O valor de ser gênio, bilionário, playboy, filantropo e HERÓI

Homem de Ferro

Antes do gênio/bilionário/playboy/filantropo Tony Stark se tornar o homem de armadura mais conhecido da cultura pop contemporânea, ele era um prodígio nascido em berço de ouro, que entrou aos 15 anos para o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (Massachusetts Institute of Technology, MIT), e herdou o complexo militar-industrial formado pelas Empresas Stark após a morte de seu pai, Howard Stark.

Mas quando ele descobriu que terroristas estavam usando armas produzidas pelas Empresas Stark, sua visão de mundo mudou. Daquele momento em diante, Anthony Edward Stark tornou-se o Homem de Ferro, um herói que evoluiu ao longo do tempo para se tornar um protagonista único entre os montes de super-heróis das histórias em quadrinhos.

A maioria dos super-heróis, normalmente, assume sua faceta verdadeira quando veste seu (uniforme), que funciona como disfarce para esconder suas identidades. Porém, na verdade, quando veste seu “disfarce” é que o herói abandona seu alter ego e assume sua identidade real, a pessoa que ele realmente é. O Batman e o Superman só conseguem ser eles mesmos quando estão em seus uniformes. Bruce Wayne e Clark Kent são seus disfarces, a forma como eles querem ser vistos pelos outros, de modo que seu verdadeiro “eu” não seja realmente percebido. Por causa disso, suas falhas, muitas vezes, passam despercebidas em suas ações, ou são abstraídas em função dos atos heroicos. O cinema vem desconstruindo pouco a pouco essa imagem, começando por Batman Begins, que representou o Batman em todas as suas nuances, e o novo Superman: O Homem de Aço, que aparentemente vai seguir esse caminho.

Homem de Ferro tinha essa base mais sóbria — ou melhor, sombria, o termo que passou a ser usado para definir esse universo heroico mais próximo da realidade e no qual as falhas dos heróis faziam-se mais evidentes. Tony Stark, no entanto, nunca foi um alter ego, e não diferencia a si mesmo do Homem de Ferro. O primeiro filme veio para mostrar isso — e começar uma nova era para os super-heróis no cinema, já que foi graças a Homem de Ferro que nos tornamos cientes dos planos da Marvel Studios, que anos mais tarde nos presenteou com Os Vingadores. Tony Stark é realmente o gênio/bilionário/playboy/filantropo que afirma ser, sente orgulho por isso, e é um tremendo filho-da-puta por causa disso, e nós gostamos dele mesmo assim. Mas, será que é só por isso mesmo?! Talvez seja porque Stark tem falhas, muitas falhas, e lida com isso de peito aberto (e um Reator Arc). Stark abraça suas falhas e as utiliza a seu favor. E ainda assim, ele luta pela segurança das pessoas.

Pensando em termos de RPG (role-playing game), Stark poderia ser definido com um personagem de alinhamento Caótico e Bom. Por ser tão narcisista, ele faz o que quer, quando quer, e não funciona sob regras e ordens, resolvendo seus problemas a sua própria maneira, mesmo que suas ações entrem em conflito com os outros. Como alguém Caótico e Bom, ele é rebelde e favorece mudanças em prol de um bem maior, desdenha de organizações burocráticas que ficam em seu caminho e dá bastante valor à liberdade individual, para si e para os outros. Por isso, ele luta para ajudar as pessoas. Por isso, quase sempre, ele improvisa, e improviso é essencial para alguém que vive da tecnologia e da ciência. Por isso, Tony Stark é gênio, bilionário, playboy e filantropo.

No final do filme Homem de Ferro, o que vimos foi Tony Stark se revelando como o Homem de Ferro, improvisando e ligando o foda-se, afinal, o Homem de Ferro é apenas uma ferramenta para Stark, um meio para um fim. No cinema, a revelação foi rápida, precisou de apenas um filme, diferente dos quadrinhos, nos quais Stark permaneceu décadas dizendo que o Homem de Ferro era apenas um guarda-costas. A revelação de que Tony Stark era o Homem de Ferro não só funcionava, como se mostrava vital para a caracterização do personagem que seria construído dali em diante, o mesmo que fundamentou o universo cinematográfico desenvolvido até Os Vingadores. Ele não se distingue do herói, ele é o herói. Bruce Wayne e Clark Kent não parecem ter uma identidade completa quando não estão lutando contra o crime, enquanto Stark é sempre Stark, mesmo embaixo de uma armadura.

Na verdade, Stark até usa uma armadura o tempo todo, mesmo quando não está vestido como Homem de Ferro. Ele se esconde atrás de sua armadura de prepotência, sarcasmo e narcisismo para não revelar sua verdadeira face: a do homem lutando por redenção. O Homem de Ferro está tentando compensar seus pecados, e as mortes provocadas pelas armas que ajudou a construir. Sua motivação aumentou quando sofreu o acidente a bomba cujos estilhaços atingiram seu coração. O armamento passou a ser uma forma de manter sua vida, e logo se tornou uma forma com a qual ele poderia salvar outras vidas.

No início, o Homem de Ferro apareceu na Tales of Suspense #39 (história publicada pela primeira vez no Brasil em Heróis da TV #100), em 1963, criado por Stan Lee. Nesta primeira aparição do super-herói, a armadura era cinzenta e rústica. Na época, os Estados Unidos viviam tensões provocadas pela Guerra Fria e pela Guerra do Vietnã, por isso, o personagem tinha características mais anti-comunistas, e aspectos diferentes dos que estamos acostumados hoje em dia. No cinema, sua história foi atualizada para os conflitos envolvendo o Afeganistão, algo que quadrinhos mais recentes do herói também vinham abordando. Justo, já que os quadrinhos, assim como o cinema, sempre acompanharam as mudanças políticas e sociais ao longo dos tempos. E, como eu disse antes, Tony Stark é adepto das mudanças.

Com o passar do tempo, o Homem de Ferro ganhou as cores vermelha e dourada em sua armadura, tornando sua presença ainda mais marcante. Mais tarde, ganhou inúmeras outras armaduras, das mais variadas formas e utilidades. Depois de alguns anos de heroísmo, Stark começou a vivenciar os dramas que seus pecados impunham a sua mente, e o mais emblemático foi seu problema de alcoolismo, contado no célebre arco Demônio na Garrafa, que foi abordada parcialmente no filme Homem de Ferro 2. Foi durante esse período conturbado, que Stark transferiu a armadura para seu o amigo James Rhodes, que mais tarde se tornou o Máquina de Combate — isso também foi mostrado no Homem de Ferro 2, com as devidas adaptações. A luta contra o alcoolismo e para se reerguer como herói evoluiu consideravelmente o personagem. O avanço da tecnologia o evoluiu como herói. Ao longo das décadas, a armadura se tornou mais complexa, tornou-se mais conectada ao Tony Stark em níveis pessoais, culminando na saga Extremis, que serve de base para o filme Homem de Ferro 3.

Durante todo o processo de construção do Homem de Ferro no cinema, com Homem de Ferro e Homem de Ferro 2, Stark vem encontrando um significado crescente para os serviços que presta à sociedade. O primeiro filme era sobre o Tony Stark playboy e bilionário que faz o que quer, enquanto o segundo filme era sobre seu crescimento e sobre como suas capacidades poderiam ser usadas para ajudar os outros. Ele tanto percebe isso que não admite que sua armadura seja usada pelo governo para seus próprios fins. Ele quer proteger os outros, sim, mas vai fazê-lo do seu jeito, nem que para isso tenha que humilhar uma meia dúzia de colarinhos brancos. Nessa hora, ele conquistou o público de vez. Eu fui conquistado, e você também, admita. Essa afinidade para com Stark vem justamente dessa capacidade de alcançar certo grau de redenção sem perder o charme ou a pose. Mais do que isso, é a capacidade do personagem de sustentar seus atos e manter sua evolução a despeito das intempéries.

O fato de que ele tem essas falhas, e que ele precisa vencê-las para ser quem é, torna sua personalidade ainda mais cativante. Stark luta constantemente, não só para salvar as pessoas, mas por seu autoaperfeiçoamento, e para continuar sendo um homem melhor do que ele seria se voltasse a beber ou dormir como um monte de mulheres (como ele despreocupadamente fazia antes). Ainda mais agora, quando ele finalmente sabe o que é se preocupar com uma pessoa amada, quando ele tem alguém como a Pepper Potts na vida dele. Mais do que lutar contra si mesmo, ou contra o mundo, ou contra deuses alienígenas, Stark luta pela mulher que ama. Isso também costuma ser um motivo para um homem querer ser uma pessoa melhor. Quem não quer ser um herói para o amor de sua vida?! Pepper que o diga! Ela também luta. Ela também quer ser uma heroína.

Homem de Ferro 3 promete jogar todo o peso dessa realidade sobre os ombros do herói, ensinando-lhe o temor de enfrentar forças além de sua compreensão, dando seguimento às dimensões estratosféricas que certamente sua vida tomou depois dos eventos de Os Vingadores.

Tony Stark é um homem que tenta se redimir, um homem que, basicamente, apoiava a guerra, mas agora está tentando encontrar uma maneira de usar sua habilidade e seu dinheiro (e seu charme) para beneficiar a humanidade, em vez de ajudá-la a se destruir. Nos quadrinhos, ele ainda cultiva muito de suas características de filho-da-puta, vide sua atuação na saga Guerra Civil; mas, no cinema, ele é tratado como um herói, desenvolvido para ser efetivamente um herói. O Tony Stark do cinema foi feito para ser adorado, e nós compramos a ideia, pois nós o adoramos, com todos os seus defeitos!

Os filmes recentes que incluem o Homem de Ferro têm demonstrado aspectos condizentes com o que vem sendo retratado ao longo dos anos nos quadrinhos, e exaltam essa premissa de redenção que é um traço comum ao herói. O terceiro filme não deve ser diferente; na verdade, deve se aprofundar mais ainda nessa temática, já que pretende ser mais melancólico e sombrio (olha o termo novamente) dos que os filmes anteriores.

Stark continua a ser atormentado por demônios que ele luta constantemente para exorcizar, desde sua primeira aparição em 1963 até o vindouro Homem de Ferro 3. Tony Stark segue em frente, não importa o quão ruim estejam as coisas, ele sempre dá um jeito de superar suas provações e seguir adiante. Se cai, ele se levanta e continua. Isso é ser um herói. Não há dúvida de que Tony Stark é capaz de fazer o que faz, e por ele, você é capaz de suspender sua descrença para assistir, contente, a um homem voando numa armadura ultra tecnológica. Muitos aspectos da personalidade de Stark, como sua inteligência aguçada, seu pragmatismo quase compulsivo ou seu apego à tecnologia, podem ter bastante apelo entre os muitos fãs que o personagem conquistou. Mas o foco da franquia Homem de Ferro, estendendo-se por várias mídias, desde as páginas dos quadrinhos até as telas dos cinemas, é a história de um homem imperfeito que encontra sua redenção lutando contra o crime.