor de Banimento do Pentagrama da Golden Dawn, mas sem ter que apelar para as dezenas de fórmulas e visualizações deste último, mobiliza os quatro elementos, que correspondem às energias elementais da psique: a água que sai do chuveiro, a eletricidade que aquece a água (fogo), o chão sobre o qual meu corpo se assenta (terra) e o vapor que a água produz (ar).
Quando se fala de magia, especialmente de magia ritual, pensa-se logo em cerimônias complexas, com uma parafernália de instrumentos e atavios, robes especiais para o mago, à maneira dos rituais popularizados pela Golden Dawn no século XIX. A verdade, porém, é que todo esse aparato não acrescenta nada à eficácia do rito, exceto a esperança de impressionar a imaginação com tanta pompa e circunstância, ou de que a vontade seja mobilizada pelos trabalhosos preparativos e a complicada execução do ritual.
Essa esperança tem sido uma das premissas básicas da magia ritual há mais de cem anos, mas, se pararmos para pensar, veremos que ela é bastante discutível. É mais provável que tamanha complexidade sirva apenas para distrair a consciência, fazendo com que ela perca o foco e acabe se enredando em um labirinto de formalismo vazio. Como o bom e velho JC costumava dizer – não exatamente com essas palavras – o ritual foi feito para o homem, e não o homem para o ritual.
Mais eficaz do que planejar um desfile de escola de samba, com direito a carro alegórico, passista e mestre-sala, pode ser descobrir o significado simbólico potencialmente contido em atividades prosaicas, até mesmo rotineiras, e então investir essas atividades com uma consciência ritual – como transformar um simples banho em um banimento, por exemplo.
Não devemos perder de vista que as forças cósmicas que a magia pretende conjurar não são um bando de divindades sisudas sentadas em um camarote para julgar nossa performance na avenida. Nós contatamos essas forças por meio de nossa própria psique, e isto não requer exotismos ou contorções estrambóticas. Requer concentração, e qualquer manual mequetrefe de meditação está pronto a ensinar que a concentração é facilitada pela simplicidade. Uma postura mais zen pode fazer maravilhas para a prática da magia.
O grande arcano mágico sempre foi a imaginação, capaz de canalizar a energia por meio de símbolos e imagens. Mas não há necessidade de impressionar a imaginação com cerimônias vistosas para que ela perceba o simbolismo implícito em uma situação. Somos, por natureza, animais simbólicos, o que significa que, para nossa psique, tudo é símbolo. Do momento em que levantamos da cama até o instante em que nos deitamos, não há gesto, palavra ou ação que não tenham uma ressonância simbólica. E durante a noite, nossos sonhos nos bombardeiam com símbolos, boa parte dos quais o inconsciente colhe, como se fossem ready-mades, da própria realidade quotidiana – é o que titio Freud chamava de restos diurnos.
O estudo dos sonhos é, aliás, um auxiliar inestimável para quem se dedica à prática da magia, e talvez um bom tema para uma futura coluna. Prestando atenção nas imagens que aparecem em nossos sonhos, podemos determinar com precisão que tipos de objetos, pessoas, animais, plantas ou circunstâncias operam como um sistema pessoal de simbolismo, que pode ser empregado na construção de rituais ao mesmo tempo simples e eficientes, os quais podem ser colocados em prática sem que se precise memorizar a tabela dos 360 gênios zodiacais ou coisa que o valha.
Eu disse que somos animais simbólicos mas, mais do que isso, somos animais rituais. O comportamento ritualizado origina-se da camada mais primitiva do cérebro, o complexo reptiliano. Quando atua de modo inconsciente, essa tendência inata nos aprisiona em rotinas mecânicas e atitudes compulsivas, para as quais os hábitos automatizados do homem comum são a moeda corrente e os transtornos da neurose obsessiva constituem o caso extremo. Trazidos para o campo da consciência, no entanto, esses mesmos impulsos perdem seu caráter compulsivo e tornam-se instrumentos para que possamos perceber – e utilizar – a vasta rede de conexões simbólicas entre os eventos que Jung batizou de “sincronicidade” e à qual André Breton, o pai do surrealismo, referia-se como magia quotidiana.
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