“A confissão limpa a alma do pecador, mas não ajuda a vítima.” Essa é a frase mais marcante do filme Dois Papas, produção da Netflix dirigida por Fernando Meirelles que ganhou três indicações ao Oscar 2020. Nele, vemos os diálogos entre o Papa Bento XVI (Anthony Hopkins), que pensava em renunciar, e o cardeal Jorge Bergoglio (Jonathan Pryce e, na juventude, Juan Minujin) que viria a sucedê-lo no trono de Pedro como Francisco. E é pela faceta humana dos dois personagens que entendemos como os erros do passado podem pesar na vida de qualquer um de nós.
Em meio aos diálogos, o filme vai mostrando flashbacks da vida de Bergoglio, desde antes de entrar para o sacerdócio até os momentos mais difíceis de sua carreira. O momento mais impactante, sem dúvida, é o de sua relação com a ditadura militar argentina (1976-1983). Ele sofreu muitas críticas por ter mantido diálogo com a cúpula do regime, e uma decisão em especial que tomou se mostrou desastrosa para sua vida e de alguns companheiros de batina.
Como diz Bento XVI no filme, “as ditaduras roubam o livre arbítrio. Ou revelam nossas fraquezas”. Em situações dramáticas, como podemos agir diante de força maiores do que as nossas? Tentar resolver o problema pela raiz, com uma solução que só pode ser obtida a longo prazo, ou tentar diminuir os danos no presente, salvando as vidas que podem, no momento, serem salvas?
Não é uma resposta fácil, principalmente porque a solução não pode ser apenas individual. Na mesma época, no Brasil, jovens pegavam em armas contra o regime, enquanto outros tentavam resolver as coisas por meio da legalidade, mas a força do regime é o que sempre se impunha. A própria Lei de Anistia foi uma imposição, não foi negociada. Em nome de uma pretensa conciliação, se assegurou a impunidade de todos os que cometeram crimes bárbaros em nome do governo.
Bergoglio conseguiu se conciliar consigo mesmo e abraçar a causa dos pobres. Lembrou que Jesus esteve ao lado dos torturados. Foi preso político. Jesus não estava ao lado dos donos do poder tentando obter ganhos pessoais, mas tentava subverter à ordem dentro de um território ocupado por uma força militar estrangeira.
Ao se confessar, Bergoglio obtém o seu perdão. Assim como a própria Argentina se confessou, passou a limpo seu passado, e puniu os criminosos do regime de exceção. Já no Brasil, a Anistia serviu como um cala boca, e nunca, como sociedade, tivemos a coragem de encarar o passado, jogando para debaixo do tapete os problemas com a esperança de que não mais apareceriam. Julgamos que assim tudo estaria resolvido, até a realidade se impor e nos fez perceber nossos próprios erros.
Bento XVI renunciou ao cargo pelo qual tanto ansiou por entender que não teria forças para combater o mal (o acobertamento da pedofilia dentro da Igreja). Já Bergoglio aceitou não se aposentar e concorrer para o mesmo cargo, que não queria, por entender que estava em jogo mais do que sua vontade individual. Em ambos os casos, os erros do passado assombravam suas decisões, mas não os impediram de fazer o que julgaram corretos. Para obter a paz, tiveram que admitir e encarar seus erros. A pergunta que fica é quando é que nós conseguiremos fazer o mesmo.
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