Confesso que me surpreendeu a indicação ao Oscar de Ford versus Ferrari na categoria de Melhor Filme. Não que o filme seja ruim, ao contrário, é maravilhoso! Muito bem feito em todos os sentidos e, principalmente, bastante fiel à história na qual se baseou. Sim, aquilo realmente aconteceu. O Ford GT40, um dos carros mais icônicos da história automobilística, surgiu exatamente da forma contada no filme. A minha surpresa realmente foi ver a Academia reconhecer o quanto este filme é esplêndido e, aproveitando este fato, a coluna de hoje falará sobre o exemplar deste automóvel que correu pelas ruas do Rio de Janeiro no final dos anos 1960.
O Rio de Janeiro teve, durante muito tempo, destaque no cenário mundial do automobilismo. De 1932 a 1954, a cidade sediou o Grande Prêmio da Cidade do Rio de Janeiro que acontecia anualmente no traçado do Circuito da Gávea, uma rota de 11 quilômetros compostos de ruas dos bairros da Gávea, Leblon e São Conrado. Para terem uma ideia da importância dessa prova, ela tinha o mesmo status que o Grande Prêmio de Mônaco da Fórmula 1 tem hoje. Mesmo com o fim da etapa do Circuito da Gávea, o automobilismo no Brasil continuou em grande crescimento, principalmente na década de 1960, quando surgiu a indústria automotiva brasileira.
As corridas de rua acabavam servindo como laboratório para as próprias montadoras da época, sempre lembrando que eram tempos onde não se existia internet e a computação era algo bem rudimentar. Muitos dos dispositivos que temos em nossos carros hoje são fruto das gambiarras criadas por pilotos e mecânicos da época para dar o máximo de desempenho aos seus carros nas pistas. Aliás, vale lembrar que nomes como Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet se “formaram” nessa escola.
O que pouca gente sabe é que tivemos, sim, um Ford GT40 que correu no Brasil nessa época. O carro de chassi número 1083 foi o último produzido pela montadora exclusivamente para competição, com as mesmas especificações dos vencedores de Le Mans em 1968 e 1969, e foi comprado pelo piloto Sidney Cardoso em 1969, incorporando-o à equipe de corridas do Colégio Arte e Instrução, instituição que funcionava no bairro de Cascadura no Rio de Janeiro. Já em 1969, o carro venceu o Campeonato Estadual deste ano e participou dos 1000km da Guanabara, porém, nesta, não chegou a completar a prova. Ainda com o time Arte e Instrução, participou de três provas no antigo circuito de Interlagos, chegando em segundo e terceiro lugar em duas delas.
O carro, então, foi vendido a Luis Antônio Greco e passou a ser pilotado por Wilson Fittipaldi Jr., irmão de Emerson, em 1971. Entretanto, Wilsinho não teve qualquer êxito nas duas provas em que participou com o carro lhe rendendo dois abandonos. Em 1972, o carro continuou na Equipe Greco-Ford, mas passou a ser pilotado por outra lenda do automobilismo nacional: Paulo Gomes. Com ele ao volante em quatro corridas, lhe rendeu dois terceiros lugares, um quarto lugar e um vigésimo quarto, este último nos 500km de Interlagos daquele ano. A segunda vitória do chassi 1083 no país viria no Festival de Recordes em Cumbica pilotado por Sergio Mattos, conseguindo chegar à marca de 238,156 km/h.
A Divisão 6, categoria na qual o Ford GT40 se enquadrava, foi extinta em 1973 anunciando sua aposentadoria das pistas, porém, devido a um acidente com o carro que o piloto Arthur Bragantini usava na Divisão 4, o 1083 teve sua vida de corridas um pouco estendida participando de duas provas com Bragantini ao volante, mas, com um motor de Maverick debaixo do capô para poder se enquadrar nas regras da categoria. Anos mais tarde, mais precisamente em 1982, o GT40 foi vendido para um americano encerrando definitivamente sua passagem pelas pistas brasileiras. Felizmente, ele teve suas características originais restabelecidas e, atualmente, ostenta em seu capô, uma faixa verde, amarela e azul, deixando evidente que sua carreira, mesmo que curta, no Brasil, jamais será esquecida.
(As fotos que ilustram esta coluna são do acervo do próprio Sidney Cardoso.)
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