A Favorita (2018), Yorgos Lanthimos.
A Favorita é muitas coisas, e talvez por isso não seja um filme dos mais fáceis de decifrar. O grego Yorgos Lanthimos é um diretor peculiar, com tato para o bizarro e um divertido senso de grosseria disfarçado de elegância. Conhecendo seus trabalhos anteriores, O Lagosta e O Sacrifício do Cervo Sagrado, você consegue entender razoavelmente as nuances de A Favorita e aonde Lanthimos pretende chegar com sua história. É mistério psicológico, drama histórico, suspense político, comédia de erros, tudo junto. E há um divertimento quase juvenil em tratar de todos estes elementos e estilos em um detalhado estudo de personagens.
O foco é direcionado para as três peças principais do jogo sendo jogado: a Rainha Anne da Grã-Bretanha; Sarah Churchill, a Duquesa de Marlborough, de quem, curiosidade, Winston Churchill é descendente; e a criada Abigail Hill, mais tarde a Baronesa Masham. São três personagens em uma trama que aproveita fatos históricos reais, mas toma suas próprias liberdades narrativas. Eu dei uma pesquisada. Há inconsistências históricas, sim, mas honestamente, elas são irrelevantes para o enredo. A Favorita se vale do conflito emocional das performances de Olivia Colman, Rachel Weisz e Emma Stone.
Em 1708, a Grã-Bretanha está em guerra com a França. A Rainha Anne comanda o reino, mas tem saúde frágil. O governo é, em grande parte, exercido por sua conselheira e confidente, a Duquesa de Marlborough. A influência de Sarah sobre a rainha faz com que seja constantemente assediada por membros do governo e da oposição, que tentam: de um lado, prosseguir com a guerra aumentando os custos para a nação; de outro, encerrar com a guerra mesmo enfraquecendo o poder da Inglaterra perante outros reinos. As disputas na Corte sofrem uma reviravolta com a chegada de Abigail, que logo se torna a favorita da rainha, fazendo com que a influência de Sarah diminua dramaticamente.
Colman domina a cena, é barulhenta e frágil, às vezes iluminada, às vezes implacável, grita do nada com os lacaios, inventa brincadeiras estranhas, sofre pelas tragédias de dores e da vida, e demonstra graça mesmo quando ~maquiada como um texugo. Stone é o elo mais fraco do trio em termos de performance, talvez pelas fraquezas de personalidade de sua personagem. Weisz, pra mim, é quem manda. Ela começa dúbia, indiferente, não nos deixa saber facilmente quem é a Duquesa de Marlborough; então vai se construindo aos poucos e torna-se arrasadora. Seu papel é o menos agradável, mas ela o defende com unhas e dentes (e cicatrizes). Se Colman é o coração de A Favorita, Weisz é o sangue que faz o filme pulsar! É admirável. E porra, eu gosto MUITO da Rachel Weisz!
Dividida em oito capítulos, a narrativa tem ares de literatura, apesar de ser um roteiro original. Enquanto obra cinematográfica, Lanthimos usa lentes olho de peixe, câmera lenta, sobreposições, tomadas chicote que embaralham rapidamente as imagens, entre outras coisas que fazem aumentar a profundidade do sentimento de desespero e solidão. A trilha sonora é sofrimento puro, arranhões, mastigação, estímulos constantes ao clima de suspense; torna horripilantes mesmo as cenas cômicas. Os personagens vomitam, sangram, caem na lama, fazem sexo, são arrastados por cavalos, atingidos nus por frutas: há muito apelo físico. E há os animais, muito simbolismo usando animais, algo que Lanthimos adora. A Favorita não induz o mesmo horror se comparado a O Lagosta ou O Sacrifício do Cervo Sagrado, mas a melancolia criativa e a crueldade teatral são igualmente marcantes.
Emma Stone abre o filme suja de merda. O baile é uma dança lenta de passos bizarros. A Rainha Anne ama seus coelhos como se fossem seus filhos mortos. Por isso que lá no começo do texto eu disse: conhecer a estranheza de Lanthimos ajuda a absorver o surreal da história. E o clímax é o tapa final na cara da sociedade! Especialmente quando os créditos sobem ao som de “Skyline Pigeon” do Elton John. É uma música sobre o desejo de alguém por ser libertado de um casamento infeliz, ansiando por sair e voar como um pombo em busca de novos sonhos e desafios. Quando o filme terminar, você saberá quem é o alguém (que perdeu o jogo) e quem é o pombo (que venceu). O mais cruel (e expressivo) é que a vencedora, apesar de tudo, tenta avisar à perdedora sobre a derrota iminente: “Você acha que venceu?”, ela pergunta, antes de ir embora e deixar a perdedora ser jogada aos coelhos. Porque os lobos, aqui, são o menor dos problemas.
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