A Arte de Voar

A Arte de Voar

A Arte de Voar

A Arte de Voar (2010), Antonio Altarriba e Kim.

Um dos maiores sucessos dos quadrinhos europeus dos últimos anos, em A Arte de Voar, o quadrinista Antonio Altarriba conta a história de vida de seu pai, partindo da infância no interior da Espanha, a luta na Guerra Civil Espanhola e contra o nazismo na França, o envolvimento em negócios à margem da lei no pós-guerra, até os anos finais de depressão em um asilo.

Tornou-se comum nas graphic novels consideradas mais “sérias” o gênero autobiográfico, onde o autor expõe a sua história ou a de sua família de forma tocante e verdadeira, emocionando assim seu público. Mas poucas têm um impacto tão forte quanto A Arte de Voar, em que o roteirista espanhol Antonio Altarriba reconta a história de seu pai, também chamado Antonio.

A cena de abertura é já impactante, pois nelas somos informados que Antonio cometeu suicídio, se jogando da janela do abrigo em que vivia. A HQ é então dividida em capítulos ou “andares”, onde a cada um deles vamos conhecendo melhor o protagonista, enquanto se aproxima do chão cujo encontro irá retirar sua vida.

O autor consegue retratar de forma ao mesmo tempo poética e melancólica esse fato, bem como toda a história de seu pai. O curioso é que a narração é toda feita em primeira pessoa, como se o filho/autor se transmutasse no pai/protagonista para melhor entendê-lo.

Antonio é ao mesmo tempo um sobrevivente e um derrotado. Não confundir com o “perdedor” dos americanos, até porque ele tem relacionamentos com várias mulheres e vive bem financeiramente em muitos momentos da vida. A derrota vem das lutas ideológicas, como o combate ao fascismo e o gradual abandono do ideário anarquista que o movia quando jovem. Grande parte da obra se passa durante a Guerra Civil Espanhola e a Segunda Guerra Mundial. As lutas contra o Franquismo e na resistência francesa ao nazismo, os companheiros, e mesmo os momentos difíceis, tudo era justificado em nome do sonho de um mundo melhor.

O retorno à Espanha franquista ganha ares distópicos, pois se trata de um lugar onde não há mais lugar para o sonho. Abaixar a cabeça e obedecer parece ser o lema, e até dá certo em termos financeiros. Mas com isso vem as traições, tanto aos sócios quanto ao casamento, uma vez que nada mais é feito com o coração. Após tantas decepções, resta o fim de vida num asilo, onde mais uma vez as estruturas parecem ser feitas para destruir as ilusões. O que reina então é o conformismo, aguardando a hora da morte chegar.

A arte de Kim é belíssima e complementa bem o roteiro. Os grandes destaques ficam para as passagens mais oníricas do texto, onde o desenhista solta mais o traço e sua imaginação. O problema é que os quadros são todos pequenos, passando a impressão que a arte é mero complemento do roteiro. Faltou dar à Kim algumas páginas onde seu detalhismo pudesse ganhar mais espaço, tornando assim a graphic novel mais equilibrada em termos visuais.

A cada sonho roubado, Antonio se torna mais infeliz e distante de si mesmo. Ao decidir dar cabo de sua vida, jogando-se ao ar, retoma para si a capacidade de voar. É como se, a cada andar, ele tomasse de volta da vida cada esperança que lhe foi roubada. Sua morte, narrada por seu filho, acaba servindo para nos lembrar que devemos ser fiéis aos nossos sonhos, e que a verdadeira derrota só ocorre quando desistimos de nós mesmos.