Segredos de Sangue (2013), Park Chan-Wook.
Bram Stoker é o ilustre criador de Drácula, um dos maiores vampiros da literatura, cuja história foi contada em peças de teatro, filmes de cinema, séries de televisão, e recebeu muitas interpretações ao longo dos anos.
Segredos de Sangue não tem a ver com Drácula ou Bram Stoker, embora seu nome original, Stoker, possa ser uma homenagem, visto que o filme possui uma essência que remete muito ao mito do vampiro. Na verdade, trata-se de um filme sobre o poder dos laços de sangue de uma família, mais especificamente entre um mentor e um pupilo — algo que lembra o laço de sangue que um vampiro mestre estabelece com sua cria, ensinando-a sobre o mundo vampírico e o papel dos vampiros como predadores entre os homens.
Segredos de Sangue é sobre predadores entre os homens, sobre lobos em pele de cordeiro, sobre psicopatas que se escondem atrás da máscara da inocência. Como eu disse, se aproxima consideravelmente do mito clássico do vampiro, o que é curioso, visto que o diretor é responsável pelo excelente filme de vampiro Sede de Sangue (Thirst).
O nome original Stoker também remete a um significado mais de predador observando e perseguindo sua presa, pois a sonoridade do título é parecida com a sonoridade da palavra Stalker; e isso fica muito claro com a protagonista, que está sempre pelos cantos, observando e assimilando o que está acontecendo.
Essa é a primeira experiência hollywoodiana de Park Chan-Wook, e um começo realmente promissor. Parece que deixaram o diretor solto para criar um filme sob seu estilo, auxiliado por um parceiro de longa data, o diretor de arte Chung-Hoon Chung, que trabalho com Chan-Wook na direção de arte de Oldboy, Lady Vingança, do supracitado Sede de Sangue, entre outros. Logo nas primeiras cenas fica evidente a estética maravilhosamente perturbada dos dois, que combina perfeitamente com a premissa do filme. A precisão técnica chama bastante atenção e somos obrigados a nos concentrar em cada pequeno detalhe. Além de sermos o tempo todo inseridos no clima de suspense da história, a assinatura de Chan-Wook reforça o mistério e as sensações dissonantes criados pelos personagens.
Vale mencionar que o filme foi escrito por Wentworth Miller, mais conhecido por ser protagonista da série Prison Break. Ele originalmente escreveu o roteiro com um pseudônimo, e acabou na lista negra dos dez melhores roteiros não produzidos em 2010 — depois de ver o filme, entendemos por quê.
A história é sobre India Stoker (Mia Wasikowska), uma menina introspectiva e com tendências mórbidas que geralmente a afastam das outras pessoas. Depois que ser pai morre em um acidente de carro, seu tio Charlie (Matthew Goode, que foi o Ozymandias em Watchmen), vem morar com ela e sua emocionalmente instável mãe, Evelyn (Nicole Kidman). India começa a suspeitar das intenções desse misterioso tio, que até então ela nem sabia que existia. Mas em vez de sentir medo ou preocupação por isso, India, que não tem amigos, se vê encantada por ele.
As performances de Goode e Wasikowska elevam o charme corruptor do filme, que toca sutilmente nos ritos de passagem da juventude para a vida adulta, e com habilidade distorce tudo. O despertar sexual de India é desencadeado pela chegada do tio, que à primeira vista parece um homem vivido e carismático, e as cenas entre os dois são cheias de conotações incestuosas. Esses momentos são inquietantes, não por revelarem suas intenções ativamente, mas por deixarem os sentimentos obscuros subentendidos. A grande tensão da história não é o que se mostra na tela, mas o que se esconde por trás das cortinas. Inclusive o tio Charlie aqui é fortemente inspirado no tio Charlie interpretado por Joseph Cotten do filme A Sombra de uma Dúvida, de Alfred Hitchcock.
A isso se soma a difícil relação entre India e sua mãe, que sente ciúmes da aproximação da filha com o tio — que ela enxerga como uma versão mais jovem e luxuriosa de seu falecido marido.
Evelyn talvez seja o elemento mais destoante no filme, e por isso mesmo acaba se tornando uma peça-chave para a história. Kidman provoca uma estranheza relevante com sua personagem, e passa grande parte do tempo em silêncio, olhando através das frestas da corrupção — outra stalker, sim. Quando ela finalmente libera a frustração que esconde por trás de seu coração de sorvete, vemos a atriz em seu melhor momento, vomitando palavras de raiva, desespero e anseio maternal contra sua filha igualmente frívola.
Segredos de Sangue é um daqueles suspenses que desperta sensações conflitantes o tempo todo; sombrio, atmosférico, que além do suspense hitchcockiano, ainda se sente um pouco como um clássico giallo de Dario Argento. É o casamento perfeito de imagens opulentas, sonoridade envolvente, diálogos inquietantes e performances fascinantes, que explora de forma intensa a escuridão dentro de nós e os segredos que guardamos, e ainda é um tremendo filme sobre assassinos.
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