Carrie, a Estranha

Carrie, a Estranha

Carrie, a Estranha

Carrie, a Estranha (1974), Stephen King.

Ouça sobre o livro: podcast

Um livro maravilhoso do Stephen King, que é amplamente conhecido como seu primeiro romance. Na verdade, é um livro cercado de histórias, muitas envolvendo justamente o processo criativo do Stephen King. O fato é que esse foi um livro cujo rascunho ele jogou fora e o livro acabou só sendo publicado porque a esposa dele, Tabitha, pegou o livro no lixo e o convenceu a correr atrás da publicação. Carrie foi um dos primeiros rascunhos que ele escreveu e acabou sendo seu primeiro romance, mas não foi exatamente o primeiro livro que ele tentou publicar. King recebeu algumas recusas anteriormente e, no fim das contas, foi com Carrie que ele conseguiu chegar à sua primeira publicação.

Na verdade, ajuda bastante o fato de que Carrie foi publicado numa época em que as histórias de horror paranormal estavam muito em evidência, tanto pelos filmes que na época faziam sucesso no cinema, como Exorcista e Bebê de Rosemary, mas também na televisão com séries como Kolchak e os Demônios da Noite, que abordava as histórias de um repórter investigando casos sobrenaturais ~cabe inclusive mencionar que Scooby-Doo também é dessa época. Foi uma época muito propícia para o sucesso de histórias envolvendo o paranormal. Carrie e o próprio Stephen King estão entre os grandes responsáveis por isso.

A história em si é sobre a adolescente Carrie White, uma estudante do ensino médio que, além de ter que lidar com todos os questionamentos e angústias da adolescência, se descobre com poderes telecinéticos ultrapoderosos que vão se desenvolvendo à medida que o romance avança e à medida que ela precisa enfrentar situações extremamente cruéis, tanto por causa do bullying que sofre constantemente na escola, como por causa de sua mãe fervorosamente religiosa e controladora. A história vai sendo contada a partir de uma narrativa em terceira pessoa, de uma maneira um tanto quanto inusitada. Além de contar a perspectiva da Carrie, vai apresentando também o ponto de vista de outros personagens, às vezes através de monólogos internos, às vezes através de trechos de outras mídias, como reportagens de jornais, transcrições de entrevistas, relatórios policiais ou biografias dos personagens envolvidos na história toda.

Carrie, a Estranha

Carrie, a Estranha

Uma coisa interessante também é que o King usa muito monólogos internos e pensamentos dos personagens para desenvolver e aprofundar um pouco mais o que eles estão sentindo. E a maneira como ele usa isso é uma coisa que eu sempre gostei muito, através do uso de parênteses. Ele simplesmente quebra o texto com parênteses para expressar os pensamentos dos personagens, muitas vezes usando itálico também. É uma forma de escrever que eu gosto muito e sempre foi muito marcante no estilo dele, sendo algo que ele usava bastante em seus livros antigos, especialmente nos primeiros livros. O Iluminado também tem muito desse recurso narrativo. É uma coisa que ele já não usa tanto hoje em dia, mas em Carrie ajuda bastante a compor justamente os questionamentos da personagem principal e dos outros personagens à medida que a história vai se desenvolvendo, justamente para mostrar até que ponto que a história quer chegar.

O lance de Carrie é justamente o fato de que você não vê aonde a história vai chegar. Quando a coisa toda desanda, são muitas mortes acontecendo, e considerando a maneira como a história é contada, o tom e o desenvolvimento, você não imagina que vai tudo culminar naqueles acontecimentos da forma como eles acontecem. Especialmente, quando se trata da cena do baile, que é uma cena clássica e icônica, que se tornou ainda mais clássica e icônica com o filme do Brian De Palma, que saiu um tempo depois, com a Sissy Spacek interpretando a Carrie. É um filmão e eu recomendo fortemente também.

Uma coisa que sempre me marcou muito em relação a Carrie é que o livro que eu li conta com uma introdução do próprio Stephen King contando a história sobre seu processo criativo e como que se deu grande parte da concepção da história. O King fala sobre duas garotas que ele conheceu no ensino médio, as quais ele não atribui nomes, porém ele chama de uma maneira fictícia de Tina e Sandra, que teriam ajudado ele a compor mais ou menos a ideia de quem é a Carrie e de como a história dela se desenrola, justamente porque eram garotas vistas como estranhas, que sofriam bullying ou que viviam em uma casa com uma família muito religiosa. Ele conta que ficou muito marcado porque nenhuma dessas garotas chegou aos 30 anos de idade. Uma delas se suicidou, ainda nova, e a outra acabou morrendo devido a complicações de ataques epiléticos que ela sofria. Em ambos os casos, King fala que eram garotas com quem ele não teve tanto contato, mas que ele via o sofrimento delas no ensino médio com outros adolescentes, o bullying que elas sofriam por parecerem estranhas, e que ele via esses trotes, mas não participava e não se envolvia. Porém, ele também não se manifestava contra, porque era só um garoto de 14 anos. Como ele mesmo diz nessa introdução do livro, é difícil levantar bandeiras contra alguma coisa nessa idade.

Esse relato dele me marcou bastante porque, conhecendo as circunstâncias que inspiraram a concepção da Carrie enquanto personagem, você consegue entender ainda mais a personagem, sua história, tudo que acontece com ela e como tudo se desenrola no fim das contas. Na verdade, essa percepção do autor é bastante relevante justamente porque fala muito sobre o universo adolescente, não só o universo dos adolescentes daquela época, dos anos 70, quando o livro foi publicado, mas sobre algo que ainda é muito constante hoje em dia, com esse universo de trotes, bullying, questionamentos e autodescoberta que faz muito parte da adolescência. O livro aborda isso muito bem, inserindo um elemento paranormal que contribui bastante com a história como um todo. E o impacto é tremendo.

Carrie é um livro que eu gosto muito porque é impactante e emocionante. E é por isso que eu sempre recomendo a leitura, tanto do Carrie quanto das obras do Stephen King, porque ele é um dos meus escritores favoritos e essa é uma de suas grandes histórias, sem dúvida. É uma história fantástica sobre uma jovem garota com poderes telecinéticos.