Capitão Fantástico (2016), Matt Ross.
Um desses filmes que aparece de vez em quando, sorrateiro, sem fazer alarde, como um caçador treinado espreitando para abater um cervo imponente pela ignorância. Ele mexe conosco, e a cada cena, a cada diálogo, nos obriga a pensar nos caminhos da sociedade e nas escolhas (direito de escolhas) da vida. Ao tocar em temas instigantes de forma divertida e comovente, o filme nos mostra o que aconteceria se crianças fossem criadas longe da sociedade, isolados em uma floresta.
Em sua rigorosa rotina, estas crianças seriam criadas sob uma dieta saudável e natural de carne, frutas e legumes que eles precisam conquistar com seu próprio esforço, misturada a doses pesadas de educação de alto nível para estimular análises críticas aguçadas e atividades físicas altamente perigosas para torná-los mais fortes. Longe das distrações do capitalismo e dos excessos de glicose e tecnologia, estas crianças teriam vantagem sobre seus semelhantes em múltiplos níveis. Seria como uma utopia. Ou uma espécie de República segundo Platão.
Mas até que ponto estas crianças realmente estariam preparadas para a sociedade moderna? Será que tudo aquilo que eles aprenderam em um universo isolado os teria preparado para o trato social? Como sobreviver sem contato algum com o mundo além da selva? São questionamentos pesados, que nos estimulam o tempo todo enquanto a história nos apresenta o pai dessas crianças e sua tentativa de criá-los segundo sua utopia, alternando com agradável sabedoria as necessidades de humor e tensão do excelente roteiro. Mais do que isso, Capitão Fantástico tem estilo, mesmo quando usa um paletó vermelho berrante. Ele é honesto e incisivo em suas concepções, mas nunca se deixa levar por um espírito de pregação ou julgamento. Ele apenas nos estimula. Cabe a nós pensarmos e elaborarmos nossas próprias análises sobre ele. Como se nós, espectadores, fossemos também seus filhos.
Na história, Ben (Viggo Mortensen) dedicou a vida para transformar seus seis filhos em adultos extraordinários. Quando uma tragédia atinge a família, eles são obrigados a deixar este paraíso idealizado e começam uma viagem ao mundo exterior que desafiará suas ideias sobre família e coletividade, forçando-os a repensar tudo o que lhes foi ensinado até agora.
A estrutura narrativa concisa é o que permite o filme se encaixar e explorar suas questões sobre o peso da paternidade e da forma mais adequada e estimulante para criar os filhos sem se sentir supérfluo e confuso. A morte da esposa de Ben traz fronteiras a serem ultrapassadas em cada uma das cenas, e junto com os filhos, ele consegue avançar com um nível de imprevisibilidade e naturalidade que nunca torna a história desconfortável.
Desde o momento em que a pré-adolescente Zaja (Shree Cooks) deixa seus primos ignorantes embaraçados com seu conhecimento sobre a constituição e o governo norte-americano, passando pelo momento em que Bo (George MacKay) tem o primeiro encontro desconcertado com uma garota, até Viggo Mortensen saindo de seu ônibus em um campo de trailers despreocupadamente nu, Capitão Fantástico ostenta com orgulho a leveza surreal que equilibra o peso de suas questões. Em dados momentos, quase poderíamos acreditar que estamos assistindo a um filme de Wes Anderson.
Mortensen é a estrela maior que ajuda o diretor Matt Ross a conduzir o calor de grandes performances, enquanto o enredo nos revela uma sociedade que pode enaltecer e atrasar nossas vidas. A crítica aos excessos do chamado capitalismo selvagem é dolorosamente evidente, assim como a rejeição do filme ao modo de vida condescendente que muitas pessoas assumiram numa sociedade que parece entorpecida. Por outro lado, a história apresenta as vantagens e desvantagens para ambos os lados, dos criados na cidade e dos criados longe dela.
O modo de vida de Ben, apesar de utópico e eficiente, não é perfeito. Também é inadequado em vários aspectos. Seus filhos são levados ao limite de suas capacidades e muitas vezes acabam feridos por isso. Eles nutrem ressentimentos em relação a ele e como se deu o falecimento da mãe. Eles são levados a roubar e não fazem ideia de como lidar socialmente com outras pessoas. Ainda que sejam ensinados a analisar racionalmente as pessoas sem tirar sarro de seus erros e defeitos, as crianças, assim como Ben, as encaram com certo desdém, como se os outros fossem inferiores por não compartilharem dos mesmos preceitos. Ben, eventualmente, beira um radicalismo em seu discurso que acaba batendo de frente com o radicalismo capitalista do avô das crianças, pai de sua falecida esposa. A jornada que este filme propõe é de aprendizado para todos os personagens dentro dele e para todos nós espectadores fora dele. Mesmo em uma utopia, existem conceitos distópicos que precisam ser revistos, repensados. Capitão Fantástico é maravilhoso porque ensina que o radicalismo para quaisquer ideias não é uma solução. Pode ser um caminho, mas não uma solução. O filme ensina que o importante é respeitar os direitos de escolha de cada um para, por fim, chegar a um meio-termo. E de meio-termos, se faz o equilíbrio necessário para convivência entre social e capital, humano e animal, selva e civilização.
Capitão Fantástico, curiosamente, luta contra seus próprios orgulhos e teimosias, levando seus personagens a atingir o auge quando filosofias ou ideologias são desafiadas. Poderia facilmente desandar em uma peça puramente expositiva e arrogante, mas o roteiro trabalha emoções genuínas da trama e dos personagens enquanto Viggo Mortensen alimenta o filme com intensidade corporal, sentimentalismo, força bruta e um carisma quase infantil de alguém que acredita na pureza do mundo que construiu. As crianças que dividem emoções com ele também concedem à história alegria e ingenuidade adoráveis, ora mostrando-se dependentes, ora camaradas uns com os outros, impulsionando ainda mais Mortensen em sua jornada. Quando surgem os percalços e o desespero, elas são o drama e o alívio, e a resistência até o fim. A excentricidade encantadora desta família é o legado para se chegar aos meios-termos de uma vida verdadeiramente idílica.
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