Essa semana estava trabalhando em um roteiro com um grande amigo, querendo saber como um personagem reagiria depois de levar uns tabefes de outro. Na empolgação, me levantei, pronto para pedir a ele que me desse um tapa. Antes que dissesse qualquer coisa, ele se assustou, achando que eu é que ia dar um tapa nele. Começamos a discutir e antes que o ímpeto passasse, fui lá e dei com a mão na cara dele. A situação terminou comigo caído no chão, sem fôlego de tanto rir, enquanto ele permanecia sentado, igualmente carregado de risos.
Não pode bater no coleguinha, eu tô ligado. Mas aí, como é que a gente faz quando tem uma amizade assim? Óbvio que não dispenso esse tipo de tratamento a todo amigo ou parceiro intelectual. Bem, se dependesse de mim… Mas isso é outra história.
O lance aqui é que as amizades, como o amor, existem em diferentes graus. Algumas vezes duram anos, outras não conseguem ultrapassar umas poucas horas. No caso de boa parte das amizades com que rompi nos últimos tempos, não conseguiram ultrapassar as eleições.
Como boa parte de vocês, os últimos tempos fizeram com que me afastasse de muitas pessoas. Sei que boa parte dessas relações cortadas não vão voltar, outras eu não tenho certeza de que gostaria de ter de volta. De que nos adianta nos esfalfarmos com pessoas que são tóxicas? Algumas vezes, querendo ajudar, nos contaminamos com essa toxicidade. Outras, realmente conseguimos ajudar.
Há ainda aqueles que não conseguem perceber o quão nocivos para a sociedade eles são, mas os amigos insistem em passar pano – quantas vezes você ouviu algo como “fulano bateu na esposa, mas ela também não deixa ele em paz”? Bem, algumas desculpas não colam mais, não é? Os amigos abusadores não podem continuar sendo amigos. O “perdão” que você dá a um abusador é um vale para que ele repita toda a lógica de violência (física ou mental), afinal, ele sempre poderá contar com os amigos no final. Não, não, esse tipo de amizade só pode funcionar se o perpetrador da violência perceber os seus erros e se esforçar genuinamente para mudar.
Bem, isto aqui não é um guia, eu definitivamente não ouso escrever um manual de instruções para amizades sobreviverem no século XXI. Alias, também não é a minha intenção falar sobre política, mas como diabos você pode querer manter algum tipo de relação com aquele cara que só posta mensagens de ódio contra minorias, mas adora pregar que é um defensor da tradição, família e propriedade? TFP dele, claro. Porque a tradição, a família e a propriedade dos outros não passam de frescura.
Por outro lado, se cada vez mais tem sido comum nós nos desesperarmos e rompermos com amizades de longa data, a internet também tem propiciado que pessoas com gostos em comum cada vez mais se reúnam. Óbvio que tem muito maluco no meio (eu sou o quê, afinal?), mas isso também vem possibilitando que muita gente encontre a sua própria tribo, não é?
É claro, se a sua tribo demanda que você seja um escroque molestador, a conta tá bem errada, cumpadi. Descubra aqueles que te valorizam, que te escutem, que te deem uma tapona atrás da cabeça quando você age como um escroto porque querem que você seja uma pessoa melhor. Amizade não é só quando aceitam o imbecil que você é, o nome disso é clubismo. A verdadeira amizade quer te transformar numa pessoa melhor. E não quer que você passe por cima de ninguém para isso.
Algumas amizades são forjadas em meio ao calor da batalha, como John McClane e Zeus, em Duro de Matar: A Vingança, outras são formadas porque as duas pessoas curtem um funeral, como Harold e Maude, em Ensina-me a Viver. Tem até aqueles quem ficam amigos porque são imortais e descobrem que gostam de cortar cabeças juntos, como Macleod e Ramirez em Highlander – essas amizades são as melhores, um dos caras sempre vai ressuscitar no meio de uma apresentação de Hamlet só pra salvar a sua vida enquanto tira a capinha de celular que você colocou na Terra pro Sol não torrar tudo. E tem amizades como a minha, que não consegue passar uma semana sem falar de Highlander 2, aquele filmaço.
Tá bom, eu sei que vocês esperavam algo melhor. Mas não existe uma resposta, existe? Em se tratando de amizades, eu diria que sequer existe uma pergunta. Nós aprendemos a lidar com as pessoas, nós aprendemos como elas são variadas e como, algumas vezes, uma ou outra palavra pode nos ferir (mas também percebemos como um xingamento de um amigo mais vai nos fazer rir do que nos ofender). Talvez seja questão de moderarmos o nosso discurso, aceitarmos as dificuldades de um e de outro, exercitarmos o perdão.
Sim, com certeza. Mas não pode dar murro em ponta de faca, tá ouvindo?
Esse foi um bom conselho? Eu sou péssimo em dar conselhos e todos os meus amigos sempre ficam felizes de fazer exatamente o oposto do que lhes sugeri. Acho até que alguns deles escaparam da cadeia por causa disso.
Então, é isso. Não vá terminar de ler isso e dar um tapa no amigo, tá bom? Só se os dois forem rir disso. Aí, tá liberada a pancadaria.
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