A Forma da Água (2017), Guillermo del Toro.
O mestre contador de histórias, Guillermo del Toro, traz um conto de fadas ambientado nos Estados Unidos na época da Guerra Fria, por volta de 1962. No laboratório secreto e de alta segurança do governo onde trabalha, Eliza Esposito leva sua vida com otimismo, ao lado da amiga Zelda. O que diferencia Eliza é que ela é muda desde a infância e isso, por vezes, faz com que se sinta solitária. Sua vida muda quando ela se envolve com uma experiência secreta realizada no laboratório.
Baseado em uma ideia de Daniel Kraus e do próprio Guillermo del Toro, A Forma da Água é uma exaltação a uma das maiores paixões de del Toro, o filme de monstros, contado de maneira delicada sob a forma de um belíssimo conto de fadas sobre tolerância e amor. Nestes tempos estranhos em que vivemos, quando os discursos de ódio e a intolerância parecem cada vez mais fortes, uma história com esta é um bem-vindo alento. Não por acaso, o filme se passa na década de 1960, época da Guerra Fria, um período que pode ser definido como o fim da América idealizada.
Guillermo del Toro gosta de explorar momentos históricos complicados como pano de fundo para suas obras, como a Guerra Civil Espanhola em A Espinha do Diabo e O Labirinto do Fauno; o curioso de A Forma da Água é que o cenário de um passado conturbado seja tão próximo (e dolorosamente parecido) com o cenário de um presente conturbado. Para contar sua história, o diretor nos apresenta um homem anfíbio interpretado por Doug Jones (convocado por seu trabalho como o anfíbio Abe Sapiens em Hellboy, e por suas várias parcerias com del Toro em diversas produções) e uma jovem moça muda, Eliza, interpretada pela maravilhosa (e adorável) Sally Hawkins.
Com A Forma da Água, o diretor mexicano inaugura uma nova era em sua carreira, apresentando um clássico instantâneo que transborda de maturidade, sensibilidade e esperança para todos os lados. O filme é, ao mesmo tempo, uma história de amor verdadeiro, uma homenagem ao cinema de antigamente e uma crítica às repressões de gênero, raça e sexualidade que perduram até hoje. É também uma história sobre oportunidades, de direito à felicidade, seja qual for sua condição, seus interesses ou suas obsessões.
Guillermo del Toro mistura magistralmente todos estes elementos, explorando uma época em que a desconfiança se refletia em todas as camadas e aspectos da sociedade. Há uma beleza cativante na maneira como começa e se desenrola a relação dos protagonistas, baseada na expressão e na comunicação não-verbal. Empatia e entendimento surgem sem que palavras precisem ser ditas. A história de amor que se constrói nos lembra de filmes clássicos como O Monstro da Lagoa Negra ou A Bela e a Fera; com direito até a um sonho de canto e dança para materializar a sutil dança já encenada ao longo de toda a história.
A Forma da Água é um filme emocionante, vibrante e discreto, que vai direto ao ponto. Ele nos instiga, nos diz que é hora de acordar e que devemos fazê-lo sem receios e rodeios, sem nos prendermos às amarras dos preconceitos, do ódio e da intolerância. Como é a própria água, a história às vezes inquieta, às vezes acalma. É um filme que deve ser visto. Mas não apenas veja. Sinta! Feche os olhos. Permita-se sentir as emoções. A forma que a água toma é diferente para cada um de nós. E ainda assim, ela envolve a todos sem distinção.
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