A indústria cinematográfica e as distribuidoras, desde sempre, tentam criar novas formas de transformar a experiência de ir ao cinema em algo único. Isto se intensificou ainda mais com a concorrência direta com o home-video e, atualmente, com as pululantes plataformas de streaming. Dia desses, passei por uma banca de jornal com um enorme anúncio na parte de trás divulgando um festival de cinema ao ar livre na cidade que acontece todo ano como se fosse uma destas “grandes experiências únicas” de se ver filme. Entretanto, assistir a um filme a céu aberto não chega a ser algo tão inovador assim, principalmente, para quem vive no Rio de Janeiro, ao menos até o início da década de 2000, pois a Cidade Maravilhosa chegou a ter disponíveis como opções de lazer três cinemas drive-ins em bairros distintos e é deles que falarei hoje.
As primeiras experiências com exibição de filmes ao ar livre ocorreram nos Estados Unidos na década de 1910, porém, o formato de cinema drive-in como conhecemos foi patenteado em 1933 por Richard M. Hollingshead e consiste numa área com uma grande tela instalada onde o público ia com seus carros e os estaciona um ao lado do outro de frente para esta tela, assim, poderiam assistir ao filme dentro do conforto de seu veículo sem se preocupar com o incômodo causado por outras pessoas da sala, como por exemplo, a incômoda luz do celular que as pessoas insistem em usar durante as sessões (mesmo com os inúmeros avisos proibindo seu uso durante a exibição). O drive-in de Hollingshead possuía alto-falantes instalados nas próprias torres que serviam de suporte para as telas, o que causava problemas de delay entre o som e a imagem do filme, principalmente, para as fileiras mais distantes da tela. Com o passar dos anos, esta questão foi superada com duas soluções: com fileiras de postes com pequenos alto-falantes para serem pendurados na janela do carro, além da transmissão do áudio do filme a curta distância que pode ser sintonizada no próprio FM do rádio do veículo do espectador. Os cinemas drive-ins também contavam com lanchonetes cujo garçom poderia ser chamado ao simples piscar dos faróis do carro.
O primeiro cinema drive-in do Rio de Janeiro foi o Cine Lagoa Drive-In na Avenida Borges de Medeiros. Inaugurado em 1966, tinha duas sessões por dia durante a semana e, aos sábados e domingos, tinha uma sessão matinê iniciando às 18h30 chamada Sessão Coca-Cola. O cinema encerrou suas atividades em 1993 e, durante muitos anos, foi literalmente “vizinho” de outra grande atração carioca: o famoso Tivoli Park. O terreno onde funcionava o Cine Lagoa Drive-In, logo após seu fechamento, cedeu espaço à Academia Estação do Corpo que, por sua vez, foi fechada em 2017 por conta de irregularidades no contrato com a Prefeitura do Rio de cessão do uso do terreno. Hoje, a área onde funcionava o Cine Lagoa Drive-In abriga a Superintendência Militar de Operações Aéreas e o Parque das Figueiras. Curiosamente, logo ao lado, funciona hoje um dos complexos de cinemas existentes na cidade.
Além do Cine Lagoa, a cidade teve o Jacarepaguá Auto Cine, localizado no bairro que dá nome a este cinema drive-in. O grande diferencial deste auto cine inaugurado em 1979 era ser um complexo com duas telas, cada uma exibindo um filme diferente. Ele também possuía serviços de lanchonete e a matinê Sessão Coca-Cola. Em 1984, uma das telas foi desativada para dar lugar ao Ciep Adelino de Palma Carlos até que em dezembro de 1993, por conta da diminuição do interesse do público e do aumento da violência na cidade, o Jacarepaguá Auto Cine fechou suas portas. O cinema ficava localizado na Rua Cândido Benício, na Praça Seca, na área onde hoje funciona o Ciep supracitado e a Vila Olímpica Professor Manoel José Gomes Tubino.
De todos os cinemas drive-in do Rio, o que mais resistiu ao tempo foi o Ilha Auto Cine. O empreendimento era dos mesmos donos do Jacarepaguá Auto Cine e iniciou suas atividades em 1975. Tinha um pátio que abrigava quatrocentos carros e, em diversos filmes, chegou a ter lotação com fila de carros na porta como foi o caso das sessões de Tubarão, de 1975, e Kramer versus Kramer, de 1979. Por incrível que pareça, o Ilha Auto Cine resistiu bravamente à “concorrência tecnológica” da experiência de ir ao cinema até 2007, quando teve que encerrar suas atividades por não chegar a um acordo sobre o aluguel do terreno onde funcionava, que era da Aeronáutica. O cinema estava com uma queda constante no movimento também por conta do aumento da violência na cidade, assim como, pelo movimento dos quiosques localizados na rua que servia como único acesso ao empreendimento. O excesso de pessoas nestes quiosques acabava por ocupar boa parte da rua fazendo com que os espectadores tivessem doses extras de paciência para poder passar com o carro e chegar ao cinema. O Ilha Auto Cine funcionava no final da Praia de São Bento, no bairro do Galeão, na Ilha do Governador, num terreno que ficava entre a área residencial dos oficiais da Aeronáutica e o Clube dos Sargentos da Aeronáutica. Hoje, o local onde funcionava o drive-in teve seus acessos fechados com muros para evitar a invasão do terreno, mas encontra-se exatamente como era desde que o cinema foi fechado, exceto que sem a tela, os postes, a cabine de projeção e a construção onde ficavam a lanchonete, os banheiros e o escritório da administração.
O Ilha Auto Cine, sem dúvida, foi o mais icônico dos cinemas drive-ins cariocas, não só por representar uma opção de lazer num bairro que era carente disto, como a placa onde eram anunciados os filmes em cartaz localizada em frente ao restaurante Siri do Galeão, bem na saída da Estrada do Galeão que dava acesso à Praia de São Bento, durante todo o funcionamento do empreendimento serviu como uma espécie de cartão de visitas para quem chegava à Ilha do Governador. O encerramento de suas atividades marcou o fim de uma era no entretenimento carioca ou um novo começo dependendo do ponto de vista. Mas, uma coisa é certa, deixou saudade para muita gente e talvez tenha sido o grande responsável por despertar a paixão por cinema na vida de muitas pessoas. Inclusive, na deste que vos escreve. E é, com grande emoção, que deixo aqui meu muito obrigado ao Ilha Auto Cine, em especial, por todas as aventuras e histórias que apresentou em suas telas por todos esses anos e que, de certa forma, arrisco dizer que ajudaram a formar meu caráter. “Ah, mas ainda tem aquele drive-in na subida da Auto Estrada Grajaú-Jacarepaguá”, alguns podem dizer. Sim, tem, mas aquele não é bem um drive-in que passa filmes, se é que me entendem.
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