Sempre gostei de ir ao cinema. Aquelas duas horinhas em que nos desligamos completamente da vida real para imergir num mundo fantástico que nos desperta diversos sentimentos à medida que a história vai avançando são quase que sagradas. Me lembro de uma vez que fui ao cinema assistir Diamantes de Sangue (Blood Diamond, 2006) e, assim que as luzes se apagaram, toca o celular de um sujeito que atende imediatamente e começa a conversar com o interlocutor do outro lado da linha. O mais espantoso foi o camarada dizer que estava dentro do cinema e prosseguir com a conversa. Alguns segundos depois, praticamente o cinema inteiro começou a repreender o cidadão para que fizesse silêncio e desligasse o telefone. Sem graça, o infeliz encerrou a conversa, guardou o celular e se recolheu em sua insignificância.
Entretanto, a massificação dos smartphones está fazendo com que as pessoas, de um modo geral, cultivem mais o péssimo hábito do cidadão repreendido e menos a postura das pessoas que o repreenderam. Em, praticamente, todas as sessões de cinema que vou (exceto as pré-estreias do Nível Épico, obviamente, pois nossos espectadores são super educados) sempre tem uma pessoa que saca o celular do bolso e começa a mexer nele promovendo aquele clarão no meio da plateia super incômodo. Aliás, não sei se é ingenuidade ou falta de noção a pessoa achar que colocar o brilho do celular no mínimo irá amenizar a situação. Já digo de antemão que não, não ameniza em nada. Tem também a turma que entra no cinema depois que o filme começa e tem a brilhante ideia de ligar a lanterna do celular para conseguir ler a numeração das poltronas em prol de encontrar seu lugar previamente marcado. Neste caso, até releva-se, pois considero mais falta de planejamento das salas que não encontraram uma solução menos incômoda a quem já entrou no cinema ou sequer consideraram tal hipótese. Independente disso, o incômodo permanece.
Para agravar a situação, muitas pessoas, não satisfeitas em sacar o celular no meio da sessão, agora cultivam o hábito de tirar selfies e, pasmem, até fotos da tela durante a exibição do filme para publicar em suas mídias sociais (que fique claro, mais uma vez, que além disso ser crime, em todas as nossas prés tomamos medidas e avisamos nossos contemplados para que não façam esse tipo de coisa). Aí, quando paro para refletir, vejo que o caso é bem mais grave e profundo do que parece, pois temos duas vertentes aí: a primeira é que todo o senso das pessoas de convívio social, de que convivemos em sociedade, de que “a nossa liberdade termina quando a do outro começa” está dando lugar para um individualismo exacerbado. As pessoas, a cada dia que passa, estão mais preocupadas com os próprios umbigos e vivendo a filosofia do “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Querem um exemplo disso? Basta estar ao volante nas ruas da cidade diariamente. Toda hora tem sempre alguém querendo te fechar ou alguém forçando uma ultrapassagem só para ter o prazer de ficar na sua frente. Usar a seta? Nem pensar. As pessoas ao seu redor que lhe deem passagem na hora que você quer e tenham um bom dia. Esse individualismo preocupante se estende para a segunda vertente: a necessidade das pessoas em mostrar que suas vidas são incríveis e no quanto se assemelham a um eterno comercial de margarina.
Há o fato de as pessoas viajarem ao redor do mundo, não só para as utilizarem como válvula de escape de uma vida de rotinas como também usá-las como desculpa para postarem fotos bonitas cheias de filtros e sorrisos na internet. Aliás, foi justamente este tipo de cenário que inspirou a polêmica versão do jogo Monopólio lançada no segundo semestre de 2018 chamada Monopoly for Millenials, onde ganha quem acumulou mais experiências de vida, como comer em um restaurante vegano, tomar um café artesanal, ir a um karaokê, por exemplo, e não quem acumulou mais patrimônio.
As pessoas, cada vez mais, estão preocupadas em mostrar para os outros o quanto são felizes do que viverem a vida e serem felizes de fato. No fim das contas, acabam se tornando pessoas ansiosas, infelizes e insatisfeitas e deixam de aproveitar os grandes momentos da vida porque estão preocupadas demais em ganhar likes. E esse quadro pode gerar problemas de saúde bem sérios como insônia, pressão alta e por aí vai. Confesso a vocês que, durante um tempo, dormia muito mal justamente porque toda hora acordava para consultar se tinham publicações novas nas minhas redes sociais. A situação só começou a ser revertida quando passei a cultivar o hábito de deixar o celular de lado e procurar aproveitar cada momento da minha vida sem sacá-lo a todo momento aliando a uma prática regular de exercícios físicos. Não foi uma tarefa fácil e não estou 100% “curado”, mas a diferença é bastante significativa.
Portanto, é importante que passemos a cultivar hábitos incluindo cada vez menos o celular neles. A internet e as redes sociais são ferramentas maravilhosas se soubermos usá-las com sabedoria e numa dosagem suficiente que não comprometa nossa vida real. Puxar o freio de mão da ansiedade que nos faz sacar o celular do bolso a cada segundo é uma experiência quase que libertadora. E, claro, como a própria Gisela conclui em seu texto, aprenda a admirar as fotos dos seus amigos nas redes sociais sem se sentir diminuto por elas. Ao contrário, aprenda a curti-las e comentá-las se dando o direito de viver sua vida do jeito que ela é sem que isso lhe traga qualquer sentimento de culpa. E vamos passar a respeitar mais o aviso para desligar o celular que é dado em todo início de sessão de cinema.
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