Não! Não Olhe!

Não! Não Olhe!

Não! Não Olhe!

Não! Não Olhe! (2022), Jordan Peele.

Uma comédia de terror de ficção científica sagaz que também é uma estranha carta de amor ao cinema e ao que há de mais bizarro no cinema. Jordan Peele já é bastante conhecido pelos sucessos de Corra! e Nós, e assim como seus filmes anteriores, Não! Não Olhe! é sensacional!

O filme traz uma versão pessimista sobre o meio cinematográfico e sobre a maneira como o mercado do cinema funciona em Hollywood. Ao mesmo tempo que brinca com elementos cinematográficos (como o personagem que é um cinegrafista lacônico que faz edições à moda antiga e usa um cinematógrafo antigão a manivela), também desconstrói vários deles ao se aproveitar de suas inspirações e referências em obras de Steven Spielberg (especialmente ET, Contatos Imediatos de Terceiro Grau e Tubarão), Hitchcock, Tarantino, mitos de Cthulhu do Lovecraft e até mesmo Akira (a cena da Emerald com a moto! Uma lindeza!)

Tem muita coisa maneira dentro de uma ideia que na verdade é bastante simples.

Ouça o podcast sobre o filme aqui.

A história é focada nos irmãos OJ e Emerald Haywood, maravilhosamente interpretados por Daniel Kaluuya e Keke Palmer, que herdam o rancho de cavalos do pai que fica num lugar extremamente ermo. Enquanto tentam administrar um negócio falido de treinamento de cavalos, porque eles se apresentam como um tipo de lenda da indústria cinematográfica, eles acabam tendo que lidar com um mistério que surge nos céus do lugar onde moram, e eles entram num frenesi para tentar capturar esse mistério através de uma filmagem. E é nisso que a história vai brincando com questões do cinema, incluindo aí um contraponto entre o cinema digital e o cinema analógico.

A própria questão de eles se apresentarem como um tipo de lenda da indústria cinematográfica tem a ver com uma história real do cinema. Uma das primeiras imagens em movimento capturada em 1878 era de um cavaleiro negro montando um cavalo. Essas imagens foram feitas pelo Eadweard Muybridge e por causa dela o Muybridge ficou muito famoso, o cavalo ficou muito famoso (até o nome do cavalo era conhecido, chamado de Annie G), porém o cavaleiro negro continua anônimo até hoje. E o filme brinca um pouco com isso colocando os personagens principais como descendentes deste cavaleiro negro anônimo da história do cinema.

Mas esse também é um filme sobre obsessões e traumas. Porque os traumas dos personagens são bastante trabalhados no enredo.

E é principalmente um filme sobre respeitar os animais. E sobre a maneira como animais são usados para o entretenimento que muitas vezes causa uma situação de risco que leva o animal ao limite a ponto de ele se tornar violento. Isso é mostrado logo no início com o cavalo do OJ e com a cena bizarramente sensacional do chimpanzé Gordy (que aqui é feito com captura de movimentos pelo Terry Notary, o mesmo ator que fez o “Olhos Brilhantes” em Planeta dos Macacos). As regras definidas para estes animais e o aspecto de respeitá-los e não olhar para eles nos olhos é a regra definidora do filme, e nos ajuda a compreender melhor como funciona o grande mistério da história.

Embora não seja oficialmente confirmado pela produção do filme, a história de Gordy é fortemente associada a uma história real de 2009 envolvendo o chimpanzé Travis, que também era um chimpanzé treinado para ser ator e treinado para o entretenimento. Os eventos e o desfecho de Travis são os mesmos que ocorrem com Gordy. Mas o filme inclui alguns elementos bizarros, como o sapatinho azul. E o fato de Jupe ficar olhando para o bizarro fenômeno do sapatinho azul ao invés de olhar para o animal é provavelmente a razão pela qual Jupe escapou da situação (e o toque de mãos é certamente uma piscadinha para o ET do Spielberg de uma forma horripilante).

Essa cena do chimpanzé (principalmente) estabelece a dinâmica para as cenas finais do filme. Porque o Jupe não entende por que escapou. E como um adulto, interpretado pelo Steven Yeun, quando ele se depara como uma situação parecida, ele tenta fazer a mesma coisa: explorar um animal para o espetáculo e o entretenimento. E da mesma maneira, a coisa sai do controle.

Tudo isso é feito com uma boa dose de humor e sátira, além do terror. Algo que torna o filme bizarramente divertido.

Com sua vibe de filme blockbuster e ao mesmo tempo cult bacaninha, já que Jordan Peele é sempre muito autoral em suas obras, Não! Não Olhe! é só sucesso e vitória no cinema. E vale muito a pena ver na tela grande em IMAX porque a trilha sonora é horripilante. Recomendo fortemente!