Alita: Anjo de Combate

Alita: Anjo de Combate

Alita: Anjo de Combate

Alita: Anjo de Combate (2019), Robert Rodriguez e James Cameron.

Mangá/anime não é um estilo fácil de se transformar em filme hollywoodiano. Talvez por isso Alita tenha demorado tanto a sair do papel. O mangá cyberpunk de Yukito Kishiro, originalmente chamado Gunnm e publicado em 1990, sempre teve um espaço especial no meu coração (humano). Em grande parte por causa da força de sua protagonista e sua busca por identidade. O incrível de Alita é que ela não tem memória, mas quer descobrir quem é, quer mais de si mesma, e ela luta por isso. Cada capítulo do mangá é uma luta. Cada descoberta é uma luta. Alita luta e isso é foda! E é uma ciborgue… adoro personagens ciborgues! Sim, tenho muitas razões pra gostar de Alita.

Na verdade, conheci Gunnm por causa do anime OAV de dois episódios também feito nos anos 1990. Comprei na época em VHS num dos eventos obscuros de desenhos japoneses que eu costumava ir, onde sempre se podia encontrar bons animes. Já falei neste outro texto sobre a experiência de caçar animes na minha adolescência. Eu vi o anime, gostei pra caramba, mas ele era visivelmente incompleto. Alguns anos depois, consegui ler o mangá e pronto, definitivamente apaixonado por Alita! Ela entrou lá em cima no meu seleto grupo de paixões onde estão Akira e Ghost in the Shell. E ao contrário destes dois últimos, Gunnm é bem mais simples; também têm suas questões filosóficas e morais, só que é bem mais diluído na ação, o que torna Alita uma história um pouco mais leve.

Fiquei obviamente muito feliz quando James Cameron comprou os direitos do mangá para transformar em filme. Ele tinha acabado de lançar Titanic (e eu adoro Titanic) e, convenhamos, é o cara de Exterminador do Futuro! *pensei nisso na época* E nos anos 1990, ainda não tínhamos tido o desastre Dragonball Evolution, que acabou com a credibilidade de Hollywood pra adaptar animes em filmes. Pra quem gostava de mangá, e pra quem gostava de Gunnm, havia uma expectativa em ver a obra levada para o cinema. Mas Cameron sempre disse que precisava de mais tecnologia para fazer o filme de Alita. Então, ele fez a série Dark Angel (que é absurdamente inspirada em Alita e ficou muito boa!) e depois Avatar. Seu envolvimento com Avatar é tão longo e intenso que colocou Alita de lado por quase VINTE anos.

E agora, FINALMENTE, o filme está entre nós! Já há a tecnologia necessária para contar essa história – e a tecnologia é MUITO BEM empregada! – e Cameron tomou a melhor decisão: colocou-se como escritor/consultor criativo/produtor e deixou o cargo de diretor para Robert Rodriguez, que faz um excelente trabalho. Rodriguez não é um cara de blockbusters, mas aqui ele se sente bastante à vontade, e continua a fazer aquilo que faz melhor em seus filmes: faz com que nos apaixonemos por seus personagens ~no caso, sua personagem!

Alita, como não podia deixar de ser, é a alma do filme. Rosa Salazar é cativante, vívida, ora frágil, ora imponente na medida certa. É o elo de todo o resto que a orbita. Seu crescimento de menina para mulher é natural, e sempre há um brilho em sua presença, em seus sorrisos. A força de seu caráter dá ainda mais emoção aos olhos grandes expressivos. “Eu não ficarei parada diante da presença do mal.” Quando Alita se ergue para enfrentar seus inimigos e desafios, ela luta! Ela carrega a essência do que é sua personagem e do que é o mangá. E isso é lindo!

O anime de dois episódios adaptava o arco inicial do mangá e a história de Alita e Hugo (eles têm outros nomes no original japonês, mas não vem ao caso aqui), o mesmo arco que serve de linha-guia para a história do filme. Só que Anjo de Combate, na verdade, condensa os 4 primeiros volumes do mangá principal em suas duas horas de duração (são 9 volumes na primeira saga, sem as continuações lançadas recentemente). O filme aproveita os pontos importantes, retira parte das discussões psicológicas, deixa o aspecto emocional, e foca na ação. Muita ação! Desenfreada, ágil, bem coreografada, visualmente impactante. Eu não esperava menos! Alita é um passeio emocionante pela jornada de descoberta de uma personagem grandiosa em um universo futurista extremamente inventivo. Não é à toa que o mangá usa o slogan de ser uma “Visão Hiperfuturista”. Pra quem curte a boa e velha ficção científica, está tudo lá! Realidade opressiva, implantes cibernéticos, guerras interplanetárias esquecidas, fortes contra os fracos, ricos muito ricos, pobres cada vez mais pobres, olho por olho, caçadores de recompensas, esportes sanguinolentos ~Motorball é FODA DEMAIS!!! ~é só você se sentar no cinema e desfrutar a viagem.

Não tenho me empolgado tão facilmente com blockbusters, confesso, e me refiro àquela empolgação de verdade, genuína, apaixonada, juvenil, de abraçar o filme com plena felicidade e satisfação. Poucos me causam isso atualmente. O último que me fez sentir isso antes de Alita foi Jogador Número 1. Poucos filmes atualmente me deixam assim tão… feliz. A mais simples sensação de felicidade por ver um filme bem-feito, divertido e acertadinho. E sejamos honestos: hoje em dia, é difícil ver uma franquia em potencial de blockbuster tão bem iniciada e fundamentada. Avatar gostaria de ter sido assim quando estreou, e passou longe. A recente adaptação de Ghost in the Shell poderia ter sido grande como Alita, e foi só ok.

E o mais impressionante é que Alita deixa seu gancho para continuação sem perder a noção de que deve contar uma história única, fechada em si mesma. Há possibilidades para o futuro, mas o filme funciona muito bem sozinho. Se não houver continuações, satisfaz, tá ótimo! Mas há todo um universo que pode ser explorado e aprofundado em continuações (o filme deixa um gancho óbvio pra isso, e como eu disse, 9 volumes de mangás sem contar as continuações atuais, que são mais uns 20 e poucos volumes). Não tenha dúvidas, Alita ainda tem história pra caramba pra contar se quiser!

Por tudo isso que gostei tanto do filme. Anjo de Combate é um blockbuster das antigas, assim como Jogador Número 1 é um blockbuster das antigas. Filme novo com essência old school. É algo que tá fazendo falta no cinema contemporâneo. Você sente a cada luta de Alita o amor de James Cameron e Robert Rodriguez pelo mundo que estão criando. E esse amor é essencial para manter tudo em harmonia. Filmes baseados em anime e mangá são difíceis de adaptar, mas Alita funciona porque tem coração. O que, aliás, me lembra de uma cena. Alita retira seu coração mecânico do peito e oferece ao seu amor. Intenso, não? Pois é. O filme faz isso por você. E eu aceito, feliz, o coração de Alita, pra guardar junto com o meu.