Star Wars: O Despertar da Força

Star Wars: O Despertar da Força

Star Wars: O Despertar da Força

Star Wars: O Despertar da Força (2015), J.J. Abrams.

“Guerras não fazem grande, ninguém”, disse Mestre Yoda, muito tempo atrás em uma galáxia muito, muito distante. Quando George Lucas sonhou com sua Guerra nas Estrelas nos anos 1970, ele jamais poderia ter previsto quão grande iria se tornar. Mais do que isso, jamais poderia ter previsto quão grandiosa ela seria nas mãos de uma nova geração com melhores ferramentas e perspectivas ao alcance. J.J. Abrams assumiu a saga original de Lucas com reverencia e a moldou em algo maior, de som mais impactante, batalhas muito mais realistas e sangrentas, verdades mais dolorosas. Os Stormtroopers finalmente matam e morrem em meio ao que há de mais cruel e desolador em uma guerra de proporções galácticas. Acertam seus alvos sem piedade, e são perfurados e devastados com igual fervor em combates que apenas uma verdadeira guerra poderia promover. A galáxia é um pouco mais violenta agora, um pouco mais parecida com a realidade sombria e desesperadora do mundo atual. A desesperança é mais agressiva para que possamos acreditar que ela pode se renovar.

Star Wars: O Despertar da Força é sem qualquer dúvida uma nova esperança. O sétimo capítulo da série segue a trajetória dos melhores reboots da atualidade, traçando alguns paralelos com a robustez do reinício de 007 em Casino Royale ou com a magia da aventura especial em Star Trek (que encontrou seu reinício nas mãos do próprio Abrams). O filme não para: é divertido, comovente e absurdamente ágil. O impacto de suas intenções se faz presente o tempo todo, de forma monumental.

Os filmes de ação de hoje em dia, em geral, se esforçam para ser tão perfeitos tecnicamente, que raras vezes os realizadores são selvagens em sua concepção como deveriam. Mad Max: Estrada da Fúria estreou no começo do ano provando o quanto essa selvageria estava fazendo falta no meio cinematográfico. Aproveitando-se de efeitos visuais práticos, maquiagens e cenários reais, e doses equilibradas de computação gráfica, Abrams demonstra que entendeu o recado de George Miller, reconstruindo a beleza da ação de uma época em que o cinema era mais simples, e exigia um pouco mais de vigor para ser construído. Abrams conduz suas sequências de ação com tomadas complexas, ângulos inclinados e câmeras sem estabilizadores. Por outro lado, Abrams não se esquece de onde veio Star Wars ao se utilizar de enquadramentos e efeitos de transição clássicos da trilogia original.

O resultado são combates aéreos e cenas de perseguição emocionantes, construídas com o realismo e o senso de imediatismo que exige o peso desta galáxia imersa em guerra. O Despertar da Força é mais profundo e mais escuro. O teor infanto-juvenil comum à série ainda existe. Só que a aventura não é mais tão lúdica. A aventura exige um pouco mais de seus aventureiros do que antes. Porque o Lado Negro cresce à espreita e está mais forte e dissimulado do que nunca.

Estabelecido em um universo 32 anos depois dos acontecimentos de O Retorno de Jedi, a aventura se lembra do passado com saudosismo; vangloria-se de elementos intimamente conhecidos da mitologia que cerca a família Skywalker e armas de destruição massiva como a Estrela da Morte. O Despertar da Força entende como as coisas funcionam na série e não se priva de rever certos conceitos para descartá-los ou usá-los no que será construído futuramente. O filme se sente como um elo entre o antigo e o novo, para que possamos acompanhar o antigo passando o sabre de luz para o novo. Star Wars sabe que precisa seguir em frente, e o faz em uma jornada emocionante, repleta de personagens de aspectos psicológicos plausíveis e confrontos melodramáticos alimentados por emoções pulsantes. Ainda assim a essência da Guerra na Estrelas continua intacta, apesar do sopro de novidade.

O filme não é realmente um remake ou um reboot, mas constrói sua história a partir das cinzas (ou da máscara queimada) do original. Não é uma princesa que esconde os dados valiosos em um droide e é torturada por causa deles; é um piloto X-Wing. Desta vez é um Stormtrooper que se torna um rebelde. A criança que cresceu em um planeta desértico prefere ficar esperando pelo retorno da família ao invés de sair do planeta e buscar o próprio caminho.

Apesar dos tons familiares, a história e os personagens possuem a própria magnitude. Cada novo personagem principal é um clássico instantâneo, e cada um deles é especial e único a ponto de querermos acompanhá-lo ao longo de muitos e muitos filmes. Eu quero vê-los mais vezes, conhecer mais sobre, tê-los ao meu lado em novas aventuras. Esse é o tipo de efeito que Luke, Leia, Han, C-3PO e R2-D2 causavam na gente, e é o tipo de força que Rey, Finn, Poe e BB-8 despertam. Mesmo com as referências escondidas nas entrelinhas, somos levados a sorrir sorrisos emocionados ao percebermos quão vivos e maravilhosos estes novos personagens são. Cada personagem conquista à sua maneira. Cada um é tão bem construído que nos apaixonamos por eles em questões de minutos pelos mais diferentes motivos.

O destaque maior vai para a nova protagonista: Rey é um presente incrível, uma personagem bastante capaz e autossuficiente. Sua jornada é apressada, mas tão satisfatória que é impossível não torcermos e vibrarmos por ela a cada passo. Daisy Ridley é um achado! O exemplo do tipo de cara nova que J.J. Abrams costuma encontrar para seus projetos. A inexperiente Ridley, desconhecida até então, é provavelmente quem merece a maior parte dos elogios rasgados do universo de Star Wars desde os tempos em que Luke Skywalker ainda nem portava um sabre de luz. Rey é uma catadora de lixos em Jakku, abandonada há muito tempo e à espera da família, que ela não conhece. Ela tem medo de seguir em frente, acreditando que pode perder a chance de reencontrar a família se abandonar Jakku. Esse medo só é superado graças a compaixão dos amigos encontra; primeiro no droide perdido BB-8, depois com o apoio de Finn e a tutela acolhedora de Han Solo.

Rey é uma lutadora criada para sobreviver por conta própria. Ela é inteligente, muitas vezes genial em suas ideias e percepções. E rapidamente se torna evidente que ela é sensível à Força. Ridley é incrível em seus momentos de despertar da Força.

Há também o antagonista: Kylo Ren. Os heróis são adições valiosas para o universo de Star Wars, personagens que aprendemos a amar ao longo das duas horas de filme, e que são inegavelmente personagens de Star Wars em todas as suas nuances. Kylo Ren é diferente. Ele é um personagem com psicologia complexa. Ren tem o tipo de profundidade/imaturidade juvenil que George Lucas queria conceder a Anakin Skywalker na trilogia prequel, mas não conseguiu. Kylo Ren é Anakin construído de uma forma melhor. O verdadeiro legado de Darth Vader.

Ele é ousado e insolente. Propenso a uma raiva que destrói o que estiver por perto. Demonstra confiança inabalável enquanto esconde embaixo da máscara uma grande falta de autoestima. Acima de tudo, é uma pessoa ferida emocionalmente. Ren acredita plenamente no Lado Negro e quer seguir o caminho de Darth Vader, mas sente a força do Lado Iluminado dentro de si mesmo. Ele exalta Vader para acabar com este conflito interno, para apagar a luz e ser consumido pelas trevas. O conflito é constante.

Kylo Ren é o vilão que todos imaginavam que seria. Ele é um homem com aparência suave sob a máscara, esforçando-se para se encontrar no universo, para definir a si mesmo dentro de um legado e para erradicar as partes de si mesmo que ainda se sentem confusas, apesar de todas as atrocidades que comete. A própria máscara e o visual escuro são uma representação de tudo o que emana do personagem. Ele quer ser como Darth Vader, mas sofre pelas incertezas de escolher esse caminho. Ele usa a máscara não apenas por idolatria, mas porque ele precisa encontrar a si mesmo. Dentro (e por trás da máscara) ele está seguro, encerrado em si mesmo, enquanto tenta lidar com seus conflitos internos. Esse desespero na luta entre o Lado Iluminado e o Lado Negro em seu íntimo fica ainda mais claro em uma cena crucial, em que ele obtém a ajuda que precisa para escolher seu lado na Força. Nesta cena, a decisão é tomada sob uma iluminação marcante, em que a luz do sol aos poucos se apaga e é consumida por uma escuridão avermelhada que incide sobre o rosto de Kylo Ren. Nesta cena, ele não está de máscara, e a partir deste momento não o vemos mais de máscara, porque ele não precisa mais da máscara para entender seus próprios conflitos (a máscara será necessária agora para esconder cicatrizes externas, não internas).

A Primeira Ordem não é particularmente bem explicada neste filme; é basicamente uma reminiscência do Império. A posição da Ren dentro da ordem parece delicada, de modo que ele muitas vezes soa como um mero peão. E ele sabe disso. Esta consciência alimenta não só a brutalidade de suas ações, mas também a rivalidade com o General Hux. A relação é muito diferente do que Vader tinha com quaisquer almirantes imperiais. Acima de tudo, Kylo Ren não é Darth Vader. Não é um Darth Maul também, como muitos pensavam. Ren não é mal por completo. Ele é um turbilhão de emoções, violento e transtornado como um samurai sem mestre. Adam Driver é eficiente na construção do vilão. Especialmente no duelo final de sabres de luz. Existe muita emoção envolvida nesse combate final. A luta é, sem dúvida, a melhor parte do filme. Principalmente por ser o momento em que temos a dimensão real do impacto que Kylo Ren possui para a saga e seus novos protagonistas.

A batalha final é uma luta de vida ou morte, que acontece em uma paisagem esbranquiçada em que a neve salpicada de sangue exalta o vazio emocional de duas pessoas que se veem sozinhas na galáxia após a perda daquilo que tinham como figura paterna. O vencedor deve matar o vencido. Protagonista e antagonista estão lutando para matar, e isso fica claro na hora que Ren é derrotado e os dois combatentes são separados pelo abismo do planeta se destruindo. A imagem é muito forte! Existe um abismo entre protagonista e antagonista, que os separa fisicamente, psicologicamente e espiritualmente. Se não houvesse o abismo, eles se matariam. Esta cena, com esta imagem, deixa claro que não existe outra forma da luta deles terminar.

Estes novos personagens são reunidos pelos nossos velhos conhecidos. Que falta sentimos deles! Leia não é mais uma princesa. Ela é uma General. Carrie Fisher é feroz no papel de uma mulher liderando a resistência em meio à guerra, mas também é terna como a princesa do passado. Han Solo e Chewbacca estão de volta ao contrabando. Harrison Ford está no jogo e parece estar genuinamente se divertindo de volta ao antigo papel. Ele tem ótima química com os novos atores, e as cenas em que atuam juntos são frequentemente mais amenas, com toques saudáveis de humor. Han Solo agora é como um mentor para a nova geração. O cético do passado que se tornou crédulo no presente. Ele agora acredita na Força. Ele já viu muito na galáxia e tem muito a ensinar para quem acabou de chegar, especialmente para Rey. Este é um papel importante; e um dos mais emocionantes. Ele definitivamente está em casa. O que mais você precisar saber, você deve ver com os próprios olhos. Inclusive sobre Luke Skywalker.

O que se deve ter em mente quando se assiste a este Star Wars, assim como a qualquer Star Wars, é que esta é a história de uma família complicada, constantemente testada, que está sempre travando conflitos internos e externos na busca por um equilíbrio entre o bem e o mal que existe dentro deles próprios e na galáxia ao redor. Mesmo 30 e poucos anos depois. Esta é, sobretudo, uma história sobre pessoas como você e eu. Que até mesmo reflete alguns aspectos da realidade que vivemos atualmente. Guerras, fanatismo, disputas políticas.

Preciso ser honesto e dizer que não é fácil se sentar e escrever sobre Star Wars. O que a saga representa, pra mim e pra cultura pop como um todo, é grande demais. Envolve sentimento demais. Por isso, talvez as emoções sobre o filme sejam tão calorosas e apaixonadas, tanto as positivas quanto as negativas. Independentemente de qualquer coisa, O Despertar da Força é um filme que merece ser visto! É uma das melhores coisas de Star Wars que tivemos em anos desde a trilogia original.

Se há uma coisa evidente nas críticas e resenhas de Star Wars é que todas são reflexos das pessoas que estão criticando. São os que veem coisas positivas em Star Wars e os que veem coisas negativas, quase todos tentando provar seus pontos de vistas. Em geral, é assim em qualquer filme, só que com Star Wars, o coração fala muito mais alto e é impossível ser isento. A verdade é que as críticas à Star Wars dizem mais sobre o crítico do que sobre o filme. E eu me incluo nesse caso, estou falando de mim também. Por isso digo que vejam e aproveitem a jornada. No final, o que vale é a emoção que a obra deixa no final para quem a assistiu. Se a emoção é positiva ou negativa, vai de cada um e cabe a você mesmo lidar com ela. Não é também sobre isso que se trata Star Wars? Lidarmos com nossos eternos conflitos. O Despertar da Força é nostalgia até o final, com alguns lapsos em que abre as próprias asas, nos levando a um novo caminho. Ainda que se conforme com o sentimento de reinicialização, agarrando-se ferozmente ao cânone original, este é apenas um novo começo. O melhor possível.