Divertida Mente (2015), Pete Docter.
Uma história de beleza e riqueza impressionantes, que parece simples inicialmente, e aos poucos se revela de uma complexidade emocional imensa. A animação tem um apelo amplo, com muitas coisas adoráveis e coloridas para as crianças mais novas aproveitarem, e um enredo mais elaborado e de humor inteligente para o público mais velho. Mas na verdade, uma grande jogada, é que Divertida Mente não é um filme feito para crianças e adultos desfrutarem separadamente, ele é feito para ser compartilhado por todos.
Enquanto acompanhamos as mudanças na vida de Riley, desde o nascimento até a transição para outra cidade e para a adolescência, descobrimos no interior de sua mente como as emoções lidam com isso. A emoção mais persistente é a Alegria (Amy Poehler), que parece uma fada, de cabelo azul e corpo amarelo de veludo brilhante, sempre radiante e extrovertida. Alegria é por quem torcemos desde o começo, porque, no fundo, sempre estamos em busca de felicidade, e não há qualquer razão para acreditarmos que a alegria um dia vai acabar. Tristeza (Phyllis Smith, em uma dublagem apaixonante) tenta desempenhar um papel significativo: ela é uma gorduchinha azul de visual antiquado, com uma voz rouca e adoravelmente melancólica, que é tímida e introspectiva, o completo oposto de Alegria. Raiva (Lewis Black), um baixinho invocado vermelho que se veste como um trabalhador de escritório e parece saído de Um Dia de Fúria (na verdade as semelhanças com Michael Douglas são gritantes). Medo (Bill Hader) e Nojinho (Mindy Kaling) são o que poderíamos chamar de emoções de apoio, normalmente orbitando as outras três emoções, mas se revelando tão importantes quanto as demais quando se faz necessário. Medo é um dos grandes responsáveis pelas situações cômicas, com ataques de pânico sensacionais cada vez que alguma mudança brusca acontece. Nojinho tem momentos mais pontuais, e seu momento de brilhar surge no final, quando demonstra que manter uma distância esnobe das coisas às vezes é útil para se ter boas ideias em momentos de crise.
As cinco emoções trabalham por Riley, normalmente dependentes da Alegria, que ficou tão acomodada no comando das coisas que, sem perceber, está sempre tentando controlar tudo e se impor sobre as outras. Riley precisa estar feliz o tempo todo. Se você percebeu alguma semelhança com a nossa realidade atual, não é mera coincidência. O filme aborda essa questão que se tornou imperiosa na sociedade contemporânea: todo mundo tem que estar sempre feliz o tempo todo. Hoje em dia, parece que não temos mais direito de ficar tristes. E por estarmos sempre tentando evitar e afastar a tristeza, ao invés de aceitá-la e lidar com ela, muitas vezes não sabemos o que fazer quando ela chega de forma inevitável. Porque a tristeza também tem seus momentos de comandar as coisas, e evitá-la não vai nos tornar pessoas mais felizes. Pelo contrário, quanto mais tentamos evitá-la, mais nos tornamos incapazes de lidar com o mundo exterior, cada vez mais nos encerrando dentro de nós mesmos, muitas vezes de forma tão avassaladora que não conseguimos mais sair.
Divertida Mente também surpreende por abordar a depressão, um distúrbio que afeta milhares de pessoas e ainda hoje é tratado com desdém e desconfiança por muita gente, e que raramente é tratado em histórias de ampla abrangência, como uma animação da Pixar/Disney por exemplo. Nesse sentido, o título “Divertida Mente”, escolhido aqui no Brasil para o filme, acaba enganando um pouco, embora seja um bom título; a animação é incrivelmente cômica, sim, mas incrivelmente melancólica, algo que muitos provavelmente não estarão esperando quando forem assisti-la. “Inside Out”, o título original, faz mais sentido (e mais jus) ao que o filme tem a nos oferecer.
A oscilação de sentimentos e emoções é constante durante todo o decorrer da animação; à medida que as coisas avançavam, meus próprios sentimentos e emoções oscilavam do puro prazer por desfrutar uma história tão cativante até a admiração pela capacidade da história de transformar o conceito abstrato de forças rivais da nossa mente em um espetáculo engraçado e emocionante, de uma beleza agradavelmente profunda.
Os componentes do cérebro de Riley ainda incluem memórias em forma de globos de neve que no final começam a parecer grandes bolas de gude; ilhas de personalidade que possuem construções extravagantes e consideravelmente frágeis; vastos bancos de memória de longo prazo que parecem uma mistura de máquinas de chiclete com pistas de entrega de bolas de boliche; um trem de pensamento que só funciona quando Riley está acordada; um abismo medonho de subconsciente; e um espetacular estúdio de cinema chamado Dream Productions que é responsável pelos sonhos (e pesadelos) da menina. Uma curiosidade é que o estúdio exibe o cartaz de um filme chamado I’m Falling For a Very Long Time Into a Pit (Estou caindo por um tempo muito longo em um poço), um reflexo mais evidente da temática abordada pelo enredo.
O nível de inventividade é tão elevado, e a densidade de detalhes é tão grande, que é impossível absorver tudo assistindo uma única vez. Dentre algumas coisas divertidas está o console manuseado pelas emoções, que tem elementos visuais inspirados em brinquedos (entre os controles e botões, um lembra o brinquedo Genius, outro lembra uma pokebola), e algumas referências engraçadas, como quando os policiais interrogam a Senhora Nuvem sobre o desaparecimento do marido e ela também é desaparecida e um policial diz “Relax, Jake, this is Cloudtown” (uma brincadeira com o filme Chinatown, de 1974).
Há muita coisa acontecendo, em um ritmo vertiginoso, e leva um tempo até que comecemos a nos perguntar por que Riley possui apenas cinco emoções, e porque Medo, Nojinho e Raiva normalmente orbitam as ações de Alegria e Tristeza. A primeira razão é certamente pela necessidade de manter a simplicidade narrativa, que flui melhor se focada em apenas cinco personagens; a segunda se torna evidente com a natureza fundamental do conflito entre a alegria e a tristeza, e com jogada de mestre da animação ao resolvê-lo.
O mais interessante de Divertida Mente é que esse é um filme sobre a importância das emoções e como elas se complementam, e como as emoções de crianças e adultos se completam. Há algo de melancólico sobre a história que mexe com nosso coração, e a animação demonstra claramente que esse sentimento de melancolia não é apenas saudável, como também absolutamente necessário. A tristeza, em outras palavras, é tão importante quanto a alegria. Esse é um filme que inspira sorrisos acalorados e lágrimas de reflexão. A alegria não é o único objetivo de uma vida boa. O bem-estar (e não estou falando simplesmente de felicidade) vem com uma vida emocionalmente rica e aberta à tristeza, uma emoção que ressoa com outras emoções quando precisamos lidar com os sentimentos de perda, saudade e melancolia. Essa é a beleza do livre-arbítrio que rege nossas mentes, almas e corações.
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