John Wick: De Volta ao Jogo (2014), Chad Stahelski e David Leitch.
Um filme de ação simples e sensacionalmente engenhoso. Por trás da simplicidade, John Wick: De Volta ao Jogo orgulhosamente remete ao estilo de histórias de ação dos anos 90, que focava no “homem badass e imparável”, construindo seu universo sem grandes objetivos ou aspirações, e sem excessos de flashbacks ou exposição exagerada. John Wick nos mostra um mundo de crime organizado fantástico, com suas próprias regras, códigos de conduta, personalidades, localidades e sistema monetário (baseado em moedas de ouro), e esse mundo é tão bem construído que a forma como as coisas funcionam dentro dele vão se explicando apenas por aparecer em cena, com bastante naturalidade. Desbravar esse universo de mafiosos, gatunos e assassinos é uma das partes mais interessantes do filme, mas é apenas metade da diversão.
Os personagens são definidos inteiramente pela ação e pelo que eles dizem uns sobre os outros. Isso funciona principalmente para criar a atmosfera mítica que circunda o personagem principal, que é conhecido POR TODO MUNDO e respeitado como uma lenda. Aliados ou inimigos ou aleatórios, todos, sem exceção, tratam Wick com certa camaradagem, mesmo quando querem matá-lo. Numa determinada sequência, logo após matar uma dúzia de assassinos que tentam assassiná-lo em sua própria casa, Wick atende um policial que bate à porta por causa de uma queixa de barulho. Do lado de fora da porta, o policial, como se fosse a coisa mais natural do mundo, vê os cadáveres caídos pelo corredor de Wick e diz apenas: — “Está trabalhando de novo?” — Ao que Wick responde: “Não, só estava consertando umas coisas.” — O policial sorri e diz: “Bem, vou deixar você em paz então, tenha uma boa noite, John.” Simples assim. E esse tipo de reação à Wick, um misto de temor respeitoso e naturalidade descontraída, se repete ao longo de todo o filme, em cada encontro do ex-assassino com alguém do submundo.
Muito disso se deve ao elenco, tão respeitável quanto o mito do protagonista: Willem Dafoe, Ian McShane, Adrianne Palicki, John Leguizamo, Michael Nyqvist, Lance Reddick e outros, cujos papéis são todos imbuídos com uma aura forte de familiaridade — todos são pessoas que preenchem boa parte de seus próprios backgrounds apenas por aparecer em cena, e com isso, também demonstram sua relação com o protagonista. — Um detalhe é que a vingança de Wick é desencadeada pelo personagem de Alfie Allen, conhecido por ser Theon Greyjoy em Game of Thrones, e que parece estar se especializando em fazer personagens petulantes e merdeiros.
Esse é um tipo de filme elaborado prioritariamente em cima de uma iconografia pesada, e que por isso mesmo, nos permite entendê-lo e absorvê-lo desde o início. Sem qualquer dificuldade, somos inseridos na história e sabemos o que ela pretende. Pouco a pouco, as peças vão sendo colocadas em sua devida posição, no momento certo, e pouco a pouco, John Wick vai derrubando cada uma delas como em um dominó. Isso porque, a despeito do elenco excepcional, Keanu Reeves é quem manda no filme.
Reeves é um ator normalmente subestimado, que muitos gostam de criticar pela falta de expressividade quando atua. E até certo ponto, concordo. Ele é inexpressivo, e é exatamente por isso que ele funciona maravilhosamente bem para esse tipo de papel. Ele é o tipo de paradoxo que eu adoro assistir em cena. Dentro de suas limitações expressivas, no que se refere a Keanu Reeves, não se trata exatamente de atuar; trata-se simplesmente de estar no filme. Apenas sua presença é o bastante para criar todo a mística que seus personagens normalmente exigem. E isso ele faz como ninguém, especialmente em filmes de ação. Reeves é o cara zen, que deseja apenas ser deixado em paz e que acrescenta um peso imponente à mensagem do personagem: “Vocês, pobres coitados, não têm ideia de com quem vocês se meteram!”
Heróis de ação precisam apenas de uma motivação para começar a matar pessoas descontroladamente. Os diretores Chad Stahelski e David Leitch (este último creditado apenas como produtor no filme) entregam um herói que teve seu carro roubado e seu cão assassinado, incentivo mais do que suficiente para ele percorrer quilômetros para matar dezenas de bandidos, um de cada vez, de toda a forma possível, usando desde armas de fogo até golpes elaborados de artes marciais. John Wick é uma máquina de matar, não é a toa que se tornou uma lenda, chamado pelos russos de Baba Yaga — referência a uma espécie de bruxa da mitologia eslava, considerada uma criatura atroz, e que no filme é associada ao “Bicho-Papão”. — Até certo ponto, o filme parece também pegar inspirações de outro sucesso recente do cinema de ação, o filme indonésio The Raid, construindo suas cenas de ação de forma similar, em que armas de fogo — revólveres, escopetas e pistolas — são usadas em combates corpo-a-corpo, tudo junto, com enquadramentos criativos e ritmo frenético a cada ataque. O resultado são lutas espetaculares, que oscilam entre tiros e golpes e mais tiros, na perna, na barriga, no rosto, tudo de forma rápida e brutal, como um filme desse tipo deve ser. Como eu disse, John Wick é uma máquina de matar.
John Wick: De Volta ao Jogo é maravilhosamente simplista e sem sofisticação, sem ilusões de grandeza: Wick é injustiçado, alguém tem que pagar, e quem fica no caminho de sua saga de vingança termina em um saco preto. Simples, direto e violento. Que me faz pensar em outro filme que eu adoro muito, O Troco (1999), só que ao invés de um ladrão que move céu e terra para ter seu dinheiro de volta, temos um ex-assassino que move céu e terra para vingar seu cachorro. Uma lógica perfeita. Matar um cachorro é muita maldade, e não dá para culpar um homem por querer se vingar disso (ainda mais quando é o cachorro que a falecida mulher deixou para ele). Por essas e outras coisas que o filme se destaca tanto, por ser um divertimento rápido, com estética de pulp fiction, construído em cima de uma mitologia incrível dentro de um universo ambíguo e absurdamente fascinante.
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