Quando você adentra Main Street, no Magic Kingdom, passa a acreditar que a realidade é mesmo um consenso que seu cérebro aceita para não pirar, mas que o verdadeiro real tem algo de onírico que não pode ser alcançado sem um estado de torpor e felicidade. Andando pelas ruas imaginadas por Walt Disney, você vê que a utopia é possível, é capitalista e lembra uma cidadezinha norte-americana do início do Século XX, que está à disposição de todos aqueles interessados em gastar todas as suas economias e passar duas semanas se alimentando de hambúrguer e batata frita.
Sua produção de dopamina passa a se associar com a quantidade de dólares que você gasta. No início, você compra de tudo, de roupas que não sabe se vai usar a bugigangas das mais variadas nas lojinhas das saídas de cada atração. E mais, nos outlets, os brasileiros se sentem milionários, comprando eletrônicos, perfumes e mais roupas como se suas próprias vidas dependessem disso. Para completar, basta entrar em algum Walmart e comprar a preço de banana chocolates, balas, refrigerantes e, claro, mais um pouco de roupa.
É um verdadeiro sonho. Você gasta sem preocupação, sem pensar na próxima fatura do cartão. Os mais empolgados simplesmente não pensam nas consequências e vão comprando o quanto podem. Não é essa a vida que os filmes de Hollywood prometeram? Você se esforçou para isso, então merece mais um agrado.
Até que os dólares começam a acabar. Você faz contas, dá pra comprar mais um pouquinho. Mas aí vai comer hambúrguer mais uma vez, e enquanto molha a milésima batata frita no ketchup, começa a ter saudades do arroz e feijão. Então, percebe que o dinheiro que sobrou está acabando, mal vai te sustentar até o fim da viagem, então, você vai ter que começar a se controlar. Mas o cérebro está pedindo por mais dopamina, será que você vai conseguir?
É nesse momento que você consegue reparar em coisas que estão à sua volta. Nos parques, quase todos os funcionários são universitários, e alguns são idosos. Apesar de todos estarem ali gastando o que podem e não podem, a mão de obra deve ser a mais barata possível. Por falar em idosos, e aquele senhorzinho no caixa da farmácia que parece fazer tudo em câmera lenta? Ele já deveria estar aposentado, mas pra que Previdência Social? Basta você se esforçar o bastante que aos 80 anos ainda terá de estar trabalhando para sobreviver. Tem também a garçonete que te dá o troco errado, não para te enganar, mas porque se enrolou em fazer uma simples conta de subtração. E aquela notícia de que tem funcionário do Walmart que mora em um trailer porque o salário não o permite pagar por uma moradia digna? Melhor deixar pra lá, né?
Será essa a verdadeira utopia? Mão de obra barata, clientes satisfeitos que gastam sem parar, gerando lucros astronômicos para os acionistas? E o ramo de turismo é que mais cresce e gera empregos, então tudo deve estar certo.
No final da viagem, já bate aquela bad de você ter que voltar para a sua vidinha mundana. Ter que trabalhar, economizar cada centavo para fechar o mês, e quem sabe juntar alguma coisa para poder voltar um dia. A vida de volta no Brasil é uma verdadeira crise de abstinência. Seu cérebro quer mais dopamina, e nada que você faça por aqui será suficiente. Tudo o que você quer é poder voltar ao consumismo desenfreado, a ter por alguns dias a vida de patrão, e achar que a vida realmente pode ser um conto de fadas, com direito à princesas de verdade. O país em crise econômica significa que sua crise de abstinência irá perdurar, e isso é algo inaceitável. Porque é só na Disney que você consegue ser feliz.
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